15 mar, 2017 - 21:13 • Vasco Gandra, enviado especial a Haia
Os holandeses deslocaram-se esta quarta-feira às urnas para eleger os seus 150 deputados, num ambiente tranquilo e ordeiro que contrastou com as polémicas dos últimos dias, a escalada diplomática com a Turquia e as tiradas xenófobas do candidato Geert Wilders.
A Holanda manteve-se fiel à sua tradição de descentralização e os cerca de 9 mil locais e assembleias de voto – os “Stembureau” -, foram espalhados por todo o país. Para facilitar a vida dos cidadãos as mesas são instaladas em diversos lugares, para além dos sítios mais habituais: estações de comboios, centros culturais, aeroportos, associações, parlamento, etc.
As primeiras projecções das eleições legislativas desta quarta-feira na Holanda apontam para derrota do partido xenófobo e anti-União Europeia de Geert Wilders. O primeiro-ministro cessante, o liberal Mark Rutte, deverá vencer as eleições apesar de o seu partido encolher em número de deputados.
Estas eleições, muito concorridas, estão a fazer jus à longa tradição democrática da Holanda. A principal incógnita é a dimensão do resultado do Partido da Liberdade, anti-imigração e anti-Bruxelas, liderado por Geert Wilders.
Boa afluência às urnas em dia de trabalho
Longas filas um pouco por todo o país logo pela manhã davam a indicação de que a participação seria superior à registada nas últimas eleições parlamentares. Pelas 14 horas, o responsável pelas mesas de voto na estação central de comboios de Haia confirmava à Renascença que a afluência naquele local seria superior em relação a 2012.
Apesar de ser um dia normal de trabalho, os holandeses mobilizaram-se sem que fosse ainda possível perceber quem beneficia da elevada participação. O dia decorreu anormalmente ensolarado. Em Haia, na praça do parlamento, mesmo no coração da capital administrativa e política do país, muitos aproveitaram para almoçar ou simplesmente tomar uma bebida nas muitas esplanadas.
Aparentemente, tudo normal: comércios abertos, serviços a funcionar e as já tradicionais dezenas e dezenas de bicicletas holandesas por todo o lado. Mas os coloridos cartazes dos candidatos e partidos colocados em determinados sítios para o efeito lembram que o país enfrentou uma eleição simbólica que muitos receiam ter um efeito dominó na Europa, se o candidato da extrema-direita conseguisse o primeiro lugar.
Português elogia exemplo cívico dos holandeses
A meio da tarde, José Xavier dizia à reportagem da Renascença que “este é um momento normal” destacando o exemplo cívico dos holandeses que votam num dia de trabalho. A viver na Holanda há 36 anos, o ex-conselheiro da comunidade portuguesa garante que os portugueses ou luso-descendentes que podem votar nestas eleições não têm um candidato preferido e que não há um receio particular em relação ao partido dirigido por Wilders.
À medida que a tarde passava, novas filas formaram-se nas mesas de voto. À saída do trabalho, muitos holandeses fizeram questão de cumprir o dever cívico.
O que pensam de Wilders num bairro de imigrantes
A Renascença deslocou-se depois a um dos bairros de Haia com mais imigrantes, na zona de Schilderswijk. Pelo caminho, dois jovens barbeiros holandeses de origem tunisina atarefados ouvem música num volume incomportável. Tenta-se uma conversa. Inevitavelmente sobre as eleições, a integração, a imigração e Geert Wilders.
“Estou completamente integrado. Sou holandês”, diz um deles. E Wilders? “Não o vejo como uma pessoa perigosa. Ele só pode falar. Não pode fazer nada, não estou preocupado com isso”, garante. Neste ponto tem razão: num país onde nenhum partido tem maioria absoluta para governar, é de assinalar que as principais forças políticas recusam fazer alianças com o Partido da Liberdade.
A convivência de várias culturas e comunidades nota-se de imediato nas ruas deste bairro. Há lojas e mini-mercados com inscrições em várias línguas, pessoas de vários continentes a falar em vários idiomas. Cerca de 92% da população é de origem imigrante, conta Harrie van de Low, director de um emblemático centro cultural, que acolhe pessoas das diferentes comunidades.
Reconhece que pode haver pontualmente questões a resolver, mas afirma o sucesso da fórmula deste local. “Este é realmente um teatro da comunidade porque perguntamos às pessoas o que pretendem ver, ouvir aqui. O que querem que aconteça e como podem beneficiar disto e ter audiências”. Harrie van de Low promove e facilita o diálogo entre as comunidades e acredita neste modelo de integração, que está nos antípodas do que defende Geert Wilders.
Hoje, dia de eleições o centro cultural funciona também como local de voto. Dezenas de pessoas de origens diversas formam uma fila permanente para exercer a sua escolha eleitoral. Aqui, o líder da extrema-direita perderá.