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Amnistia denuncia crimes contra a humanidade nas prisões da Síria

18 ago, 2016 - 01:01 • Carolina Bico e Ricardo Vieira

Pelo menos 17 mil pessoas morreram em cativeiro desde 2011, vítimas de tortura, violações, doenças e falta de condições. Quem sobreviveu queixa-se de tratamento desumano e ausência de justiça.

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Há crimes contra a humanidade a acontecer nas prisões da Síria controladas pelo Governo onde nos últimos anos morreram mais de 17 mil pessoas, revela a Amnistia Internacional (AI).

O relatório “‘It breaks the human’: Torture, disease and death in Syria’s prisons”, divulgado esta quinta-feira, denuncia ao mundo a tortura, as condições desumanas e as mortes em massa nas cadeias sírias.

Os dados têm como ponto de partida o início da guerra civil no país. Entre Março de 2011 e Dezembro de 2015, pelo menos 17.723 pessoas morreram nas prisões controladas pelo Governo de Bashar al-Assad. Uma média de 300 mortes por mês.

Em declarações à Renascença, o director executivo da Amnistia Internacional, Pedro Neto, explica que se trata de uma estimativa conservadora. Os números reais poderão ser maiores, uma vez que há milhares de opositores ao regime desaparecidos.

“Os julgamentos são feitos numa questão de minutos, não têm nenhum critério. Estas pessoas depois de serem ficam durante várias semanas impedidas de contactar familiares ou sequer advogados. E por isso lhe chamamos os 'desaparecimentos forçados'. Logo aí, toda a questão da estimativa é dificultada porque temos um número de 55 mil pessoas desaparecidas. Portanto, a estimativa é conservadora por isso.”

Relatos de tortura. “Eu vi o sangue, era como um rio”

O relatório agora conhecido traça o dia-a-dia nos centros de detenção de um país envolvido numa complexa guerra entre as forças governamentais apoiadas pela Rússia, grupos rebeldes moderados apoiados pelos Estados Unidos e movimentos extremistas como os terroristas do autoproclamado Estado Islâmico ou a Al-Qaeda. No meio deste braço de ferro estão milhões de civis.

Sessenta e cinco sobreviventes das prisões sírias contaram à Amnistia Internacional as torturas que testemunharam e sentiram na pele.

“São torturas para obter confissões, mas elas continuam depois dos julgamentos e já em prisões definitivas. Temos relatos de prisioneiros que tinham de comer cascas de bananas e caroços de azeitonas para conseguirem sobreviver. Temos o relato de um ex-prisioneiro que dizia que os guardas de manhã pontapeavam os corpos para acordar os prisioneiros e ver quem é que estava vivo”, afirma Pedro Neto, da AI.

Os sobreviventes descrevem abusos terríveis contra reclusos que vivem encarcerados em condições desumanas, quer nas instalações das secretas sírias quer na prisão militar de Saydnaya, nos arredores de Damasco, descrita como uma verdadeira casa dos horrores.

A maioria viu presos morrerem sob custódia e partilhou celas com cadáveres. Prisões sobrelotadas, falta de comida, falta de condições sanitárias e de tratamento médico, a somar a tratamento cruel e desumano proibido pelas leis internacionais fazem parte da rotina diária.

“Ziad” - nome fictício por razões de segurança - conta que o sistema de ventilação num centro de detenção dos serviços de inteligência militares deixou um dia de funcionar e sete reclusos morreram sufocados.

Sem cuidados de saúde mínimos, muitos reclusos também morrem devido a doenças.

Os abusos começam logo no momento da detenção e continuam durante a transferência para a prisão, e mesmo dentro do estabelecimento prisional.

À chegada ao centro de detenção os detidos contam que tinham uma “festa de boas-vindas” à sua espera, que incluía espancamentos com barras de metal ou silicone e cabos eléctricos.

