20 mai, 2024 - 10:37 • Inês Braga Sampaio
Augusto Santos Silva alerta que o discurso de ódio e divisão entre os cidadão "de bem" e "os outros" é a grande ameaça à segurança interna da Europa.
Em entrevista durante a conferência da Renascença "Para onde caminha Portugal na Europa", o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-presidente da Assembleia da República assinala que a grande ameaça à paz interna na Europa "não vem da pequena e média criminalidade, que está relativamente controlada e que a União Europeia tem instrumentos muito fortes para combater, ou da recomposição multicultural das populações europeias".
"[A grande ameaça] É o discurso de ódio, a ascensão da extrema-direita e todos os que querem dividir a Europa e os países em dois blocos: os portugueses ou europeus de bem e os outros. E organizam ações violentas contra os outros. Nalguns países tem dimensão muito forte que coloca riscos à segurança pública muito fortes", adverte.
Neste âmbito, o antigo ministros considera que "os socialistas, os liberais e os verdes continuam a ser indispensáveis para formar uma maioria no Parlamento Europeu".
"Só há uma maneira de não serem indispensáveis: a extrema-direita crescer tanto e a direita democrática dar uma tal guinada que o Parlamento Europeu passaria a ser formado por essa união. Isso seria fatal. É um risco muito importante que hoje se corre", assinala.
A paz e a segurança é uma das prioridades elencadas por Santos Silva, a menos de um mês das eleições europeias.
A primeira é combinação entre ação climática e Europa social. O antigo ministro considera "muito importante fazer essa articulação, senão perdemos o apoio dos cidadãos para a transição energética".
"Para que a compreensão da importância da transição energética e da transição tecnológica exista, temos de ir ao mesmo tempo caminhando na Europa social, designadamente cumprindo os objetivos que a UE aprovou em 2021. Segundo a UE, Portugal é o país mais bem preparado para atingir em 2030 a transição energética", salienta.
Um dos riscos para a ação climática europeia, no entender de Santos Silva, é a "menor ligação que existe entre a dimensão social e a dimensão climática" da UE: "Essa conexão tem de ser forte, senão corremos o risco de perder os cidadãos."
Augusto Santos Silva também fala da Defesa.
"Há várias parcelas na defesa nacional que têm de ser contadas e não podem ser reduzidas a investimento em armamento. A NATO ganhou a Guerra Fria sem disparar um tiro. Os conflitos não se resolvem apenas à base da flexão do músculo militar. Os nossos valores são tão importantes para a paz e segurança quanto os nossos casters e os nossos marines", alerta.
Outra prioridade é a migração: "Há vários países que querem pôr o pacto das migrações em causa."
"Com muita tristeza minha, alguns países que pertencem à minha família política assinaram essa carta sinistra. Nem há um ano assinamos o pacto e já queremos mudá-lo, o que é extraordinário e que diz, essencialmente: 'o pacto das migrações já foi um compromisso possível nos limites do aceitável e queremos ir além dele'", critica.
Santos Silva admite que o pacto das migrações tem defeitos, porque, se por um lado vinca que a obrigação de solidariedade é de todos, "tem uma forma menos positiva de traduzir essa solidariedade, que é monetizá-la".
"Pagas para não receber refugiados em busca de asilo. Trocar solidariedade por dinheiro cria muitos engulhos", realça.
Por outro lado, outro aspeto positivo: "A ideia de dar a cada Estado-membro e em particular aos Estados que são a porta de entrada de migrações maior capacidade e legitimidade e mais instrumentos para distinguir o que são pessoas solicitadoras de asilo, o que são refugiados e o que são migrantes económicos."
"Terceiro elemento: mais instrumentos para combater as redes de tráfico, que têm de ser combatidas. Não conseguimos ter a opinião pública connosco se não combatermos aqueles que exploram as pessoas em dificuldade, que ganham fortunas à custa da vida dessas pessoas e que liquidam a atmosfera moral que é necessária para a boa integração", declara.
