16 jun, 2019 - 14:02 • Inês Rocha , Rui Barros
Veja também:
Os gastos com médicos tarefeiros continuam a aumentar. Em algumas zonas do país, são estes médicos o garante de que os serviços hospitalares não fecham portas, por falta de recursos humanos. São médicos sem contrato de trabalho, pagos à hora. E, por isso, sem regras.
Para perceber em que consiste este negócio, quem lucra com ele e quais as consequências para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), a Renascença analisou todos os dados presentes no portal BASE referentes à contratação destas prestações de serviço pelas instituições públicas, falou com profissionais e com representantes dos médicos. Uma investigação que resulta em vários artigos e cujas conclusões aqui resumimos.
1. Recorde de gastos. Médicos tarefeiros custam 104 milhões de euros em 2018
O recurso a médicos tarefeiros continua a aumentar, apesar dos apelos do Governo à redução da contratação temporária. Em 2018, o Estado gastou 104,5 milhões de euros nestas prestações - o valor mais alto de que há registo.
2. Um médico anestesista trabalhou uma média de 17 horas diárias, sem qualquer folga, durante 365 dias em 2018
O médico em questão ganhou 326 mil euros brutos por ter trabalhado 6.520 horas nesse ano. Administradora hospitalar diz que, por muito “chocante” que possa parecer, o valor corresponde efetivamente ao tempo que ele passa no hospital.
Um caso que mostra como os "tarefeiros", cuja prestação não é regulada pelo Código do Trabalho, têm menos regras e podem chegar a receber cinco vezes mais do que um especialista em topo da carreira.
3. "Não há crivo na seleção” de tarefeiros, o que leva por vezes a erros diagnósticos e a caos nas urgências, denuncia médica
Empresas de trabalho temporário exigem apenas um requisito: ser médico. A tarefeira, interna de Cirurgia, encontra todo o tipo de médicos nas urgências: desde aqueles que acabaram de sair da faculdade e estão a fazer o ano comum a quem está mais habituado a trabalhar em ambiente de centro de saúde.
A falta de experiência leva a “um grande leque de erros diagnósticos” e a um “aumento das listas de espera”. Sindicatos e Ordem são unânimes: aposta nos tarefeiros leva a uma diminuição na qualidade do Serviço Nacional de Saúde.
4. Hospitais contratam médicos não pediatras para consultas e urgências de pediatria, denuncia sindicato
No Alentejo, há unidades de saúde a contratar médicos não pediatras para consultas e urgências de pediatria.
A Renascença confirmou este dado, através dos contratos publicados no BASE, e sabe que há pelo menos mais um hospital - o Centro Hospitalar do Barreiro Montijo - a contratar médicos não especialistas para este tipo de urgência.
5. Quem lucra com o negócio dos tarefeiros? Ninguém sabe
Entre 2016 e 2018, nove hospitais nacionais não publicaram no portal BASE qualquer contrato referente a prestações de serviços médicos. Uma prática que, para alguns, promove a “opacidade” na contratação pública, mas que está dentro da lei. Até hoje, os únicos dados divulgados pela ACSS sobre as empresas contratadas são do primeiro semestre de 2016.
6. As empresas que mais
faturaram
Apesar da falta de dados, que impede que se saiba exatamente quais as empresas a ganhar mais com este negócio, os dados recolhidos pela Renascença podem ajudar a desvendar um pouco sobre este mercado que fatura milhões com empresas do Estado.
Estes dados mostram que a Kelly Services, uma multinacional de contratação de trabalho temporário, foi a que mais faturou: foram 15,8 milhões em 138 contratos detetados.
Segue-se a S24, a Helped e a Randstad. Mas só no “top 15” das empresas que mais dinheiro ganharam, há três grupos empresariais que aparecem duas vezes – pelo que o valor total ganho por cada uma delas deverá ser superior.
7. Hospitais publicam informação incompleta e com muitos erros no portal BASE
Dos dados recolhidos e analisados pela Renascença, salta à vista uma enorme quantidade de contratos incompletos e até alguns com erros de publicação.
Do total de 4.987 contratos analisados, metade não tem qualquer data de fecho ou o preço total efetivo. Torna-se assim impossível saber, através deste portal de transparência da contratação pública, quanto é que efetivamente custou aos cofres do Estado esse contrato.