“Eles tratavam-nos como animais. Eles queriam que fossemos tratados da forma mais desumana possível. Eu vi o sangue, era como um rio. Nunca imaginei que a humanidade atingisse um ponto tão baixo. Eles não tinham problemas em matar-nos na hora”, relata Samer, um advogado detido perto de Hama.

Além da “festa de boas-vindas”, os reclusos também são submetidos a “verificações de segurança”, em que, sobretudo, as mulheres são violadas e abusadas pelos guardas do sexo masculino.

Nas instalações das secretas os detidos são submetidos a cruéis sessões de tortura e a outros maus-tratos durante os interrogatórios. O objectivo é conseguir uma confissão ou informações ou, simplesmente, aplicar um castigo.

Entre as técnicas de tortura mais utilizadas pelos inspectores estão o “dulab”, que consiste em agredir o detido preso dentro de um pneu, ou a “falaqa”, que consiste em bater nas solas dos pés.

Os reclusos também são alvo de choques eléctricos, violações e violência sexual, unhas das mãos e dos pés arrancadas, escaldados com água a quente ou queimados com cigarros.

A casa dos horrores

Frequentemente, os opositores ao regime passam meses ou mesmo anos em centros de detenção das várias agências de serviços secretos.

Sem acesso a um advogado, muitos são julgados e condenados em poucos minutos e transferidos para a Prisão Militar de Saydnaya, onde as condições são descritas como “particularmente terríveis”.

“Nos serviços secretos a tortura e os espancamentos eram para nos fazer confessar. Em Saydnaya parece que o objectivo era a morte, uma forma de selecção natural, para se livrarem dos mais fracos assim que chegavam”, descreve Omar S., que sobreviveu para contar a sua história.

Omar S. relata que um guarda ordenou a dois reclusos que se despissem. Depois obrigou um preso a violar o outro, sob ameaça de morte se não obedecesse.

Salam, um advogado de Alepo, que esteve dois anos preso em Saydnaya relata: “Quando me levaram para a prisão, eu conseguia sentir o cheiro a tortura. É um cheiro particular a humidade, sangue e suor. É o cheiro a tortura”.

Amnistia pede justiça para os presos e castigo para os torturadores

Com base nas denúncias avançadas pelo relatório “‘It breaks the human’: Torture, disease and death in Syria’s prisons”, a Amnistia Internacional exige que os responsáveis pelos “crimes contra a humanidade” cometidos nas prisões sírias devem ser julgados.

"Apelamos também à comunidade internacional, especialmente aos Estados Unidos à e Rússia, que na última semana de Agosto irão recomeçar as conversações de paz na Síria, que exijam mesmo que haja direitos humanos nas prisões da Síria”, diz à Renascença, o director executivo da Amnistia Internacional, Pedro Neto.

AI apela à libertação de todos os prisioneiros de consciência e pede um julgamento justo e rápido para os restantes, em linha com os parâmetros internacionais.

A organização não-governamental também pede que inspectores independentes tenham acesso imediato e ilimitado a todos os centros de detenção na Síria.

