02 mai, 2024 • Fátima Casanova
A proposta de eliminação das portagens nas ex-Scut, aprovada no Parlamento, na generalidade, é o tema do Explicador Renascença desta quinta-feira. O que está em causa? Afinal há a perspetiva de deixarmos de pagar? Mas isso não representa uma despesa para o Estado, ou seja, para todos nós?
Mas porque é que começámos a pagar? Não eram autoestradas sem custos para os utilizadores? Veja as respostas a estas e outras perguntas.
Como é que apareceram as SCUT?
O conceito de autoestradas sem custos para os utilizadores (SCUT) prevê que a construção, exploração e manutenção seja concessionada a uma empresa privada por um período de algumas décadas, normalmente três.
Em troca, a empresa recebe do Estado uma renda, que depende do número de veículos que utiliza a via rápida. Este modelo foi implementado durante o Governo do socialista António Guterres. O primeiro contrato assinado foi o da concessão da Beira Interior em 1999, entre Abrantes e a Guarda, agora conhecida como A23. Esta, tal como outras, que vieram a ser construídas no início da década, era gratuita.
O que mudou para se começar a pagar?
A mudança não foi imediata. Primeiro, houve um amplo debate iniciado no Governo de Durão Barroso, entre 2002 e 2004. Nessa altura o executivo social-democrata dizia que os encargos do Estado com as concessões eram um problema orçamental grave e para o resolver defendia o pagamento de portagens nas SCUT.
Depois de vários avanços e recuos e no meio de grande contestação, em 2010, o Governo liderado pelo socialista José Sócrates acabou por avançar com a introdução de portagens em todas as concessões.
Começaram a ser cobradas a 15 de outubro daquele ano de 2010.
Para dar resposta à contestação, principalmente nas regiões do interior, o que foi feito?
Os governos de António Costa avançaram com descontos. Primeiro foram abrangidas cerca de uma dezena de antigas SCUT, em julho de 2021. Sete delas viram os seus descontos ampliados em janeiro de 2024.
Até ao final do ano passado, e por causa dos descontos nas portagens, a empresa Infraestruturas de Portugal perdeu quase 230 milhões de euros de receitas.
O Parlamento aprovou agora a proposta do PS para a eliminação de portagens. Quem votou a favor?
Para além do PS, votaram favoravelmente o Bloco de Esquerda, PCP, Livre, PAN e o Chega, que se juntou, assim, à esquerda parlamentar.
Quais as ex-Scuts que são visadas pela proposta aprovada?
De acordo com a proposta do PS, o objetivo é acabar com as portagens na A4 - Transmontana e Túnel do Marão, A13 e A13-1 - Pinhal Interior, A22 - Algarve, A23 - Beira Interior, A24 - Interior Norte, A25 - Beiras Litoral e Alta e A28 - Minho nos troços entre Esposende e Antas e entre Neiva e Darque.
Quanto poderá custar esta medida?
Durante o debate parlamentar, o PS disse que custaria 157 milhões de euros por ano.
Do lado do partido que suporta o Governo, o PSD defendeu a redução gradual consoante a disponibilidade financeira do Estado.
O Governo tem de acatar a decisão?
Segundo o especialista em direito público e administrativo Miguel Neiva, o Governo poderá socorrer-se da lei travão, apesar de avisar que “é vastíssima a discussão à volta deste tema relativamente à legitimidade ou não de um Governo poder socorrer-se dela e assim descartar um diploma legal aprovado no Parlamento”.
A lei-travão é um mecanismo jurídico que permite ao executivo alegar que uma despesa fixa inesperada coloca em risco a execução orçamental.
Miguel Neiva disse ainda à Renascença que o facto de ser “uma despesa fixa, que não está prevista no Orçamento de Estado e que vai causar um agravamento das contas públicas”, poderá ser o argumento a utilizar pelo Governo.
De resto, tem sido entendimento do Tribunal Constitucional que o Parlamento não pode invadir, digamos assim, o campo de ação do governo, decretando a inconstitucionalidade parcial quando tal acontece, ou seja, impedindo a imediata produção de efeitos da lei que viole a lei-travão.
Sendo assim, o que foi aprovado no Parlamento só deverá produzir os seus efeitos no ano económico seguinte, com o novo Orçamento, mas ainda assim, segundo Miguel Neiva, depende da argumentação do Governo, porque “não basta invocar, será preciso demonstrar” o impacto da medida nas contas públicas.