Hora da Verdade

Pedro Nuno Santos admite que pode precisar de duas legislaturas para pagar tempo de serviço aos professores

07 dez, 2023 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Helena Pereira (Público)

Em entrevista à Renascença e jornal Público, o candidato à liderança do PS recusa fazer cenários sobre alianças à esquerda e, ao mesmo tempo, evita pedir a maioria absoluta para o PS nas eleições. Pedro Nuno Santos quer acabar com o "Fundo Medina", "completar a 'destroikização' do país" e avançar com o novo aeroporto, mesmo sem consenso com o PSD.

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Hora da Verdade com Pedro Nuno Santos
Hora da Verdade com Pedro Nuno Santos

Pedro Nuno Santos, candidato à liderança do PS, admite que pode precisar de duas legislaturas para pagar tempo de serviço aos professores. O ex-ministro ainda não tem um modelo para o pagamento faseado aos docentes, porque está à espera das contas da UTAO. Para já, não se compromete em devolver tudo em quatro anos.

Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público, Pedro Nuno Santos recusa fazer cenários sobre alianças à esquerda e, ao mesmo tempo, evita pedir a maioria absoluta para o PS nas eleições. Prefere falar na necessidade de uma "maioria generosa", que permita aos socialistas liderarem um governo que "ofereça estabilidade ao país".

Se for eleito líder do PS e ganhar as legislativas antecipadas de 10 de março, o ex-ministro das Infraestruturas e deputado à Assembleia da República quer acabar com o "Fundo Medina", o fundo soberano criado pelo ministro das Finanças a partir do excedente orçamental. Pedro Nuno Santos considera que "se fossemos um país que conseguisse extrair petróleo, por exemplo, e tivesse uma receita cuja economia era incapaz de absorver, o fundo teria mais justificação".

Adepto da solução Alcochete para o novo aeroporto de Lisboa - hipótese que foi, de resto, objeto de um despacho revogado pelo primeiro-ministro e que lhe ia custando uma saída do Governo ainda mais prematura -, Pedro Nuno Santos considera que a decisão sobre a localização não precisa do consenso do PSD se o PS for Governo. "É possível sem esse acordo. Podemos procurar esse acordo, mas temos que avançar", conclui.

Em relação à política fiscal, Pedro Nuno Santos quer reduzir o IVA, que considera o "imposto socialmente mais injusto" e quer também avaliar "se ainda há, nomeadamente nos rendimentos mais baixos, um aumento de impostos que vem desde o tempo da troika". O candidato à liderança do PS diz que um dos "objetivos é completar a 'destroikização' do país".

Na moção que entregou, não é explícito sobre se está disponível ou não para uma nova "Geringonça" no caso de o PS não ter maioria. A solução é repetível? Em que condições?

Estamos focados em vencer as eleições do dia 10 de março e é só nesse cenário que nós trabalhamos. Depois, consoante a configuração parlamentar que resultar das eleições, faremos esse debate e essa reflexão. Queremos que o PS consiga uma maioria generosa e é para isso que nós estamos a trabalhar.

Uma maioria generosa é uma maioria absoluta? Vai pedir uma maior absoluta?

Queremos ter uma vitória, uma maioria que permita uma liderança de um governo com estabilidade.

Por que é que não usa a expressão maioria absoluta?

Estamos focados em ter o melhor resultado possível.

Dizer maioria absoluta pode assustar?

Não há meta nenhuma. O objetivo é ter o melhor resultado possível.

"Devolução aos professores? Temos que esperar pelas contas da UTAO"

No contexto em que estamos, não seria vantajoso o PS pedir essa maioria absoluta, seria desvantajoso até, é isso?

Os partidos devem apresentar-se a eleições, apresentando os seus programas eleitorais e é com base nas suas ideias que devem tentar convencer o povo português e ter o melhor resultado possível.

O que é uma maioria generosa?

É termos uma maioria que permita ao PS liderar um Governo que ofereça estabilidade ao país.

É a tal metade mais um?

Isto não é um jogo de matemática.

Acha que as pessoas ficaram traumatizadas com a maioria absoluta e agora, tão cedo, será muito difícil a qualquer partido ter uma maioria absoluta?

