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Olival ainda tem rua com nome de Salazar, mas moradores celebram 25 de Abril

26 abr, 2024 - 07:10 • João Malheiro , Miguel Marques Ribeiro

Começou como uma alameda chamada "Dr. Oliveira Salazar", ainda antes do 25 de Abril. Ao contrário do regime, o nome resistiu à Revolução, apesar dos residentes recordarem com felicidade o fim do Estado Novo.

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Reportagem. No Olival existe uma rua com o nome Dr. Oliveira Salazar
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É uma manhã tranquila em Olival. Na rua onde fica o edifício da Junta (que agora pertence à União das Freguesias de Sandim, Olival, Lever e Crestuma) o silêncio só é interrompido pelo carro ocasional que passa em direção a outro destino, pelos cães das residências particulares que ficam alarmados por estranhos a passar e pelo sino da Igreja paroquial.

Maria Moreira, que vive há mais de 40 anos nesta rua, está fora de casa, a tratar do jardim. À Renascença, conta que foi das primeiras pessoas a comprar terreno quando a zona foi urbanizada. Na altura, ainda era uma alameda, com estrada a findar a cerca de metade do caminho que tem hoje. O nome, contudo, era o mesmo: Dr. Oliveira Salazar.

"Eu nunca gostei desse nome. Nem quando era novita eu gostei, fiquei um bocadinho revoltada", confessa. Já com 50 anos comemorados desde o 25 de Abril, há 17 ruas portuguesas que persistem com o nome do ditador e figura máxima do Estado Novo. Uma delas é aquela onde Maria Moreira vive, em Vila Nova de Gaia.

No entanto, agora, passado tanto tempo, a moradora confessa que não a incomoda. "O nome a mim não afeta nada. Se ficar, ficou. Se mudar, mudaram. Para mim é igual".

A opinião é partilhada por Armando Mendes, que tem casa na Rua Dr. Oliveira Salazar há 31 anos. À Renascença, considera que "não acha mal" ao nome apesar de reconhecer que vem do tempo da ditadura. E acredita que "vai continuar assim".

Para além do edifício da Junta, o outro grande ponto de encontro é o Café Couto, aberto há 22 anos naquela rua. Quando a Renascença entra para perguntar sobre o nome de Salazar, uma cliente habitual, que vive noutro sítio, confessa que "nunca tinha reparado".

Já a dona do café, Maria Couto, refere que "mal se lembra" do tempo da ditadura e que "até gosta do nome da rua e não tem nada contra".

Edifício da antiga Junta de Freguesia de Olival Foto: João Malheiro
Edifício da antiga Junta de Freguesia de Olival Foto: João Malheiro
Café Couto na Olival, na Rua Dr. Oliveira Salazar, em Olival. Foto: João Malheiro
Café Couto na Olival, na Rua Dr. Oliveira Salazar, em Olival. Foto: João Malheiro

"Era muito cedo para mudar a História"

Os moradores não recordam se a rua já tinha o nome do ditador antes do Estado Novo cair ou se só foi "batizada" assim depois da Revolução dos Cravos. Porém, todos explicam que um homem conhecido por Vinhas foi responsável por urbanizar o local, que antes era mato, e ajudar a construir e a vender os primeiros terrenos.

O primeiro edifício a abrir foi uma mercearia detida pelo próprio, que hoje mantém-se no ativo nas mãos do filho. A Renascença chegou a entrar na loja, mas o atual dono não quis falar.

A fim de chegar ao fundo da questão e depois de algumas perguntas na Junta, a Renascença conseguiu contactar Manuel Nunes, que foi secretário da primeira Junta de Freguesia de Olival eleita em Democracia, em 1975. Sem saber o ano exato, confirma que o nome de Salazar foi concedido antes do 25 de Abril, provavelmente em acordo entre o proprietário do terreno e a administração autárquica da época.

"Mesmo antes do 25 de Abril não se davam nomes à balda. Era uma rua sem saída, existiam, creio, duas casas. Ele é que era dono desses terrenos e, de facto, a primeira casa foi a mercearia. Depois vieram as outras", esclarece.

Numa das primeiras assembleias democráticas da Junta, o tema do nome foi levado a debate. Na altura, havia uma maioria à Direita, entre PSD e CDS-PP, que chumbou a proposta de retirar o nome de Salazar, argumentando que "era muito cedo para mudar a História".

"Na altura, ainda era uma alameda. Depois mudaram de alameda para rua, mas mantiveram o nome Dr. Oliveira Salazar", explica.

E agora? Já é tempo de mudar a História? Manuel Nunes diz que não se deve apagar, pois saber quem foi Salazar e o que ele representou é importante.

"Devemos respeitar e aprender com a História. Apagar às vezes é fazer com que nos esqueçamos dela. Se nos esquecermos quem foi Salazar, são capazes de aparecer vários. Aliás, as tentativas têm surgido. Não vejo nenhum benefício em limpar essa História", defende.

Olival, em Vila Nova de Gaia. Rua Dr. Oliveira Salazar. Foto: João Malheiro
Olival, em Vila Nova de Gaia. Rua Dr. Oliveira Salazar. Foto: João Malheiro

25 de Abril: Um dia feliz

Se todas as pessoas com quem a Renascença falou encaram com apatia Salazar dar nome à rua, também todas assinalam com felicidade o 25 de Abril e o fim da ditadura.

Maria Moreira tinha 19 anos quando se deu a Revolução. Relata que, quando começaram as operações militares, "toda a gente estava muito assustada, mas depois ficaram todos muito contentes". 50 anos depois, está satisfeita com a vida que tem, mas questiona se o mesmo pode ser garantido aos seus netos.

Armando Mendes recorda a juventude em ditadura, quando ia ao Porto ver Cinema e passava por estudantes a distribuir panfletos a criticar o regime e as fracas condições de vida. Quem tentava apanhar os papéis, arriscava-se a ser agredido pela polícia.

"Não se podia falar mal do Governo", diz, partilhando uma vez que viu um vizinho a ser levado embora de casa por dois agentes da PIDE descaracterizados. Por isso, está muito contente que o regime tenha chegado ao fim e hoje se possa viver em Liberdade.

Manuel Nunes olha para o 25 de Abril de 1974 como "um dos dias mais felizes" da sua vida. Era um estudante interventivo, durante o Estado Novo, distribuindo panfletos pelo PCP.

"Apanharam-me e, por duas vezes, raparam-me o cabelo", conta, por entre algumas gargalhadas.

Em Democracia, deixou o comunismo e virou social-democrata. Conta, com orgulho, que é o militante número 123 do PSD. Pós-revolução, houve desafios e Manuel Nunes destaca o papel fundamental da juventude que estava "muito empenhada" para que a Revolução vingasse.

E assim vingou. Tal como ainda resiste o nome de Oliveira Salazar por alguns cantos do país. Em Olival, apesar do nome da rua remeter para a ditadura, os moradores celebram a Liberdade.

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