20 jul, 2017 - 20:05 • Redacção
Com seis anos entrou no mar com uma prancha de bodyboard pela primeira vez e passou a tarde nas ondas com o pai. No fim-de-semana seguinte, disse que queria uma prancha. Desde então, nunca mais largou o surf. Esta quinta-feira, na África do Sul, Kikas fez história: tornou-se o primeiro português a disputar a final de uma etapa do campeonato mundial de surf. Ficou em segundo lugar.
A história quase parece uma profecia que se auto-realiza. Nos anos 90, o atleta enviou uma carta para a Surf Portugal, uma revista portuguesa de referência na área, em que dizia: "Olá. Meu nome é Frederico Morais, tenho sete anos e ainda vão ouvir falar muito de mim.”
Aos 25 anos, Frederico Morais, “Kikas” para os amigos e família, já conta com vários feitos na carreira: é o segundo português a participar no circuito mundial de surf, o primeiro a chegar à final de uma etapa do campeonato mundial, eliminando, pelo caminho, o anterior campeão mundial, John John Florence.
Na companhia de duas figuras de referência, o pai e o tio, Frederico viajou para esta sexta etapa com uma grande expectativa. Afinal, as ondas de Jeffreys Bay estão entre as que mais gosta de surfar.
O atleta
“Estou sempre a querer evoluir, a tentar sair da água um bocadinho melhor do que quando entrei”, partilhou Frederico Morais numa entrevista à Surf Portugal, em 2000.
Quando começou, não tinha um forte espírito competitivo. Hoje, não tem dúvidas: “Acho que não me sentiria completo como atleta se não competisse. Adoro competir e provar a mim mesmo que consigo alcançar os meus objectivos.”
Dedicado a vários desportos desde cedo, com oito anos, Frederico entrou nos circuitos de competição de surf em Portugal.
A certeza de que o surf era o seu futuro chegou com a conquista do campeonato nacional de sub-21, em 2006. A vitória contra outros atletas mais velhos e experientes é, ainda hoje, uma referência no seu percurso.
Desde então, Kikas tem estado em ascensão. Aos 17 anos, conquistou a primeira etapa do circuito nacional de surf. Três anos depois, chegou ao quinto lugar no campeonato mundial de juniores. Em 2013, foi campeão nacional pela primeira vez e estreou-se numa etapa do World Tour. Em 2015, voltou a participar no campeonato que reúne os melhores do mundo. E, em 2016, venceu várias provas, garantindo a entrada para o campeonato mundial de 2017, que está agora a disputar.
Ao longo dos anos, Kikas tem enfrentado vários sustos e desafios. Com 14 anos, viajou sozinho pela primeira vez, quando foi à Indonésia com uma marca de surf. “Foi assustador”, confessou o atleta numa entrevista à Sábado, este ano.
Com a mesma idade, no Havai, foi atirado contra uma rocha, acabando por levar 14 pontos na cabeça, dois agrafos e ainda 14 pontos nas costas.
Quando questionado sobre os seus ídolos, Kikas refere o nome de Mick Fanning. Nele admira a maneira de surfar e o profissionalismo. E Kelly Slater? “É um super-homem.”
Em Portugal, a referência a Tiago Pires é incontornável. A admiração é mútua.
Para aquele que foi o primeiro surfista português a entrar no circuito mundial, Kikas é visto como um sucessor de peso. “Acho que ele vai ser um surfista muito completo”, disse Tiago Pires à Surf Portugal, em 2000. “Já o vi surfar em vários tipos de ondas pesadas e o surf dele fica ainda melhor.”
Tiago Pires deixou um conselho: “Passar o menos tempo possível cá e passar o máximo de tempo ao pé dos melhores surfistas do mundo, porque a luta dele é lá fora".
Vida de surfista
Surf e ginásio. Assim são passados os dias de um surfista de alta competição. Dentro de água, pode ser preciso passar muitas horas a treinar. No ginásio, uma hora e meia por dia. O essencial é manter o corpo activo.
Para estar onde as competições acontecem, Kikas raramente aterra em Portugal. “Três dias em casa parecem um mês”, comentou à Sábado. Só este ano, o atleta já esteve no Brasil, Austrália, Japão, Fiji, Chile e África do Sul.
A descrição poderia parecer perfeita: viagens, praia e destinos à volta do mundo. Mas a vida de surfista também conta com fases de isolamento. Frederico confirma: “Há [momentos de solidão]. Felizmente, o meu treinador faz todas as etapas comigo.”
Os estudos são difíceis de conciliar com as ondas. Frederico Morais terminou o 12.º ano numa fase em que já fez as disciplinas todas por exame. Para isso, contou com o apoio da mãe, que viajou com ele para o ajudar a estudar a matéria.
Quem sai aos seus
Quando começou a surfar, Kikas não tinha sequer ainda força para remar sozinho contra as ondas. Era o pai que o empurrava.
A presença da figura paterna tem sido constante e é com o pai que Kikas aparece numa fotografia tirada depois de fazer a pontuação perfeita (10 pontos), nos quartos-de-final do actual campeonato.
Do pai e do tio, herdou a entrega ao desporto e a competitividade. O pai, Nuno Morais, é fisioterapeuta e um desportista nato – dedica-se à natação e fez parte da selecção portuguesa de râguebi durante 12 anos. O tio, Tomás Morais, é o reconhecido seleccionador nacional de râguebi, que levou, pela primeira vez, uma equipa amadora a disputar uma competição mundial profissional.
“Lembro-me de ele passar horas dentro de água e eu a dizer-lhe que só podia sair quando fizesse uma onda boa. Às vezes ele já só saía de noite”, revelou o pai à Surf Portugal.
O surfista é visto pelos familiares como “um rapaz com um coração muito grande, boa pessoa”, diz o pai. Para falar da entrega do filho à família, Nuno Morais recorda um episódio em que Kikas, quando tinha 18 anos, “pegou no dinheiro dele e ofereceu à avó uma viagem algo dispendiosa, porque sabia que ela estava sem condições de a fazer”.