Torneiras de vento
Para Ana Maria Gonçalves, presidente da união de freguesias de São Domingos e Vale de Água, o temor do autarca de Odiáxere não é hipotético: as duas povoações que lidera estão já a ser abastecidas diariamente de água pelos bombeiros de Santiago do Cacém – algo que nunca fora necessário até 2022.
“Podem vir cá duas vezes, podem vir três por dia. Conforme o que é necessário”, conta a mulher, de cabelo laranja e gestos desenvoltos, à Renascença. “Nunca aconteceu uma falta de água assim. Podia haver um dia ou outro que não houvesse abastecimento público, mas agora já está a ser demasiado.”
Faltas pontuais que no passado eram supridas com recurso a depósitos de mil litros tornaram-se a norma. Os três poços da freguesia secaram, os espaços verdes deixaram de ser regados. E, para piorar tudo, “de ano para ano, cada vez chove menos”, nota. Os agricultores têm, então, de começar “noutras culturas que não sejam de regadio”. “Podem fazer aquilo que não leve tanta água. Têm que se ir habituando, porque que daqui a alguns anos ainda vai ser pior”, assume Ana Gonçalves.
São 15 horas da tarde, do dia 9 de agosto; os termómetros marcam 30 graus – uma das temperaturas máximas mais baixas que se fará sentir em todo o mês. Na aldeia de São Domingos, com o céu limpo e o sol a pique, são poucas as pessoas que arriscam andar pela rua. Junto ao edifício da junta, há uma praça com um pequeno fontanário e uma cobertura com heras; uns quantos idosos estão lá sentados à sombra.
Ana recorda-se de um tempo em que a barragem de Campilhas era um íman de turistas, que vinham “com caravanas”, “passavam ali o verão inteiro”. Uma memória que contrasta com o “deserto” que resta. Pede, por esse motivo, uma solução igual à de Fonte Serne para aquela barragem. Ou seja, que se vá buscar água ao Alqueva.
A autarca quer uma resposta. É isso que lhes exigem os seus conterrâneos. Há os agricultores, que estão a parar de cultivar. Depois, há os criadores de gado, que, lentamente, começam a desesperar. “Não há pastagem”, conta. José Ventura, 80 anos, é uma dessas vozes.