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Carlos Moedas. Se formos pelo caminho de construir muros, "obviamente não vamos resolver nada"

25 jan, 2019 - 12:15 • Vasco Gandra, em Bruxelas

O comissário português alerta, em entrevista à Renascença, para os perigos que ameaçam o projeto europeu. Moedas sublinha a dificuldade do combate, porque "a batalha de ideias entre os populistas e os não populistas não é entre iguais".

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O comissário português Carlos Moedas mostra-se preocupado com o possível avanço dos partidos populistas e nacionalistas nas próximas eleições europeias e reconhece dificuldades para os partidos europeístas.

"Temos que estar atentos", diz o comissário responsável pela pasta da Investigação, Ciência e Inovação em entrevista concedida à Renascença, em Bruxelas.

Carlos Moedas considera que "a batalha de ideias entre os populistas e os não populistas não é entre iguais" porque os populistas "dizem o que lhes vem à cabeça" sem sentirem responsabilidades.

O comissário desafia os partidos europeístas a apresentem as suas ideias e soluções para a União Europeia e avisa que o "passa culpa" a Bruxelas por todos os problemas que existem contribui para acabar com o projecto europeu.

Como antevê a campanha das próximas eleições europeias?

Com preocupação. Se olharmos hoje para o Parlamento Europeu e pensarmos quais são os partidos que têm um projecto europeu - estamos a falar do PPE, dos Socialistas e Democratas, e dos Liberais -, perfazem cerca de 66% dos deputados. O que já é pouco, se pensarmos que quase 40% são contra a Europa.

Infelizmente, aquilo que nos dizem as sondagens para as próximas eleições europeias é que os partidos do centro - ou os que acreditam no projecto europeu - podem vir a ter resultados ainda piores. Podemos vir a estar num cenário em que estes três partidos representem cerca de 50% do total. Vejo com muita preocupação o crescimento das forças populistas e nacionalistas que estão aparecer por toda a Europa. Temos que estar atentos e lutar contra elas.

Parece-lhe que a tónica do confronto de ideias nas europeias deverá ser entre um campo europeísta e liberal e um outro nacionalista, populista e anti-UE?

Eu acho que é uma batalha difícil. A batalha entre os populistas e os não populistas não é entre iguais. Os populistas - de esquerda ou de direita - têm esta capacidade extraordinária de mudar os factos quando querem, mudar de posição quando lhes apetece, dizer o que lhes vem à cabeça e não sentirem por isso qualquer tipo de responsabilidade. Ora, os partidos moderados sentem essa responsabilidade. Portanto, estamos perante dois campos muito diferentes.

E, depois, há uma outra divisão entre o populismo de esquerda e o de direita. O populismo de direita acredita, ou finge, naquilo que diz. Dizem enormidades e parece que acreditam mesmo naquilo. O populismo de esquerda que é também muito perigoso: é o da superioridade moral. Acho que este populismo de esquerda - em que não interessa se estamos certos ou errados e até podemos estar fora da realidade, mas não interessa porque somos superiores - também é preocupante.

É muito difícil esta luta. Por isso, penso que é importante haver ideias e alternativas dentro do espaço destes três partidos - Liberais, Socialistas e PPE - que definam maneiras diferentes de pensar dentro do projecto europeu.

Precisamente, que ideias deveriam ser debatidas durante a campanha para as eleições europeias?

Nós temos hoje um problema endémico: saber como conseguir fazer crescer as nossas economias. Quais são as ideias dos políticos para esse crescimento? São essas ideias que podem diferenciar os vários partidos. Como é que os partidos olham para o futuro? É através da ciência e da tecnologia? Quanto temos para investir nestas áreas? Quais são os projectos dos partidos para as novas energias, a inteligência artificial ou a saúde?

É preciso, de uma vez por todas, definir o que cada partido quer. Tem que haver diferenças nos projectos. Sem se conhecer os projectos, os próprios europeus não sabem bem em quem votar. É importante que haja um debate entre os não populistas e os populistas, mas não chega. É curto para ajudar as pessoas a definir o futuro. Porque se o debate for só isso, os populistas têm vantagem com as soluções simples que apresentam.

Receia que a questão da imigração seja utilizada como arma de arremesso pelos populistas durante a campanha?

Sem dúvida. Felizmente, em Portugal não é um tema central na discussão política porque, fisicamente, estamos longe desse problema. Esse problema acontece em países que estão no Mediterrâneo ou na Alemanha. E, aí, será um tema que vai dividir muito.

Os populistas vão outra vez dizer que se fecharmos as fronteiras resolvemos o problema. No fundo, é esta ideia da construção dos muros, ideia querida dos populistas. Se nós formos por esse caminho, obviamente, que não vamos resolver nada.

O que é extraordinário é que, quando se olha para os diferentes discursos dos populistas, eles são iguais e, muitas vezes, são contra eles próprios. Quando um país como a Itália tem políticos que dizem que não concordam com uma solução solidária europeia, estão a prejudicar-se a eles próprios, porque a Itália é um receptor directo desses imigrantes.

Se não houver uma solidariedade europeia que permita dividir os migrantes e os refugiados pelos Estados-membros, isso prejudica esses países [que estão na linha da frente]. Há incoerências do lado dos populistas que devem ser combatidas directamente.

As instituições da UE poderiam ter feito mais para combater o populismo e fazer a pedagogia do projecto europeu?

Sim. Há dois factores. O primeiro é que nós temos hoje no Parlamento Europeu partidos que utilizam fundos públicos para destruir a Europa. Isto parece-me uma coisa politicamente inconsistente e chocante. Diria que os partidos e os países europeus ainda não fizeram nada para se protegerem de ter pessoas cujo único objectivo é a destruição do projecto europeu. Tem que haver regras para a gestão dos dinheiros públicos sobre projectos que são a destruição do próprio projecto em que estão inseridos.

Depois, acho que a Europa, e tenho dito isto várias vezes, pôs-se numa posição em que a construção institucional foi feita para deixar brilhar os países. Acho que a Europa deve mudar de atitude. A Europa tem que ser assertiva, comunicar sobre aquilo que faz - para o bem e para o mal - e temos que ter poderes muito concretos e claros que as pessoas percebam. Hoje, as pessoas queixam-se da Europa, muitas vezes, em relação a factores que a Europa não controla ou em relação aos quais não tem poder. E isso mata a própria ideia do projecto europeu.

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