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O órgão do século XVI que atrai os nipónicos a Évora

24 set, 2019 - 18:04 • Rosário Silva

Instrumento renascentista encantou a primeira missão japonesa enviada à Europa, há 400 anos. Não é restaurado desde 1967 e a embaixada do Japão quer encontrar apoios para preservar o precioso órgão e a sua "sonoridade única".

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Chegam em turismo ou em missões empresariais e não escolhem Évora ao caso. São vários os grupos de japoneses que escolhem visitar a cidade. Fazem-no por diversas razões, mas todos com um objetivo comum e bem definido: visitar a Sé eborense que abriga um tesouro muito caro ao Japão. Trata-se de um imponente órgão de tubos, datado do século XVI, que há 400 anos encantou a primeira missão japonesa enviada à Europa.

É um órgão único no país e uma das jóias da catedral", conta à Renascença o cónego Eduardo Pereira da Silva, vigário geral da arquidiocese de Évora. "Os primeiros príncipes que vieram do Japão a Portugal passaram por Évora e tocaram neste órgão, daí o significado histórico e a importância que os japoneses atribuem ao instrumento, fazendo com que muitos grupos nos visitem e peçam, até, para ouvirem um pequeno apontamento.”

O facto histórico é tão relevante que a embaixada do Japão, através da Associação Kamakura-Portugal, promete ajudar a encontrar os apoios necessários para a restauração do precioso instrumento, tendo já efetuado contactos, quer com responsáveis da arquidiocese de Évora, quer com a Direção Regional de Cultura do Alentejo (DRCA).

Numa visita recente à cidade, Genjiro Ito, presidente da Associação Kamakura-Portugal, confirmou que está a envidar esforços para “encontrar os fundos necessários”, para recuperar o órgão renascentista.

“Não é fácil, mas é possível. Estou a tentar fazer tudo para encontrar os meios”, refere Ito, que dá aulas na Universidade de Kanto Gakuin, em Yokohama.

O desígnio é acolhido com satisfação pelo cónego Eduardo Pereira da Silva.

“O que se pretende fazer andará à volta dos 90 a 100 mil euros, não sendo uma recuperação significativa, mas é necessário intervir neste género de património, por isso tudo o que vier, se vier, é bem-vindo”, diz o sacerdote.

Quem não estranha o interesse dos japoneses é o organista da Sé de Évora, Rafael Reis, que desde há 22 anos tem o privilégio de tocar no órgão que, à época, aproximou ainda mais Portugal do Japão.

“É um órgão do século XVI dos mais antigos da Península Ibérica e a sua importância não é só histórica. Estamos a falar de um instrumento de grandes dimensões para a época, com uma sonoridade única e que, enquadrado na catedral, faz dele um dos mais relevantes também no contexto europeu.”

O último restauro foi feito em 1967 e, desde então, não houve qualquer manutenção. “Já passaram 52 anos, por isso é preciso fazer uma revisão, alguns tubos não funcionam, mas também a nível estrutural, até por causa da própria segurança do local”, acrescenta o organista.

Este interesse dos nipónicos merece todo o apoio da DRCA, apostada em incrementar o turismo cultural. Ana Maria Borges reconhece que, por si só, o Estado não chega a todo o lado, mas que com ajudas tudo fica mais fácil.

“Temos a responsabilidade da conservação do património, mas a nossa disponibilidade financeira tem de ser repartida por todo o Alentejo, que é detentor de um valioso e diversificado património. Se tivermos o apoio, neste caso para recuperar o órgão, para nós é muito importante”, assegura a responsável da DRCA.

Um fascínio com quatro séculos

A História explica o enlevo dos japoneses pelo órgão de tubos do século XVI que está na Sé de Évora, mas é necessário recuar a 1549, quando os primeiros missionários cristãos, incluindo S. Francisco Xavier, chegaram ao sul do Japão.

Quase quatro décadas depois desta primeira missão de evangelização (em 1582), a história das relações entre o Japão e Portugal é fortalecida, de forma indelével, pela concretização da chamada Missão “Tenshõ”, que levaria quatro jovens missionários, oriundos de famílias nobres japonesas, até à Europa com a incumbência de se reunirem com o Papa em Roma.

Os quatro jovens, com idades entre os 13 e os 14 anos, partiram do porto de Nagasaki, chegando a Lisboa dois anos depois, em 1584, tendo sido recebidos pelo então vice-rei de Portugal, o Cardeal Arquiduque Alberto de Áustria, sobrinho de Filipe II de Espanha (I de Portugal).

Sabendo desta missão, o então arcebispo de Évora, D. Teotónio de Bragança, “um homem iluminado e inteligentíssimo”, conseguiu que “os meninos japões”, antes de rumarem a Espanha e posteriormente a Roma (onde chegaram em 1585), passassem por Évora e Vila Viçosa.

“Em Évora, concretamente, onde ficam cerca de uma semana, são recebidos por D. Teotónio”, conta à Renascença Ana Maria Borges. “Há documentos onde eles fazem uma descrição fascinante do que viram aqui, era tudo diferente, eram os olhos dos orientais face à civilização do Ocidente”, refere, ainda, a responsável da Direção Regional de Cultura do Alentejo.

“Uma das coisas que acharam fascinante foi o órgão da Sé. Era enorme, tinha um som fabuloso, tocavam numa tecla e mexiam-se várias teclas, e eles fazem uma descrição pormenorizada sobre isso”, acrescenta Ana Maria Borges, que atribui à Missão “Tenshõ” uma "extrema importância, para nós e para os japoneses”.

Hoje em dia, são muitos os japoneses que se deslocam a Évora para ver e ouvir este órgão, onde os seus antepassados nobres tocaram. São também eles que podem vir a patrocinar o restauro desta pérola ibérica do som com 400 anos.
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  • MANUEL DA COSTA
    03 dez, 2020 SYDNEY - AUSTRÁLIA 10:26
    !!! Neste parágrafo não é dado a conhecer a verdade. Este instrumento foi assistido e se encontrava em prefeito estado de funcionamento, até eu ter saído da Portugal em 1980, e mais tarde terá sofrido alterações “criminosas” em relação à sua originalidade, por quem abusivamente interferiu com o Restauro de 1957.
  • Manuel da Costa
    19 out, 2019 Sydney 02:01
    Se este histórico instrumento já restaurado há cerca de 50 anos passados, e desde 1980 que desconheço o seu estado funcional ou de conservação, quer por falta por falta de manutenção ou de cuidados, qual a razão ou necessidade de “novo restauro”? Alguém com conhecimento de causa, honestamente poderá esclarecer? Faço esta pergunta por motivo de interesse profissional, até por ter estado envolvido no seu Restauro na Holanda, e nele ter prestado assistência nos anos 70. Sydney, Austrália 19-10-2019 Manuel M. Saraiva da Costa

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