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Prédio Coutinho. Processo “foi mal conduzido pela VianaPolis”, diz Helena Roseta

28 jun, 2019 - 09:57 • Marta Grosso com redação

A deputada independente eleita pelo PS esteve nas Três da Manhã para falar sobre a Lei de Bases da Habitação. “Todos têm direito a viver com conforto na cidade, no campo ou na aldeia”.

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O processo relativo ao desmantelamento do Prédio Coutinho, em Viana do Castelo, “foi mal conduzido pela VianaPolis”, diz Helena Roseta na Renascença.

“Já se arrasta há muitíssimos anos, já tinham tido tempo de negociar diretamente com cada uma das pessoas, que lá estavam legalmente a viver e que tinham comprado as suas casas, e ter chegado a um acordo de compra, de aquisição, de permuta...”, defende a deputada e antiga bastonária da Ordem dos Arquitetos.

Na quinta-feira, a VianaPolis entregou a cada morador uma carta onde definia que a desocupação dos apartamentos teria de ser feita até às 16h00 do mesmo dia, senão seria apresentada queixa-crime, que entretanto foi formalizada.

Nesta sexta-feira, começaram os trabalhos de desmantelamento, apesar de ainda se encontrarem nove moradores no interior do edifício.

Helena Roseta admite que “o acordo pode levar tempo”, mas sublinha que “é preciso haver vontade de acordo, sobretudo da entidade pública, e às vezes não há”.

“A Lei de Bases da Habitação vai dificultar este tipo de procedimentos”, destaca ainda, “porque no artigo sobre despejos, que é um artigo genérico, diz que o despejo administrativo – não é o judicial – decidido por uma Câmara ou uma entidade pública que não seja um tribunal, não pode ser feito sem dar uma alternativa condigna de realojamento às pessoas, a menos que tenha sido uma ocupação ilegal”.

“Isto vai limitar este tipo de atuações, que eu acho que são graves, porque as pessoas têm direitos e, se não foi possível chegar a acordo, foi mal negociado”, insiste.

Habitação condigna para todos

A primeira Lei de Bases da Habitação deverá ser votada para a semana no Parlamento e tudo leva a crer que será aprovada, depois de mais de um ano de discussão. Durante este tempo, foram feitas mais de 80 propostas de alteração na especialidade. Helena Roseta é a autora da proposta inicial.

“Eu sou muito teimosa e isto não foi fácil. Quando comecei estava praticamente sozinha: nem o Governo nem o Partido Socialista estavam interessados nesta Lei de Bases”, recorda no programa As Três da Manhã.

“Fui deputada constituinte, portanto, ajudei a fazer o artigo 65º, do direito à habitação. Acontece que passaram estes anos todos e há muitas coisas que estão lá e que nunca foram cumpridas. Senti que era necessário fazer aquilo que os outros direitos sociais já têm há muito tempo, que é uma Lei de Bases”, explica Helena Roseta.

“Só na área metropolitana de Lisboa, há 1.700 bairros de construção ilegal” – os chamados bairros AUGIs [Áreas Urbanas de Génese Ilegal]. Só 30% é que podem ser requalificados. O que é que fazemos aos outros? É tudo para demolir, como a Câmara da Amadora faz ou é para recuperar?”, questiona.

Este é um dos problemas que a deputada independente eleita pelo PS quer ver num programa nacional específico.

Tal como a questão dos sem-abrigo. “Não é integrada na política de habitação e passa a ser” com a nova Lei de Bases.

“Os sem-abrigo é como se fosse um problema um problema da Segurança Social, não é um problema da habitação. É um problema do país, portanto tem de ter um programa nacional”, defende a antiga bastonária da Ordem dos Arquitetos.

“Há muita gente a viver em muito más condições no interior do país”

“A Lei de Bases fala do interior, dos territórios de baixa densidade, das carências habitacionais no habitat rural. As pessoas vivem em condições muito muito miseráveis”, alerta Helena Roseta.

“Há aldeias em que as pessoas mais velhas, quando o presidente da Câmara lá vai a dizer que quer fazer umas melhorias na casa, dizem esta coisa terrível: 'já não vale a pena, sabe? Eu já não durmo muito'. Fico arrepiada de ouvir isto”, relata.