Santos Silva mostra-se, contudo, desfavorável à "chamada externalização da nossa política de fronteiras, como o que o governo italiano acaba de fazer, que é subcontratar a Albânia para gestão dos fluxos de entrada".
"A Itália quer desviar as pessoas para centros de detenção na Albânia. Duvido que isso vá em frente", refere.
Por fim, aumentar a competitividade europeia. Augusto Santos Silva lamenta que a Europa continue a ter um atraso, do ponto de vista da inovação, face aos Estados Unidos, que é histórico e continua a existir, além de parecer estar a aumentar em alguns indicadores. No entanto, aponta algo que considera ainda mais preocupante.
"Deve preocupar-nos tanto ou mais o facto de nós hoje estarmos em competição com a China o que diz respeito à invocação. Inovação tecnológica e inovação organizacional, ou seja, no que diz respeito aos fatores que sustentam a nossa competitividade económica. Há duas maneiras de resolver isso e uma delas é errada, além de ser completamente contrária aos interesses portugueses, embora tenha grande aceitação em Bruxelas, porque é a maneira que Berlim e Paris alimentam: dizer que a competitividade da Europa depende de a Europa ter grandes campeões e que devemos mudar a nossa política de concorrência no sentido de permitir que esses grandes campeões europeus tenham melhores condições para se imporem no mundo, deixando de estar sujeitos à concorrência na UE", explica.
Para o antigo ministro, "é profundamente errado do ponto de vista económico, mas sobretudo contrário aos interesses portugueses".
"A economia portuguesa e europeia é feita de pequenas e médias empresas e não podemos achar que a competitividade da Europa deve ser a competitividade da empresa A na Alemanha ou da empresa B em França. A política de concorrência deve ser respeitada e se essas grandes empresas merecem, e muitas vezes merecem, para o desenvolvimento de projetos, ter financiamento europeu, então deve cumprir-se a condição que se colocou, que foi a de que quem é beneficiado não é essa empresa, mas uma rede de empresas que essa empresa pode liderar. Não podemos separar esse nível do capitalismo europeu da rede de pequenas e médias empresas que fazem a economia social europeia. Nós somos uma economia social de mercado", recorda.
O alargamento da União Europeia parece "inevitável" a Augusto Santos Silva, que considera até que "seria absolutamente injusto negar à Ucrânia a possibilidade de ser membro".
"Podemos dizer que a Ucrânia está a ganhar esse direito com o sangue dos seus homens e mulheres, e isso é sagrado. Agora, a Ucrânia tem de cumprir os critérios de Copenhaga, como todos os outros. Isso demorará muitos anos e a Ucrânia deve ser apoiada nesse esforço. Portugal deve apoiar, como tem apoiado, a entrada da Ucrânia. Portugal tem acompanhado todos os passos que têm sido dados nesse sentido", vinca.
No entanto, Portugal deve também ter "consciência" de que a entrada da Ucrânia e, possivelmente, da Moldova e da Geórgia na UE "significará uma nova basculação da Europa para Leste, o que é profundamente contrário aos interesses geopolíticos e geo-históricos de Portugal".
"O risco de aumentar a periferização da Europa Ocidental é real. Acautela-se isto de três maneiras complementares: a Europa Ocidental não deve esquecer ou abdicar de nenhum dos valores que definem a Europa; precisamos de uma reforma interna da UE que permita acumular esta nova basculação a Leste, temos de ter um mecanismo de combate a crises; a zona Euro, portanto, aqueles que querem uma Europa integrada, que respeite todas as liberdades, devem poder distinguir-se daqueles que olham para a Europa como se a Europa fosse apenas um mercado e uma caixa de multibanco - isso passa por fortalecer esse primeiro grande círculo de integração e protegê-lo face a todos aqueles que olham para a Europa como uma maneira rápida de chegar a fundos", conclui.