As pessoas não decidem que querem uma maioria absoluta, decidem o seu voto. As pessoas não podem estar nem deixar de estar traumatizadas com a maioria absoluta, é o resultado da vontade expressa do povo.

O PS governou com a "Geringonça" e governou com a maioria absoluta. Fazendo um balanço dos dois governos, qual é que acha que foi o melhor?

Eu não faço essa partição dos dois governos do Partido Socialista. Há um contínuo.

Pelo que tem defendido parece que acha que é melhor um Governo de "Geringonça"?

Muitas vezes aquilo que parece não é. Aquele Governo foi um Governo que durou quatro anos, foi um Governo que funcionou, que trouxe resultados, tal como os governos que se seguiram em circunstâncias diferentes, perante desafios diferentes, mas com resultados. Há um contínuo. Ao longo destes oito anos, há muitos aspetos em comum, desde logo termos conseguido que Portugal crescesse acima da média europeia.

"Um dos nossos objetivos é completar a 'destroikização' do país"

Portanto, é indiferente a configuração, o que interessa são os resultados?

Não é indiferente, mas aquilo que estou a dizer é que foram diferentes governos em diferentes momentos, mas que efetivamente há um conjunto de resultados comuns que se foram verificando ao longo dos últimos oito anos.

É preferível ter uma maioria de esquerda com o PS, Bloco de Esquerda e PCP, eventualmente o PAN, do que uma maioria de direita?

É óbvio que nós achamos que será mau para o país um Governo liderado pelo PSD. Um Governo liderado pelo PSD não oferece o mesmo nível de credibilidade em matéria de proteção do Estado social e de conciliação da defesa do Estado social com a promoção do crescimento económico.

O Bloco de Esquerda e o PCP, durante a campanha eleitoral, vão ser tratados como adversários?

Percebo esta vontade de falarmos das alianças, mas ainda nem chegámos ao 10 de março. Temos que dar uma oportunidade aos portugueses para decidirem que Parlamento querem. Estamos sistematicamente a antecipar aquilo que verdadeiramente interessa, que é um ato eleitoral.

Na sua moção diz que é de evitar mexer na legislação laboral. Foi por não querer mexer nas leis laborais e por ser essa uma exigência do Bloco de Esquerda que houve eleições em 2022. Com isso, não estará a fechar uma porta ao Bloco e o PCP?

É de evitar grandes transformações na legislação laboral. Não quer dizer que nós não possamos melhorá-la e nós estamos abertos a fazer esse debate. Nos próximos tempos teremos oportunidade apresentar o programa eleitoral.

A contratação coletiva, que é uma exigência do PCP, por exemplo?

Se for necessário aprimorar os instrumentos que permitam essa negociação sobre acordos coletivos, assim faremos. A contratação coletiva, em particular, permite garantir a paz social que é fundamental para que as empresas possam trabalhar.

Essa é uma boa dica para o PCP e para futuros entendimentos.

É uma boa dica para toda a gente, porque não deve haver um conflito entre trabalhadores e empresários.

Na moção defende também que é preciso valorizar as carreiras e a recuperação faseada do tempo de serviço congelado. Para ser claro, isto é para toda a função pública e não só para os professores?

Quem tem um problema maior em matéria de congelamento são os professores. É onde a despesa é maior. No que diz respeito a todas as outras carreiras, as que dependem de pontuação, já lhes foram sendo reconhecidos alguns pontos. Quando falamos da necessidade de o Estado português cumprir as regras que estabelece com os seus trabalhadores, obviamente que é com todos.

Em relação aos professores, já tem um modelo desse faseamento para a recuperação integral do tempo de serviço?

Será alvo de negociação com os trabalhadores e no quadro daquilo que é o objetivo de política orçamental e de contas públicas.

O modelo apresentado por Luís Montenegro poderia ser um modelo para o PS?

Tem dois erros: não esperou pelo trabalho que a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) está a fazer em matéria de cálculo do custo da reposição integral do tempo de serviço dos professores e passa por cima de uma necessária negociação com os sindicatos.

Tem ideia de quanto vai custar esta recuperação faseada?

Temos que esperar pelas contas da UTAO.

A recuperação será feita numa legislatura?

Temos que ver as contas, nomeadamente as que foram pedidas à UTAO, estudar o tempo necessário, faseado, para podermos fazer essa recuperação. Não consigo nesta fase estar a dizer que é em três, quatro ou cinco anos.