“As pessoas têm direito a viver com conforto, quer seja no centro da cidade, na periferia ou no campo ou na aldeia”, defende.

Convidada do programa As Três da Manhã, a deputada independente eleita pelo PS diz que “nunca houve um programa para fazer um apoio concreto” às populações do interior do país e critica as estratégias delineadas em cima da hora, para responder a catástrofes.

“Tivemos agora estes programas por causa da desgraça dos incêndios e da tragédia que foi, e a dificuldade que foi lançar estes programas e as críticas todas que está a haver. A pressa é inimiga da clareza e da transparência dos processos e dá sempre disparate quando querem fazer coisas à pressa”, critica.

Por isso, insiste, “tem que haver é um programa permanente para os territórios do interior. Temos muita gente a viver em muito más condições no interior do país”.

Entrega de casas em caso de dívidas avultadas

Sobre a possibilidade de entregar a casa ao banco para extinguir a dívida no crédito à habitação (aprovada na quarta-feira), Helena Roseta explica que é ainda necessária uma lei extraordinária.

“É necessária essa lei extraordinária e já existiu, aliás, em Portugal. O CDS votou contra esse artigo, mas o CDS votou, há uns anos, a favor de um regime extraordinário que permitia a dação em cumprimento das pessoas muito endividadas. Há umas certas contradições, não é grave”, diz em género de aparte.

“O que queria dizer é que, daqui para a frente, os partidos, o Parlamento ou o Governo, dentro do prazo de nove meses, vão ter de propor que alterações é que querem fazer no arrendamento, no crédito, nos direitos das pessoas, no Código Civil, nas várias leis... para concretizar a Lei de Bases”, adianta.

O projeto do PS aprovado no Parlamento admite “a dação em cumprimento da dívida, extinguindo as obrigações do devedor independentemente do valor atribuído ao imóvel para esse efeito, desde que tal esteja contratualmente estabelecido, cabendo à instituição de crédito prestar essa informação antes da celebração do contrato".

Requisitar casas vazias? “Se calhar não vale a pena”

A proposta de os municípios poderem avançar para a requisição de casas de privados “injustificadamente devolutas ou abandonadas” foi inspirada numa medida tomada em Inglaterra.

“O ‘housing act’ de 2004, foi aprovado em Inglaterra na sequência de um grande movimento contra as casas vazias e eu inspirei-me nisso para propor esta medida”, revela Helena Roseta.

“Acontece que o 'housing act', passados estes anos todos, só foi utilizado 40 ou 50 vezes e eles têm dezenas de milhares de casas vazias, como nós temos. E eu pensei: 'que diabo, um mecanismo que eu achei interessante, mas que ao fim destes anos todos só foi utilizado tão poucas vezes, se calhar não vale a pena. Não vale a pena fazer guerra, até porque temos outros instrumentos e esses são reforçados nesta lei”, conta.

Entre estes instrumentos está o direito de preferência da entidade pública. A deputada eleita pelo PS mostra-se crítica das “vendas em pacote” feitas por “muitas entidades bancárias ou seguradoras com grandes carteiras imobiliárias”, que estão a vender “o nosso imobiliário a fundos estrangeiros”.

“Estamos a vender alegremente todo o nosso património imobiliário a toda a gente menos a portugueses e eu acho que isso não é uma coisa boa”, afirma. Por isso, a Lei de Bases permite que “os inquilinos dessas casas agora tenham direito só sobre a casa que habitam e não tenham de fazer preferência sobre o pacote todo”, tal como “o Estado e as Câmaras”.

O que é o direito à habitação?

A definição está na primeira parte da Lei de Bases e é um dos aspetos importantes que Helena Roseta destaca no novo diploma.

“Quando a pessoa diz que tem direito à habitação, o que é que isso significa? Significa a função social da habitação, ou seja, todas as habitações devem estar a ser utilizadas como habitação. Isto parece básico, mas infelizmente, em Portugal, no último censo ainda tínhamos 700 mil casas vazias”, revela na Renascença.

“Significa também a pessoa não poder ser despejada, ser posta fora de sua casa de qualquer maneira. Muitas vezes, quando se fala em despejos, pensa-se só nos inquilinos que não pagam e têm que ser postos fora, mas há muitas outras circunstâncias em que há despejos”, indica.

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