Igreja Católica

“Ninguém tira a dignidade a uma pessoa”, diz Papa às reclusas em Veneza

28 abr, 2024 - 11:26 • Aura Miguel

Nesta celebração, participaram, sobretudo, os fiéis das dioceses de Veneza e norte de Itália. Durante esta manhã, os turistas não puderam entrar na cidade e mesmo os peregrinos italianos não residentes, que vieram de outras dioceses, tiveram de pagar uma taxa de entrada de cinco euros, definida pelo município.

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O Santo Padre inaugurou esta manhã, no cárcere feminino da Ilha de Giudecca, uma breve mas intensa visita a Veneza. É nesta ilha que também se encontra o Pavilhão da Santa Sé para a Bienal de Arte. “A prisão é uma dura realidade e cheia de problemas como a sobrelotação, a falta de estruturas e recursos, episódios de violência geram muito sofrimento. No entanto, pode tornar-se também um lugar de renascimento moral e material”, disse num breve discurso.

“Ninguém tira a dignidade de uma pessoa!”, afirmou Francisco olhando para as 80 mulheres que o ouviam sentadas num pátio interior do cárcere. E, referindo-se ao pavilhão na Bienal de Veneza, lembrou que, “paradoxalmente, a permanência numa prisão pode marcar o início de algo novo, através da redescoberta de belezas desconhecidas em nós e nos outros, simbolizadas pelo evento artístico que acolheis e para cujo projeto contribuistes ativamente.”

Neste contexto, Francisco considerou fundamental que o sistema prisional ofereça aos reclusos ferramentas e espaços de crescimento humano, espiritual, cultural e profissional, “criando condições para a sua saudável reinserção; não para ‘isolar a dignidade’, mas para dar novas possibilidades”.

O mundo precisa de artistas

A poucos passos de distância, dezenas de artistas esperavam o Papa na capela da prisão, transformada em espaço de instalação artística. Acolhido pelo curador deste projecto, o cardeal D. José Tolentino de Mendonça considerou esta etapa “histórica”, por ser a primeira vez que um Papa visita a Bienal de Veneza e também por revelar “o desejo de inaugurar uma nova era nas relações da Igreja com o mundo das artes”.

Francisco recordou que a sua presença em Veneza é a retribuição da visita que os artistas lhe fizeram no passado mês de junho, para um encontro na Capela Sisitina. “Agora sou eu que venho a vossa casa”, afirmou. “Confesso que não me sinto um estranho ao vosso lado: sinto-me em casa".

O Papa acrescentou que “a arte tem o estatuto de ‘cidade de refúgio’, uma cidade que desobedece ao regime de violência e discriminação para criar formas de pertença humana capazes de reconhecer, incluir, proteger, abraçar a todos.” E defendeu uma espécie de rede de cidades de refúgio “para libertar o mundo de antinomias insensatas e agora esvaziadas, mas que procuram ganhar vantagem no racismo, na xenofobia, na desigualdade, desequilíbrio ecológico e da aporofobia, este terrível neologismo que significa fobia dos pobres”.

Francisco implorou “aos amigos artistas” que imaginem cidades nas quais nenhum ser humano é considerado estranho e considerou urgente “que saibam distinguir claramente a arte, do mercado”, que se arrisca de “ ‘vampirizar’ a criatividade, de roubar a inocência e, por fim, instruir friamente o que fazer.”

A navegar entre gôndolas

O Papa saiu da Ilha de Giudecca num barco da polícia, acompanhado ao longe por dezenas de outros pequenos barcos e gôndolas, sobretudo quando se aproximou da basílica da Saúde, para um encontro com um milhar de jovens.

“Convivemos hoje com emoções rápidas, sensações momentâneas, instintos que duram momentos. Mas assim não se vai longe”, disse o Santo Padre. “Os campeões desportivos, tal como os artistas e os cientistas, mostram que grandes objetivos não podem ser alcançados num instante, de uma só vez. E se isto se aplica ao desporto, à arte e à cultura, aplica-se ainda mais ao que mais importa na vida: a fé e o amor”.

No meio de aplausos e algum diálogo improvisado, o Papa pediu aos jovens para não se isolarem e estabelecerem relações uns com os outros. “Vocês podem-me dizer: ‘Mas à minha volta todos estão sozinhos com seus telemóveis, viciados em redes sociais e videojogos’. Ora, vocês devem ir, sem medo, contra-corrente: tomem a vida nas vossas mãos, arrisquem, desliguem a TV e abram o Evangelho, deixem o telemóvel e conheçam pessoas!”

E mesmo que não seja fácil ir contra a corrente, Francisco recordou aos jovens venezianos que “a própria Veneza nos diz que só remando de forma consistente poderemos ir longe".

A beleza e os riscos da cidade sobre as águas

No final do encontro com os jovens, o Papa atravessou, num pequeno carro elétrico, a Ponte das barcas, junto ao Grande Canal, até chegar à famosa Praça de São Marcos, onde celebrou missa.

Na presença de dez mil fiéis, a homilia falou de Veneza como um dos lugares mais sugestivos do mundo que, no entanto, corre vários riscos.

“Se admiramos a sua encantadora beleza, também nos preocupamos com tantos problemas que a ameaçam: as alterações climáticas, que têm impacto nas águas da lagoa e no território; a fragilidade dos edifícios, do património cultural, mas também das pessoas; a dificuldade de criar um ambiente à escala humana através de uma gestão turística adequada; e também tudo o que estas realidades correm o risco de gerar em termos de relações sociais desgastadas, individualismo e solidão”, afirmou.

O Papa definiu Veneza como “lugar de encontro e de intercâmbio cultural” que hoje é também chamada a ser “um sinal de beleza acessível a todos, a partir dos últimos, um sinal de fraternidade e de cuidado da nossa casa comum.” Francisco sublinhou como “é belo que na vossa cidade se possa respirar o clima da ‘Bienal’, que recolhe, explora e difunde a riqueza multifacetada das artes”. E acrescentou ainda: “Quero dizer-vos isto: o Evangelho, ao transformar e moldar as nossas vidas, quer tornar-nos também artistas capazes de espalhar por toda a parte os frutos do amor e da alegria.”

No final da missa, o Santo Padre pediu orações pelo Haiti, “cuja população está desesperada pelo colapso do sistema de saúde, pela falta de alimentos e aumento da violência que força a fugir do país”. Francisco pediu o apoio da Comunidade Internacional para ajudar o novo Conselho presidencial de transição, que tomou posse na passada quinta-feira, em Port-au-Prince, “para se alcançar a paz e estabilidade que tanto necessitam”.

O Papa pediu também orações pelas vítimas da guerra na Ucrânia, na Palestina, em Israel “e em tantos outros lugares que sofrem com a guerra e a violência”.

Nesta celebração, participaram, sobretudo, os fiéis das dioceses de Veneza e norte de Itália. Durante esta manhã, os turistas não puderam entrar na cidade e mesmo os peregrinos italianos não residentes, que vieram de outras dioceses, tiveram de pagar uma taxa de entrada de cinco euros, definida pelo município.

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