Não se compromete então que seja possível em quatro anos, numa legislatura?

Neste momento, não consigo assumir esse compromisso.

Esta posição sobre os professores, da forma que está na moção não é contraditória com aquilo que tem dito em público, nomeadamente na declaração de voto que fez sobre os professores no Orçamento? Nunca tinha relacionado isto desta forma com as restantes carreiras da função pública.

A minha ideia é, obviamente, a de respeito para com todos os trabalhadores do Estado e não apenas para com uma classe em particular. Não há aqui nenhuma contradição. A situação de maior injustiça é no incumprimento das regras de progressão das carreiras dos professores. E esse é um problema que temos que resolver, têm que ser revisitadas todas as outras carreiras para perceber se ainda temos problemas por resolver no que respeita aos outros trabalhadores.

Na moção, defende a redução de IVA. Onde?

O IVA é o imposto socialmente mais injusto. Mais uma vez há um conjunto vasto de interesses que têm que ser compatibilizados desde logo continuarmos a trajetória de redução da dívida pública, tendo espaço e podendo nós baixar impostos, nós faremos isso nos impostos diretos.

E a baixa no IRS?

Temos de fazer ainda a avaliação sobre se ainda há, nomeadamente nos rendimentos mais baixos, um aumento de impostos que vem desde o tempo da troika. Um dos nossos objetivos é completar a 'destroikização' do país.

"Fundo Medina? Não podemos ter margens orçamentais à custa da perpetuação de vários problemas"

Defende uma baixa no Imposto sobre os Produtos Petrolíferos?

Ainda não temos o programa eleitoral concluído.

Tem falado muito sobre a redução da dívida. Tem alguma meta pensada?

Temos o objetivo de continuar a reduzir. Quanto mais alta for a dívida pública, maior são os encargos com a mesma. Quanto maiores são os encargos com a dívida, menos margem orçamental temos para investir no país.

Aquilo que foi apresentado pelo Governo no Programa de Estabilidade é um bom quadro macroeconómico para seguirmos nos próximos anos. Continuaremos o objetivo que estava previsto no Programa de Estabilidade.

Quando defendi que fizéssemos um ritmo menos acentuado de redução da dívida pública, aquilo que estava a dizer era que bastava seguirmos a trajetória que estava prevista no Programa de Estabilidade para podermos ter mais margem para investir. O país precisa de espaço orçamental para resolver também de forma mais rápida vários dos problemas que tem.

Qual era o valor no Programa de Estabilidade para a dívida?

Agora não tenho aqui o valor, não quero arriscar dar um número errado. Mas não era tão baixo quanto aquilo que está previsto.

Está a dizer que essa folga é suficiente para pagar a reposição das carreiras da função pública?

Não é uma questão de ser suficiente. É termos espaço para podermos assumir outro tipo de compromissos em matéria de investimento público e em matéria de valorização da administração pública.

Na entrevista que deu à Renascença e ao Público, José Luís Carneiro defendeu o chamado "Fundo Medina". Vai manter essa ideia, uma espécie de mealheiro para investimentos futuros, ou chapa ganha é chapa gasta?

Chapa ganha, chapa gasta não existe. Se nós tivermos a possibilidade de investir no país, devemos investir. Se quisermos ter uma economia mais forte, capaz de produzir mais, precisamos de investir desde logo na investigação e na ciência. Se o país não tivesse necessidades ao dia de hoje, aquilo que faria sentido fazer era reduzir os impostos. Mas o país tem necessidades prementes, urgentes.

Que vai fazer a essa ideia do Fundo?

Se fossemos um país que conseguisse extrair petróleo, por exemplo, e tivesse uma receita cuja economia era incapaz de absorver, o fundo teria mais justificação. Num quadro de uma economia como a nossa, tem menos justificação. Só faz sentido se nós tivermos margem orçamental para o financiar. E verdadeiramente não temos. Não podemos ter margens orçamentais à custa da perpetuação de vários problemas e por isso devemos usá-la para resolver os problemas que temos.

Fernando Medina foi irrealista nesta proposta?

