20 nov, 2019 - 14:51 • Rosário Silva com Lusa
O António tem 19 anos e frequenta, desde o sétimo ano, a Escola Secundária André de Gouveia, em Évora. Embora a designação tenha sido abolida, a verdade é que é um aluno com necessidades educativas especiais e a falta de assistentes operacionais está a causar transtorno na rotina da família Santos.
Apesar da idade, e como não têm o 12.º ano, mantém-se no estabelecimento de ensino, com a frequência de duas disciplinas de um curso profissional.
“O António tem aulas três dias por semana, só de manhã, mas há um dia em que é a manhã toda, das 8h25 às 12h15. No intervalo das 10h, existe autorização para uma funcionária da escola, quando pode, ir dar-lhe qualquer coisa para comer, apesar dos problemas de aglutição [dificuldade de deglutir] que têm”, conta a mãe à Renascença.
Devido à falta de um funcionário para ajudar nesta e noutras tarefas que não consegue fazer sozinho, “é a professora do ensino especial que assegura a ida à casa de banho, dar o comer”, e a senhora acaba por não ter intervalos, pois "não é capaz de o deixar sozinho”, revela Esmeralda Santos.
“Ele tinha uma assistente operacional que o ajudava, através da câmara municipal, mas neste momento passou para a escola e as funções dela já não são essas. Por isso não há assistente operacional para tomar conta do meu filho”, acrescenta a progenitora que, curiosamente, é professora de profissão.
Esmeralda confessa que passa “o dia preocupada, embora esteja em contacto com a escola quando há alguma coisa”, estando quase sempre com “receio do que possa acontecer ao António”.
A mãe não poupa elogios à escola, que não nega “ajuda dentro da medida do possível”. Porém, sem assistentes operacionais, pouco mais há a fazer.
“O meu filho frequenta esta escola desde o sétimo ano e, neste momento, ela não está a dar a resposta que eu e o meu filho gostaríamos. Ele está bem cognitivamente e apercebe-se da situação”, adianta Esmeralda Santos que, esta quarta-feira, aproveitando uma visita a Évora do secretário geral da Fenprof, Mário Nogueira, quis deixar o seu testemunho e manifestar a sua preocupação por causa de uma situação que também afeta outros estabelecimentos de ensino da região e do país.
“Escolas empurradas” para regime de educação inclusiva, acusa Fenprof
A falta de recursos humanos é, de resto, uma das razões que leva a Federação Nacional de Professores (Fenprof) a incitar o Ministério da Educação a fazer uma séria reflexão sobre o novo regime de educação inclusiva, criado pelo Governo em 2018, e em curso nas escolas e agrupamentos do país.
“Queremos que o Ministério da Educação pare para pensar, não que suspenda a aplicação, e sobretudo para avaliar, com rigor, aquilo que está a acontecer”, alegou o secretário-geral da federação.
Mário Nogueira pede que se oiça quem está no terreno a aplicar o novo regime, “professores, mas também encarregados de educação e alunos”, e que seja alterada “a lei no sentido de corrigir os erros que o regime tem.”
Para a Fenprof, o regime de educação inclusiva deveria ter sido “aplicado, neste primeiro ano, a titulo experimental”, e que as “escolas não fossem empurradas para ele, se sentissem que não tinham condições”. O dirigente afirma que o Governo “impôs à força” o regime, que “implementou à pressa”.
“Isto não é para dizer que o regime de educação inclusiva deve acabar, nós não somos a favor de regimes seletivos e de exclusão. Estamos aqui para dizer que não vale a pena ter um discurso e depois uma prática que o contraria”, sublinhou.
“O que vale mesmo a pena é criar condições para que a escola seja inclusiva e é isso que o Ministério da Educação não está a fazer”, insistiu, numa conferência de imprensa realizada em Évora, à porta da Escola EB1 do Rossio, onde, até esta terça-feira, duas crianças com necessidades educativas não podiam frequentar o estabelecimento, por falta de acompanhamento específico.
Educação inclusiva: Escolas e professores com diferentes opiniões
Mais de dois terços dos professores de escolas nacionais consideram que a resposta aos alunos com necessidades educativas especiais não melhorou com o regime de educação inclusiva, mas dois terços das direções têm opinião contrária, segundo a Fenprof.
"Isto é curioso. Dois terços das direções de escolas avaliam positivamente a aplicação do regime [da educação inclusiva] e dois terços dos professores individualmente considerados - temos 1.192 respostas, ou seja 10,8% dos professores - consideram o regime globalmente negativo", afirmou Mário Nogueira.
Na conferência de imprensa em Évora, o responsável da Fenprof, acompanhado por outros dirigentes da federação e do Sindicato dos Professores da Zona Sul, apresentou a síntese dos resultados.
O inquérito, que visou analisar no terreno a forma como está a ser implementado o novo regime jurídico de educação inclusiva, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 54/2018, foi submetido a 92 escolas e agrupamentos escolares do continente, de norte a sul, o que é "ligeiramente superior" a 10% do total (801 escolas e agrupamentos), explicou.
Segundo Mário Nogueira, "a conclusão é extraordinária", atendendo às respostas "diametralmente opostas", como se pode ler no estudo, da parte das direções e da parte dos professores.
"Pedimos àqueles que, estando à frente das escolas não são propriamente os que estão nas salas com as crianças", mas "levaram as lavagens ao cérebro da parte do Ministério [da Educação] e do secretário de Estado João Costa sobre os enormes benefícios deste novo regime, e aos professores, que são aqueles que, no dia-a-dia, dentro da sala de aula, o estão a aplicar", frisou.
O secretário-geral da Fenprof insistiu que "é curioso como, dentro da mesma escola, quem tem que mandar aplicar acha bem e quem tem que fazer e percebe as dificuldades acha mal".
Os resultados do estudo, consultados pela agência Lusa, indicam que 63% das direções das escolas "consideram que a resposta aos alunos com necessidades educativas especiais melhorou e 18,5% consideram que não melhorou".
"Já em relação aos docentes, a opinião inverte-se, com apenas 15,6% a afirmar que a resposta melhorou e 67,8% a considerarem que não melhorou, dos quais quase metade afirma mesmo que piorou", pode ler-se no estudo, que refere ainda que "18,5% das direções" não respondeu ou não manifestou opinião, enquanto, nos docentes, essa percentagem foi de "16,6%".
A nível positivo, direções e docentes afirmaram que o regime de educação inclusiva permite maior sensibilização de todos para os problemas da inclusão, maior envolvimento do conjunto de professores e trabalho mais colaborativo, abrange mais alunos e faz com que a resposta não assente num modelo clínico, entre outros argumentos.
O que fez com a resposta não tivesse melhorado e, em alguns casos até a piorou, são situações como escassez de tempo para implementar o modelo e debatê-lo, carência de recursos humanos, materiais e físicos, estagnação orçamental, falta de formação, maior conflitualidade na sala de aula, aumento da burocracia, entre outras, indica o estudo.