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Seia

Comércio mais que tradicional, familiar

31 dez, 2019 - 10:49 • Liliana Carona

A Renascença foi ver como está o comércio tradicional numa vila do interior, onde as lojas abrem para a cozinha e ainda se fia. Aqui brinda-se com Moscato “e já gozam”.

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Em muitas localidades do interior do país, o comércio tradicional é a única opção para quem quer fazer as compras de Natal e de passagem de ano. Em Santa Marinha e São Martinho no concelho de Seia, longe dos grandes centros comerciais e superfícies há lojas para tudo e para todos. Estes são estabelecimentos em que ainda se fia e a ida à loja de roupa ou à mercearia é sobretudo um momento de convívio.

A Renascença foi às compras ao comércio que, mais que tradicional, é familiar.

Vemo-nos gregos para encontrar a loja de Maria da Conceição em Santa Marinha. Está escondida na sua própria habitação tapada pelo jardim de casa. “Nunca tive razão de queixa e nunca me deu para pôr um toldo ou fazer publicidade”, justifica Maria, sem deixar de admitir que o negócio já conheceu melhores dias. “Hoje em dia tudo oferece dinheiro, nos anos 80 eu não tinha mãos a medir, vestia as crianças desde a escola até ao ensino superior”.

No negócio desde 1986, Maria da Conceição, de 65 anos, não precisa de publicidade nem de máquinas ou computadores. “É tudo à mão, o meu marido e o escriturário disseram-me para pôr uma máquina, mas eu não sou obrigada porque a minha coleta não abrange e faço a prova dos nove às contas”, exemplifica.

Para a passagem de ano, a roupa interior é a prioridade em Santa Marinha. “Uma cliente ainda agora comprou boxers, meias e cuecas”, acrescentando que “uma outra cliente veio pagar uma conta que devia, pois ainda fio, dou essa facilidade, vejo a dificuldade das pessoas e confio”, admite Maria da Conceição que, na loja de que é proprietária, não tem margem para saldos. “Marco logo uma percentagem mínima e nem podemos fazer saldos. Aqui nada passa a ‘mono’”, diz, explicando que se trata de uma “expressão que utilizamos para aquilo que já não tem interesse para vender”.

Nesta loja não há provadores, mas Maria da Conceição garante que os vai colocar em 2020. Entretanto, uma porta no interior da loja dá acesso à cozinha onde a patroa convida as clientes mais fiéis para um chá e uma fatia de bolo. “Coma uma bolachinha e uma fatia de pão de ló”, refere enquanto desenforma o bolo ainda quente.

Só falta mesmo o champanhe, que se encontra na mercearia da Manuela, na povoação vizinha de São Martinho. Judite Boia, 62 anos, é a funcionária que atende Conceição Aragão, de 67. “Queria um pacote de mariscada. Não tinha como ir a Seia buscar, tem que ser aqui. Tomo uma bica e serve de passeio. Se não tiver mariscada, é polvo”, adverte Conceição que quer fazer um arroz de marisco para a passagem de ano. Judite tira a mariscada de uma das arcas e pesa ainda alguns gramas de pimentão que outra cliente acaba de pedir. “Esse dia bebo”, admite Conceição, questionando se há champanhe. Judite responde que o champanhe francês “é muito caro para o nosso ambiente. Bebem um moscato e já gozam”. Nesta mercearia, não faltam os congelados e os frescos: a fruta e o pão.

Manuela Pinheiro, 53 anos, proprietária da mercearia que também é café, lamenta o fecho das fábricas e afirma que só mantém o negócio “pelo posto de trabalho que foi criado para Judite e pela benquerença que tem por alguns populares”. Maria Augusta Pais Deserto, 77 anos, não quer ouvir falar no fecho dos espaços de comércio tradicional. “Se não for isto, não há cá nada, mas antes preferem os hipermercados”, diz entristecida. Também Maria de Fátima Correia, 81 anos, está na fila da mercearia em São Martinho. “Vim buscar óleo para fazer as rabanadas, se quiserem vou já pôr a fritar”, convida.

Contas feitas no comércio tradicional: roupa interior nova a fiado, com possibilidade de pagar por várias vezes, pão de ló e rabanadas oferecidas e espumante por € 1,80. “É adocicado, mas as mulheres gostam, ainda ontem um rapaz que está na França abalou três seguidos”, garante Judite. “Eu ainda assim acho que é caro”, conclui Conceição.

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