Comentários
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  • António Rebelo.
    07 fev, 2017 Castelo Branco 10:48
    Como é possível isto acontecer no seculo XXI. A opinião publica ao olhar para a Cidade de Aleppo... Ficamos tristes. É fácil de perceber que uma guerra como esta, gera muitos interesses. É uma vergonha. E quem paga é o Justo pelo pecador. .
  • Eu
    19 ago, 2016 Lisboa 17:00
    Tanto pro-comuna a ladrar! Estão com medo que o ditador perca o tacho!
  • JP
    18 ago, 2016 Lisboa 23:00
    Amnistia internacional para quem trabalha? Para a verdade e igualdade de tratamento para todos não é concerteza. O que fez ou disse esta gente sobre os crimes contra a humanidade que uns caros senhores causaram com certas invasões e que hoje estão na génese do que se passa nestes países onde morrem pessoas como gado no matadouro. Depois a nossa CS faz a apologia do ódio ao massacrar as pessoas com imagem como aquela de uma criança cheia de sangue e lama. Puseram a criança numa cadeira em posse para a fotografia em vez de tratarem o sofrimento de um ser humano que neste caso era uma criança. Eu vi este filme ao vivo na guerra em Africa. Apanhavamos crianças subnutridas quase esqueleto para tirar fotos que eram postos em panfletos que eram depois lançados no mato. Chamavam a isto PSICO. Passam os anos e as técnicas são as mesmas.
  • Carlos Carapeto
    18 ago, 2016 Corte Gafo 20:32
    Vou começar com uma frase que o lendário general Enrique Lister dirigiu a um "pacifista" durante a guerra civil de Espanha " quando começar a fuzilaria, eu sei de que lado vocês se vão colocar ". Ora bem, é o que se está a passar na Síria. Os progenitores e mentores do terrorismo na Síria (e em outras partes do mundo) Pressentindo a derrota iminente dos extremistas na Síria , propalam agora todo o tipo de mentiras com objetivo de sensibilizar a opinião publica mundial, talvez para levar a cabo alguma ação mais macabra que aquelas que praticaram até aqui. Intervir militarmente no conflito. ESSES SENHORES DA AI QUE TENHAM A SENSATEZ DE TER UM POUCO MAIS DE RESPEITO POR AS PESSOAS, PORQUE QUANDO DA AGRESSÃO DA nato À LÍBIA FIZERAM UMA CAMPANHA DE PROPAGANDA ASQUEROSA CONTRA KADAFFI E HOJE NÃO TÊM UMA PALAVRA DE SOLIDARIEDADE PARA COM O POVO LIBIO. Tenham decência é o mínimo que se pode pedir a essas pessoas da AI.
  • 18 ago, 2016 09:42
    Em Portugal, que supostamente é um país civilizado, todos os anos a amnistia alerta para problemas e os resultados são os mesmos...
  • Jose
    18 ago, 2016 Portugal 09:03
    Engraçado a amnistia international não pedir a mesma justiça para is presos torturados e sem julgamento na prisao Americana da base de Guantanamo , ou nao pedir o mesmo para o regime saudita ou pior ainda não se manifestar contra as atrocidades do estado Islamico . Na verdade nao sei se é parcialidade da AI ou da renascença que , lendo atentamente , só critica quem está de alguma forma alinhado com a Russia e esconde as atrocidades de quem está alinhado com os EUA .A renascença TEM uma base cristã? Cristao sou eu e nao me revejo na mentira e manipulaçao da informaçao .
  • José Luis
    18 ago, 2016 Santo André 09:02
    Se isto for verdade, castiguem os responsáveis! Nos 12 anos que o meu pai esteve em Peniche e Caxias em que a PIDE lhe roubou metade dos anos de vida e que a tortura fez parte do dia a dia, nunca vi a imprensa portuguesa nem a Amnistia Internacional preocupar-se com estes desgraçados. São todos um monte de lixo do mesmo saco!!!
  • Alberto Sousa
    18 ago, 2016 Portugal 09:00
    Mais campanha anti-governamental. Porque não denunciam também as barbaridades e execuções sumárias nas prisões da Arábia Saudita, do Catar, do Iraque, da China, do Paquistão, Afeganistão, Angola, Iémen, Sudão...e por aí fora? Neste momento o alvo a abater é o governo Sírio, não é? Lastimável que toda a imprensa vá atrás como cãozinhos amestrados.
  • Marko
    18 ago, 2016 porto 08:59
    Nunca as campanhas de desinformação, atingiram tal dimensão. Veja-se o caso da Ucránia e Guantanamo.
  • mara
    18 ago, 2016 Portugal 08:12
    Que grande crueldade, o ser humano é horrendo... Quem comete essas atrocidades só pode ser alguém egoísta, que esteja embriagado pelo ódio, sede de poder, inveja do Outro a quem faz o mal, enfim um monstro que apenas se vê a si...

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