30 ago, 2019 - 13:11 • Marta Grosso com redação
Veja também:
A diplomacia portuguesa não falhou, foi persistente e acutilante e soube aproveitar, não só as circunstâncias históricas, como a vontade do secretário-geral da ONU na altura para encontrar uma solução para Timor-Leste.
É assim que o embaixador Fernando Neves classifica a atuação de Portugal nas negociações que conduziram à independência de Timor-Leste, em maio de 2002.
O processo começou uns anos antes e a chegada de Kofi Annan à ONU, em 1997, representou uma janela de oportunidade.
“Quando o Kofi Annan assumiu o cargo de secretário-geral das Nações Unidas e decide ter uma atitude mais pró-ativa em relação a Timor, Portugal soube responder e soube aproveitar essa oportunidade”, afirma à Renascença Fernandes Neves, que representou o Governo português nas discussões com a Indonésia.
No seu entender, Kofi Annan foi “absolutamente definitiva” para o sucesso das negociações. “Sem a iniciativa dele, provavelmente nada disto teria acontecido”, reforça, recordando que a expectativa de Portugal na altura era muito baixa. “Não pensávamos que era possível chegar à independência no fim do processo, não. Pensávamos que ia ser muito difícil”.
Mas a perceção mudou no final de 1998. “As negociações sobre o projeto de autonomia estavam a correr muito bem e há um momento em que o embaixador Marker [Jamsheed Marker, mediador da ONU nas negociações] nos diz que o Alatas [Ali Alatas, ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia na altura] lhe perguntou se o estatuto de autonomia era para ser definitivo”.
“Ou seja, havia já, da parte dos indonésios, a possibilidade de aceitar a aplicação de um estatuto de autonomia muito lato e que, através de uma forma de expressão da vontade dos timorenses, ficasse decidido se eles ficavam dentro ou fora da Indonésia”, refere.
Limpar a face da Indonésia. “Não queríamos humilhar”
A partir daqui, e porque “a Indonésia estava farta de fazer cedências, começava a pôr-se a questão da imagem da Indonésia”. Portugal sugeriu então à ONU que fosse Jacarta a propor os próximos passos a dar.
“O nosso objetivo não era humilhar a Indonésia, era resolver o problema de Timor. E foi assim que a coisa correu”, sublinha o embaixador ao programa As Três da Manhã.
E foi assim que surgiu o surpreendente “salto de campino” de Bacharuddin Jusuf Habibie, Presidente indonésio, ao propor a realização de um referendo em Timor-Leste.
“Devo dizer que fiquei surpreendidíssimo. Estava a preparar-me para ir para o aeroporto para apanhar o avião para Washington para dizer aos americanos que, como Timor só fazia parte da Indonésia, segundo a Constituição indonésia, porque os timorenses o tinham pedido, então podia-se levar outra vez a questão à Assembleia Nacional do Povo Indonésio, que é uma coisa que se sobrepõe ao Parlamento e que inclui várias outras personagens e membros, e lá dizer que, afinal, agora os timorenses já não queriam fazer parte da Indonésia”, recorda Fernando Neves.
“E no fundo é isso que ele [Habibie] fez”, acrescenta.
No dia 30 de agosto de 1999, os timorenses foram chamados a escolher entre uma maior autonomia enquanto província da Indonésia e a independência total.
“Tive sempre a certeza de que votariam a favor da independência”, afirma o embaixador português.
Por esta altura, aumentava a violência nas ruas. “Tivemos sempre uma grande angústia, porque a violência ia crescendo em Timor; as Forças Armadas e a polícia indonésia, não só controlavam as milícias como as apoiavam; então se quisessem impedir pela força que isto se realizasse podiam fazê-lo”, conta.
Mas, depois da proposta do Presidente indonésio, “voltar para trás teria um custo” e, no fundo, “o objetivo da proposta era ver-se livre de um problema que punha em causa o papel da Indonésia enquanto grande potência regional”, que se queria tornar.
No meio deste processo, houve uma outra figura que se tornou conhecida dos portugueses: o então ministro dos Negócios Estrangeiros indonésio, Ali Alatas. Fernando Neves garante que a sua única intenção era evitar o sucesso das negociações.
“Fez tudo o que estava ao seu alcance para impedir que o resultado deste processo fosse a independência de Timor”, afirma, reconhecendo em Habibie e “nos seus conselheiros” o “papel determinante” para que o fim de tudo fosse a autodeterminação do território.
A independência de Timor-Leste chegou em 20 de maio de 2002. “As cerimónias começaram com uma missa solene e foi impressionante. Estavam mais de duas mil pessoas”, recorda o embaixador.
“Um espetáculo maravilhoso de pessoas a virem das montanhas sem medo do que pudesse acontecer; via-se, nesta missa, a unidade do povo timorense e o apego que têm à independência”, destaca.
Por tudo isto, Fernando Neves considera que, “neste longo processo diplomático”, Portugal “atuou sempre de maneira absolutamente exemplar e correta e não cometeu nenhum erro”.
“Formalmente, a posição portuguesa era tentar melhorar as condições dos timorenses, defender o exercício de autodeterminação do povo timorense e não fazer qualquer cedência em que estivesse em causa o exercício desse direito timorense”, sublinha.