Educação

Calções e decotes. Queixas de pais e alunos levaram Liceu Pedro Nunes a impor restrições ao vestuário

23 abr, 2024 - 20:42 • Ana Kotowicz , Miguel Marques Ribeiro , João Cunha , Vasco Bertrand Franco

“A própria lei que diz que os alunos devem apresentar-se com vestuário que se revele adequado”, diz o constitucionalista Tiago Duarte, que considera que a escola está “a seguir uma obrigação da lei” ao impor regras ao vestuário dos alunos.

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Nem calções de praia nem decotes excessivos. As regras sobre o que os alunos devem ou não levar vestido para a escola foi enviada, na passada semana, aos encarregados de educação pela diretora da Escola Secundária Pedro Nunes, em Lisboa. A notícia foi avançada pelo jornal Público e confirmada à Renascença por Maria do Rosário Andorinha.

A diretora explica que a decisão foi tomada depois de surgirem queixas de pais e alunos sobre a forma como alguns alunos iam vestidos para a escola. Além disso, Rosário Andorinha diz que os alertas enviados por email tiveram a concordância tanto da associação de pais como do Conselho Geral, órgão onde estão representados pais, alunos, pessoal docente e não docente, além de representantes do município e da comunidade local.

Assim, e depois de alguns encarregados de educação manifestarem o seu desagrado nas últimas semanas, foi necessário agir. “Isso surge também na sequência de queixas de outro nível, de outros pais e encarregados de educação que se sentem, digamos, incomodados. Ou os filhos ou as filhas se sentem incomodados por certos trajes usados”, diz a diretora Rosário Andorinha à Renascença.

O objetivo, garante, foi chamar a atenção para o problema e apelar ao bom senso da comunidade educativa. “O nosso email foi um bocadinho no sentido de alertar, de sensibilizar, para aquilo que está previsto na lei. Mais nada. E que está também no nosso regulamento interno.”

No email, segundo o jornal Público, lia-se: "Os alunos devem estar na escola com vestuário adequado. Isso implica não trazer roupa de praia, nomeadamente calções de banho, chinelos, calções demasiado curtos e camisolas com excessivo decote". Em situação de exame, recomenda-se "vestuário adequado sob impedimento de realização do mesmo." No entanto, a diretora garante que proibir os alunos de fazer exames nunca esteve em causa.


Escola cumpre a lei, diz constitucionalista

É para a lei que chama a atenção o constitucionalista Tiago Duarte, afastando a ideia de que a escola possa estar a tomar uma decisão ilegal.

“A mim, parece-me claro que a escola, ao estabelecer regras relativamente à roupa que os alunos devem usar, está a seguir uma obrigação da lei, porque é a própria lei que diz que os alunos devem apresentar-se com vestuário que se revele adequado”, diz o também professor universitário. “Portanto, o que a lei diz é que a escola deve ter regras que explicitem que tipo de vestuário é que é adequado.”

O diploma em causa é aquele que aprovou o Estatuto do Aluno. Ali, entre os deveres e direitos dos estudantes, pode ler-se que os alunos estão obrigados a "apresentar-se com vestuário que se revele adequado, em função da idade, à dignidade do espaço e à especificidade das atividades escolares, no respeito pelas regras estabelecidas na escola".

Além dos alunos, também há regras para os encarregados de educação.

“A própria lei tem uma regra também para os pais: no artigo 43, na alínea k, diz que é um dever dos pais conhecer este estatuto”, refere Tiago Duarte, citando a parte da norma onde se lê que os pais devem “conhecer o presente estatuto, bem como o regulamento interno da escola e subscrever uma declaração anual de aceitação do mesmo e de compromisso ativo quanto ao seu cumprimento integral”.

Por isso, diz o constitucionalista, “os pais devem conhecer esta lei, devem conhecer o regulamento interno da escola, e devem assinar uma declaração anual a dizer que se comprometem a cumprir o regulamento e ativamente promover o respeito desse regulamento”.

Em 2021, também uma escola da Amadora esteve envolvida numa polémica com vestuário, devido a um cartaz que ilustrava que tipo de vestuário era aceitável. Na altura, o caso passado no Agrupamento de Escolas Cardoso Lopes ganhou mediatismo depois de ser denunciado nas redes sociais pela cantora Sónia Tavares.

O cartaz acabou por ser retirado.

Alunos descalços na escola: “Isto não é a praia”

No Liceu Pedro Nunes, uma das mais antigas do país, a diretora dá um exemplo do que considera ser um desrespeito pelas regras de frequência da escola. “Passo um exemplo: na semana passada andavam alunos descalços na escola. Isto é uma situação limite”, diz a diretora. “Isto não é propriamente praia, isto é um lugar público com regras e todas estas estão previstas.”

