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Trocava praia e festivais de verão por trabalho social? Há quem o faça

09 ago, 2019 - 10:14 • Olímpia Mairos

Voluntários reabilitam casas e ajudam a reconstruir vidas. De luvas na mão, botas de biqueira de aço nos pés e capacete na cabeça, reconstroem casas de famílias carenciadas. São jovens voluntários que trocam as férias de verão por uma missão.

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Acreditam num mundo onde a pobreza habitacional faz parte dos livros de história. E é por isso que prescindem das férias de verão e metem literalmente mãos à obra para reabilitar casas de famílias carenciadas.

São jovens voluntários da associação "Just a Change" e estão em Vila Pouca de Aguiar, numa corrida contra o tempo, para reabilitar cinco habitações. Em Campo de Jales, o grupo de voluntários foi surpreendido com o muito trabalho a realizar, em apenas 15 dias.

“Na prática, estamos a construir a casa, de cima para baixo. Tínhamos previsto trocar o telhado, o teto e as paredes da casa e, quando chegámos, demos com uma situação um bocadinho mais complicada do que aquela que pudemos ver com as visitas iniciais”, conta à Renascença o coordenador do grupo, Afonso Pires.

O jovem de 25 anos, de Lisboa, fotógrafo de profissão, explica que o chão da casa “estava empenado” e que, por isso, foi decidido colocar um chão novo. Uma decisão que acarreta muito mais trabalho, pois “envolve trocar as vigas. E trocar as vigas envolve trocar suportes”.

Os jovens trabalham diariamente. E entusiasmo não lhes falta. Começam pelas 9 horas da manhã e terminam pelas seis da tarde.

“Regra geral, ficamos até estar acabado o objetivo do dia e, se pudermos adiantar um bocadinho, adiantamos. Somos todos voluntários, portanto, boa vontade é uma coisa que não falta”, diz Afonso Pires, sublinhando que “é recompensador e é especialmente recompensador, quando damos de caras, todos os dias, com as pessoas”.

Sim, porque os beneficiários do projeto, ou seja, os donos da habitação estão a ajudar e, segundo o jovem, ao serem recebidos “com um sorriso, contentes”, porque estão ali, e a pedir para ficarem “mais um bocado”, é “reconfortante”.

“É isso que ajuda muito a vir para aqui trabalhar, porque cansamo-nos e há dias que não apetece. E se estiver a chover, ainda menos. Vendo quem está a ser ajudado, sinto-me melhor”, observa.

O fotógrafo que faz obras há algum tempo com a "Just a Change", já percebe algumas coisas, mas refere que está sempre a aprender e destaca a humildade como a chave do sucesso. “Temos que ter a humildade de pedir ajuda, quando não sabemos fazer as coisas. Uma obra é uma coisa complexa. Estamos a deixar uma casa onde as pessoas vão viver e queremos que fiquem muitos anos”, sublinha.

Carlota Castro, de 19 anos, está no 3.º ano da licenciatura em gestão na Faculdade de Economia do Porto. Queria fazer uma experiência de voluntariado e até pensou em algo a nível internacional, mas, depois de ter falado “com amigos que já tinham passado pelo Just”, percebeu que “era algo que podia ser engraçado”. No campo de voluntariado a jovem portuense já fez massa, colocou chão, fez paredes, assentou blocos de cimento e já carregou muitas coisas.

“Quando vim, estava à espera de algo que realmente pudesse ter impacto e que não fosse simples. Já estava à espera de ser uma coisa complexa. Nunca me senti assustada e a equipa é tão boa que temos sempre vontade de acabar. Nunca nos sentimos assustados. Temos sempre a segurança que vamos fazer tudo para acabar e conseguir fazer o melhor trabalho possível”, conta, classificando a experiência como “incrível”.

Desafio grande, mas muito gratificante

Ao lado dos jovens voluntários está o mestre de obras, um técnico da associação "Just a Change", Samuel Luwawa. Trabalha na instituição “há uns dois anos” e assume que “é um desafio muito, muito grande, mas é gratificante”.

“Estamos a trabalhar com jovens que deveriam estar na praia e estão aqui, a ajudar as pessoas carenciadas. E isso é de louvar e dá vontade de estar a trabalhar com eles”, conta à Renascença.

O técnico reconhece que muitos dos jovens chegam sem qualquer experiência e refere que “alguns, às vezes, nem numa vassoura sabem pegar”, para sublinhar que “no campo aprendem e começam a ganhar muita responsabilidade na vida”. “Já tive jovens que, quando entraram, tinham medo de pegar as coisas, de trabalhar, meter a mão na massa, mas hoje já aprenderam muito, já estão quase a chegar aos meus pés”, diz, por entre sorrisos.

“É o que é mais gratificante, ao estar a trabalhar nesta instituição. Esta associação não é uma empresa de construção civil. É uma associação com o foco voltado para combater este tipo de situações que existem aqui, em Portugal, que é a pobreza extrema. E vê-se o esforço destes jovens a lutarem e acho isso muito valioso”, conclui.

Mateus Pires, de 24 anos, estudante de geologia na faculdade de ciências da universidade do Porto é o diretor do campo de voluntariado em Vila Pouca de Aguiar. Trata de toda a operação logística, desde orçamentos, encomendas de materiais e a sua distribuição, à gestão de voluntários e segurança. “Não é um trabalho fácil, mas é um trabalho cuja dificuldade se põe um bocado de parte, dada a causa que é. Dá gosto fazer, é uma aprendizagem constante, é um desafio. E, no final de tudo, vale a pena e ninguém olha para as dificuldades”, conta.

A felicidade de uma casa nova

A habitação que os voluntários estão a recuperar em Campo de Jales pertence a Álvaro Rodrigues Gonçalves, de 59 anos. Vive ali com a esposa e dois filhos, sem as mínimas condições. “Eu tinha uma casa que era um palheiro autêntico. Toda feita de madeira. Estava em mau estado. As madeiras estavam todas podres”, conta, sublinhando que esperou oito anos por esta ajuda.

“Os oito anos foram passando, até que agora conseguiram dar-me esta ajuda. Esta ajuda é tão bem-vinda!”, exclama. “Sinto-me um pouco emocionado. Era um sonho. Sempre o tive. Agora foi realizado”, afirma Álvaro, sem conseguir conter as lágrimas.

Dos voluntários só sabe dizer bem. “Vieram dar uma ajuda em excelência. Não há palavras para eles. Gosto de trabalhar ao pé deles. São excelentes trabalhadores, bons artistas”, afirma, manifestando o desejo de lhes agradecer, “se não for com uma coisa” é “com a amizade do peito”.

Em Vila Pouca de Aguiar estão 35 voluntários, cinco coordenadores, três mestres de obras, três diretores de campo, a ‘mamã’ e o ‘papá’ - designação dada às pessoas que tratam das questões relacionadas com as refeições e a manutenção do espaço onde estão alojados. A missão é recuperar cinco habitações de famílias carenciadas, no âmbito de uma parceria entre a câmara, a Fundação Manuel António da Mota e a associação Just a Change.

A "Just a Change" foi fundada em 2010, com o objetivo de recuperar casas degradadas de pessoas com poucos recursos, com o apoio de voluntários, parceiros locais e empresas. Até ao final do verão, esta organização sem fins lucrativos conta ultrapassar as 200 casas recuperadas.

Em 2017 foi distinguida pelas Nações Unidas no âmbito do "Social Innovation to Tackle Fuel Poverty", um programa criado pela conferência sobre Alterações Climáticas (COP23).

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