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Helena Matos, pianista e professora "brilhante", morreu aos 100 anos

24 jul, 2019 - 23:47 • Marisa Gonçalves, com Lusa

Em declarações à Renascença, o musicólogo Rui Vieira Nery recorda Helena Matos como uma "belíssima pianista" que trocou uma carreira a solo "brilhante" pelo "sacerdócio do ensino".

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A pianista portuguesa Helena Matos morreu aos 100 anos, na noite de terça-feira, em sua casa, em Lisboa, disse esta quarta-feira à agência Lusa fonte da família.

Distinguida com a Medalha de Mérito Cultural do Ministério da Cultura, em 2017, Helena Matos destacou-se em concerto, no país e no estrangeiro, tendo atuado com diferentes gerações de grandes intérpretes, como os violinistas Jack Glattzer, Christa Rupper e Leonor Prado, entre outros músicos.

Na Escola de Música do Conservatório Nacional, em Lisboa, onde lecionou durante toda a carreira, manteve-se como referência de músicos como os pianistas Jorge Moyano e Adriano Jordão, e de musicólogos como Manuela Toscano e Rui Vieira Nery, que se contam entre os seus muitos alunos.

Maria Helena Leite de Matos da Silva entrou no Conservatório Nacional, com 11 anos, no início da década de 1930, quando a direcção musical da escola se encontrava ainda em Vianna da Motta, e iniciou pouco depois uma carreira de concerto que somou mais de sete décadas e se estendeu por todo o país e pelo estrangeiro.

Fez parte de júris de música e trabalhou com formações como a Orquestra Gulbenkian e as antigas orquestras do Teatro Nacional de São Carlos e da Radiodifusão Portuguesa.

Atuou com intérpretes como os violinistas Vasco Barbosa e Lídia de Carvalho, com a violoncelista Madalena Sá e Costa, assim como com o tenor Fernando Serafim, com quem gravou o seu derradeiro álbum, "Entrega", publicado em 2017.

Helena Matos distinguiu-se em particular na interpretação dos repertórios romântico e do século XX, a que deu atenção particular, incluindo obras de compositores como Anton Webern e Sergei Profokiev nos seus recitais, e também na divulgação da música erudita portuguesa, com composições de criadores como Armando José Fernandes, Fernando Lopes-Graça e Filipe Pires, de quem estreou "Seis Epígrafes", ciclo de canções sobre poemas de Natália Correia, que levou a várias salas do país, com a meio-soprano Dulce Cabrita.

Foi distinguida em 1948, com um prémio nacional de interpretação, recebeu igualmente o Prémio da Juventude Musical do Porto, em 1954, e o Prémio Luiz Costa, de homenagem ao compositor, em 1962.

Em 2017, o Ministério da Cultura atribuiu-lhe a Medalha de Mérito Cultural, por reconhecimento da sua carreira como intérprete e pedagoga.

A família da pianista informou que o corpo de Helena Matos se encontra na Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, na Avenida de Berna, em Lisboa, onde será celebrada missa de corpo presente, na quinta-feira, às 14h00, antes da partida do funeral, às 15h00, para o cemitério de Benfica.

“Ela dizia que, no momento em que parasse de tocar piano, morria"

Helena Matos trocou carreira “brilhante pelo "sacerdócio do ensino"

Em declarações à Renascença, o musicólogo Rui Vieira Nery recorda que foi aluno do Conservatório de Lisboa na altura em que Helena Matos era professora na instituição.

“Foi uma das grandes professoras de piano do Conservatório, a partir dos anos 70, formou gerações sucessivas de pianistas, fez durante muitos anos um duo de música de câmara a dois pianos e a piano a quatro mãos com Noémia Brederode, que era outra professora do Conservatório.”

Rui Vieira Nery refere que Helena Matos “acompanhou muitos cantores, como a Helena Pina Manique, a Joana Silva, a Elsa Saque e, nos últimos anos, acompanhava com grande energia as aulas de canto do tenor Fernando Serafim”.

“Ela dizia que, no momento em que parasse de tocar piano, morria e queria tocar até ao fim e acho que assim foi realmente”, sublinha.

“Era uma mulher com uma musicalidade muito grande, uma cultura musical muito vasta, muito ligada aos seus alunos, com grande empenho em orientar os seus alunos até fora da sala de aula como era tradição do Conservatório. Era uma figura muito querida do meio musical português e cada vez mais à medida que o tempo ia passando”, destaca.

Rui Vieira Nery considera que Helena Matos poderia ter tido uma carreira a solo “brilhante, porque era uma belíssima pianista, mas preferiu este sacerdócio do ensino, este relativo anonimato da música de câmara”.

“Gostava sobretudo de fazer música muito mais do que pensar nos benefícios de uma carreira individual. Nesse sentido, é um exemplo de dedicação à música muito forte”, remata o musicólogo.

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