Para a diretora, a forma como alguns alunos se apresentam dentro do espaço da escola podem levar a “questões não só de bullying, mas de assédio” e garante que a direção não pretende ter nenhum tipo de atitude repressiva.

“Há pessoas que se sentem incomodadas, que expõem a questão à direção e ficamos nós no meio. Que é que se faz? Vamos ver o que é que está no regulamento, e o que tem valor é o que diz a lei 51, e que ainda não sofreu qualquer alteração, já lá vão 12 anos”, acrescenta.

As aulas, diz a diretora, são afetadas por estas situações: “A Associação de Pais, por exemplo, concorda. E temos professores que concordam. Todos vivem situações, às vezes muito complexas, dentro da sala de aula, às quais a direção tem de responder.”

O email enviado aos pais identifica algumas peças de vestuário que devem ser evitadas. “Sim, os calções extremamente curtos e quando estamos a falar de extremamente curtos, são mesmo muito, muito, muito curtos. Estamos a falar de tops complicados também. Não daquelas blusas normais que as meninas usam, com a barriga à mostra. Não é nada disso”, acrescenta Rosário Andorinha, que não gostou de ver a situação ser associada a ideais fascistas ou à repressão vivida antes do 25 de Abril.

Além disso, Rosário Andorinha identifica algumas alterações de comportamento dos jovens posteriores à pandemia, que estarão pouco estudadas.

“O aluno, quando estava em casa, estava à moda dele, e muito bem — é um direito que lhe assiste”, diz a diretora. Com o fim da pandemia, e o regresso à sala de aula, sente que alguns alunos se vestem como quando estavam em ambiente familiar e, agora, cabe à escola gerir as diferenças e conflitos que surgem, o que nem sempre é fácil.

“Há sempre duas faces da moeda. A escola é apenas o reflexo da sociedade. Há diversos pensamentos, diversas opiniões, há diversos juízos. Tem de ser tudo concertado e, de alguma forma, com fundamento legal”, conclui Rosário Andorinha.

Ministério remete para o Estatuto do Aluno

Contactado pela Renascença, o Ministério da Educação mantém o que tinha avançado ao jornal Público: desconhece a situação em particular que motivou a comunicação da direção da Escola Secundária Pedro Nunes, e relembra o que diz o Estatuto do Aluno sobre vestuário.

O resto, pertence à autonomia das escolas. “No âmbito da sua autonomia, as escolas definem o seu regulamento interno, documento aprovado pelo Conselho Geral, no qual estão representados professores, alunos, pais e autarquia, entre outros”, refere o gabinete do ministro Fernando Alexandre.

“As regras específicas de vestuário dos alunos não resultam de orientações gerais do Ministério da Educação, Ciência e Inovação”, salienta.

Alunos não gostaram: "Vai afetar o nosso percurso académico"

Francisca Almeida é aluna do 11.º ano. Não concorda com a possibilidade da escola, através do regulamento, poder impor restrições de vestuário. "Acho que não faz sentido, do nada, impor restrições sobre a nossa roupa, a mim irrita-me um bocadinho", desabafa, enquanto esfrega os olhos, tal a quantidade de pólen no ar trazido pelos cedros que preenchem a Avenida Álvares Cabral.

"É um exagero. As pessoas vestem-se de maneira normal, mas claro que há abusos e pessoas que se vestem com decotes e calções muito justos. Mas não é frequente." O problema, diz Francisca, é que "isso faz com que nós, que não o fazemos, tenhamos mil e uma restrições".

E dá um exemplo dessas restrições, com o relato de um caso que ela própria viveu, o ano passado. "Eles (professores) exageram muito. Eu estava com um top caicai que mostrava um fio de barriga com as calças, e uma professora veio refilar comigo."

Na nota enviada aos pais, alerta-se para a importância das regras de vestuário previstas no regulamento serem cumpridas em dia de exames. Isso é o que preocupa Diogo Severino, outro aluno da escola.

"Vai afetar o nosso percurso académico e, possivelmente a entrada na universidade, por podermos ter os resultados finais prejudicados porque não podemos vir de forma confortável, ou como nos gostamos de vestir", conta à Renascença. Também ele já foi repreendido "por estar de fato de banho e de chinelos", algo que não entende.

"Às vezes, passamos calor e, se não viermos assim vestidos, suamos e estamos desconfortáveis na escola", conclui o estudante.

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  • António dos Santos
    23 abr, 2024 Coimbra 23:09
    A diretora desta escola, os elementos que incorporam o corpo docente da mesma e que concordam com esta diretiva, devem ser imediatamente despedidos sem direitos. Pois representam o período antes do 25 de Abril de 1974. São escória da sociedade.

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