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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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​O desacordo ortográfico

27 mai, 2019 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


O Acordo Ortográfico tem quase 40 anos. Tempo suficiente para mostrar que não atingiu o seu objetivo de unificar a ortografia nos países de língua oficial portuguesa.

O chamado Acordo Ortográfico (AO) foi assinado fará em Dezembro 39 anos. Mas foi ratificado por apenas quatro países: Portugal, Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Não o ratificaram Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste. No Brasil, a Câmara dos Deputados deverá debater em breve a possível revogação do AO. E no Parlamento português foi entregue em abril passado uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o AO, com mais de 20 mil assinaturas.

Ora, a finalidade do AO era criar uma ortografia unificada, comum a todos os países de língua oficial portuguesa. Quase 40 anos depois de assinado, o acordo falhou no seu grande objetivo.

Em Portugal muita gente não aceita este acordo e recusa-se a escrever segundo o que ele impõe. E são frequentes os ataques ao AO. Por exemplo, o estimável jornalista do “Público” e meu amigo, Nuno Pacheco, não se tem cansado de denunciar os absurdos do lamentável documento.

Não possuo qualificações para debater seriamente o AO. Apenas tenho pena de que, sendo eu um jornalista que escrevia com muito poucos erros ortográficos, agora não seja capaz de perceber qual é a ortografia correta. “Correta” sem c porque o “software” do computador logo sublinharia a vermelho o tremendo erro.

Talvez o meu desagrado em relação ao AO tenha a ver sobretudo com preguiça de mudar, depois de tantos anos a escrever todos os dias ou quase com a ortografia que aprendi na instrução primária. E compreendo que os defensores do AO me digam: então, deveríamos escrever “pharmacia” em vez de farmácia.

Mas há coisas que não são aceitáveis no AO. Por exemplo, tirar as maiúsculas dos dias da semana e dos meses. Ou implicar com a grafia de nomes pessoais. Mas ninguém protesta, e ainda bem, por se escrever Sophia, como se escrevia quando a poeta nasceu, há um século.

Também não alcanço as alegadas vantagens da unificação ortográfica nos países de língua oficial portuguesa. Na língua inglesa, uma das mais faladas no mundo, não existem problemas de unificação: os britânicos escrevem “labour” (trabalho) e os americanos “labor”. Não parece que algum falante e escrevente de inglês se preocupe com a diferença.

Comentários
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  • Bruno M.
    13 jun, 2019 Recife 17:25
    O maior problema do acordo ortográfico, e que todas as gentes passaram-se sem aperceber-se, é que o português perde dia após dia a etimologia latina. Antes, em Brasil, agora, em Portugal. Basta que alguém escreva contacto em Brasil para ser corrigido por um douto da lei. Acho que se é para se falar um tal de "idioma brasileiro", deveríamos migrar de uma vez para o inglês: nosso presidente já adora os EUA. O que não consigo conceber é criar um frankenstein linguístico e chamá-lo de "brasileiro": uma mistura de português com inglês muitas outras coisas.
  • Adelino Dias Santos
    29 mai, 2019 Mealhada 15:37
    E não são só as confusões referidas neste artigo... Sabendo nós que a língua é como que um B.I. de um Povo, estamos, com o AO 90, a roubar de certo modo a identidade dos brasileiros, pois, com tal confusão, dificilmente se consegue distingui entre o que é genuinamente português e o que é brasileiro. Com a grande diferença de que os brasileiros continuam a tentar preservar a sua própria identidade, enquanto os "ilustres" portugueses única e simplesmente abdicaram..
  • Adelino Dias Santos
    28 mai, 2019 Mealhada 22:35
    E não são só as confusões referidas neste artigo... Sabendo nós que a língua é como que um B.I. de um Povo, estamos, com o AO 90, a roubar de certo modo a identidade dos brasileiros, pois, com tal confusão, dificilmente se consegue distingui entre o que é genuinamente português e o que é brasileiro. Com a grande diferença de que os brasileiros continuam a tentar preservar a sua própria identidade, enquanto os "ilustres" portugueses única e simplesmente abdicaram..
  • António Aguiar
    28 mai, 2019 Lisboa 07:58
    Não é 39 anos. É 29. O que vai dar ao mesmo, porque o "acordo é estúpido", como bem diz Maria do Carmo Vieira, e foi cozinhado contra os pareceres da grande maioria dos linguistas/linguistas.
  • José Cruz Pinto
    27 mai, 2019 Ílhavo 10:33
    Se fosse só o que refere, Dr. Francisco Sarsfield Cabral, não seria tão terrível como a BACORADA de ser (praticamente) facultativo, e não absolutamente obrigatório, distinguir entre presente e passado, como por exemplo entre "falamos" e "falámos", etc. e a IDIOTIA de empandeirar a etimologia - exactamente o contrário do que se fez e faz activamente em todas as línguas de civilização (incl. em todas as suas variantes). O DO (Desacordo Ortográfico) está a transformar a Língua Portuguesa num "patuá de trapos", em que se "expressam" (?) ignorantes e analfabetos.