Não. É uma opção legítima. O ministro das Finanças foi alguém com quem trabalhei muito bem, foi um bom ministro das Finanças. Conseguia conciliar a capacidade técnica a uma capacidade política muito importante. Tem uma grande experiência política. Foi alguém com quem trabalhei, aliás, muito bem.

"Podemos procurar esse acordo sobre o aeroporto, mas temos que avançar. Já chega"

O critério número um da privatização da TAP tem sido, até agora, a manutenção do "hub" de Lisboa. Tem sido cético em relação a esta exigência. Se chegar a primeiro-ministro, os critérios da privatização vão mudar consigo?

Não sou cético em relação à exigência propriamente dita. Aquilo que eu quis dizer foi que o "hub" não depende necessariamente da privatização, porque qualquer investidor que venha comprar a TAP, o faz essencialmente por causa do "hub". Agora, afastando-nos da empresa, as prioridades dos próprios grupos de aviação podem alterar-se num prazo mais ou menos longo.

Se o PS for Governo a partir de 10 de março, tem algum calendário na cabeça para resolver esta privatização da TAP?

Ainda não. Não considero que haja pressa de privatizar uma empresa que está saudável, que está pela primeira vez na sua história a dar lucros de forma contínua, com alguma consistência. A TAP hoje não é um problema para o país, antes pelo contrário. Há pressa em resolvemos o problema do aeroporto. Não há pressa na privatização da TAP. O Estado português não está desesperado para vender a empresa.

Tendo em conta que agora a TAP está a dar lucro, a TAP será para privatizar ou não?

A abertura do capital da TAP a um grupo de aviação é importante para a própria TAP. Agora, a percentagem a privatizar teremos depois de avaliar no quadro da negociação com potenciais interessados.

Eventualmente, se houver negociações para um Governo de "Geringonça", a TAP será um dos temas a debater? É debatível?

Não estamos nesse patamar, neste momento.

A abertura de capital da TAP não é negociável?

Não estou nesse tempo ainda. Estamos no momento de apresentação das nossas propostas. Nós vamos a eleições com o nosso programa. Não vamos a eleições, dizendo o que é que nós não queremos ou estamos disponíveis para deixar cair. Isso não se faz. Não é assim que nós avançamos para uma campanha.

A decisão sobre a localização do novo aeroporto vai ficar para o Governo saído das eleições de 10 de março. A Comissão independente indicou como a melhor opção Alcochete. Será a opção de um Governo liderado por Pedro Nuno Santos?

Nós queremos ouvir todos os partidos. A decisão deve ser tomada o quanto antes. Não me surpreende a conclusão da Comissão Técnica Independente. O país já tinha estudado cerca de 17 localizações desde 1972, portanto, todas já tinham passado por vários crivos. A conclusão a que o Ministério das Infraestruturas tinha chegado e a conclusão a que a Comissão Técnica Independente chegou dá, de facto, sustentabilidade às conclusões que, entretanto, foram foram apresentadas. A decisão que eu cheguei a tomar em 2022 é conhecida.

Acha que será possível um acordo com o PSD para a construção do novo aeroporto? O PSD já começou a atacar a credibilidade da Comissão e deste trabalho.

O PSD ataca a credibilidade desta Comissão Técnica Independente que foi criada no quadro de uma metodologia na qual participou o PSD. Devemos procurar um entendimento com o PSD, mas, já agora, com os outros partidos políticos também.

Um novo aeroporto não implica acordo entre PS e PSD?

É possível sem esse acordo. Podemos procurar esse acordo, mas nós temos que avançar. Já chega. O país de uma vez por todas tem de ser capaz de decidir e de avançar. Não pode estar sistematicamente a arrastar os pés. Já chega. Podemos ouvir e procurar consenso, se ele não existir temos de decidir na mesma.

Se for primeiro-ministro, esta decisão será tomada logo nos primeiros meses da legislatura?

Não há nenhuma razão para adiarmos mais. Já são 50 anos. Cada mês é um atraso injustificado. Não há nenhuma razão para isso. Nós já tínhamos os estudos todos, agora temos mais o relatório da comissão técnica independente, temos mais é que decidir.

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  • Americo
    07 dez, 2023 Leiria 10:28
    "completar a 'destroikização' do país" Como ? A ser eleito primeiro-ministro, este sr. seria o Hugo Chavez da Europa.

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