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“Mudanças na floresta? Só quando o Terreiro do Paço arder"

13 nov, 2017 - 18:20 • Olímpia Mairos

Alunos e professores de Engenharia Florestal tecem críticas ao poder político por não dar importância à floresta.

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Num momento em que a floresta portuguesa passa por uma das maiores crises de sempre, a Renascença foi à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) conversar com alunos e professores de Engenharia Florestal para tentar perceber até que ponto o poder político aproveita ou não a investigação que ali é produzida e o por quê de tão poucos jovens enveredarem por engenharia florestal.

Na área da Engenharia Florestal há três cursos em Portugal, mas muitas vagas ficam às moscas. A UTAD, por exemplo, além da licenciatura, ministra um mestrado em Engenharia Florestal, onde este ano entraram apenas nove alunos.

Rui Quaresma tem 20 anos, é natural de Arouca e está no terceiro ano. Entrou no curso por convicção. A floresta sempre o cativou e, por isso, engenharia florestal foi a sua primeira opção. “Sempre me vi envolvido ao ar livre, no meio das florestas. Não me via a fazer nenhum trabalho de gabinete nem fechado numa sala. Então, optei por uma área mais prática, a engenharia florestal”, conta.

Já Ana Barros, 24 anos, natural de Vila Real, refere que caiu ali “um bocadinho de paraquedas”, no entanto, aprendeu “a gostar” e, com tudo o que tem acontecido no país, acha cada vez “mais interessante a área” e defende que “deviam dar um bocadinho mais a palavra aos engenheiros florestais”.

Afinal, por que razão fogem os jovens da Engenharia Florestal? No entender de Rui Quaresma “as pessoas não sabem exactamente em que consiste o curso. Sabem o que é engenharia florestal, mas acham que é uma coisa muito limitada. Pensam que é só umas árvores, mas é muito mais, o curso é muito mais amplo”.

“Todo o ecossistema está ligado à engenharia florestal, desde o solo, a água, também, claro, as árvores são uma área crucial, mas também todos os outros componentes, desde de fauna à flora”, esclarece o estudante.

E qual é a empregabilidade do curso de engenharia florestal? Onde se trabalha? A professora Emília Galvão Silva garante que “os alunos saem do curso de engenharia florestal e, em média de três, quatro meses, conseguem emprego”.

“Nós, aqui na universidade, temos frequentemente pedidos de nomes de alunos para empregos, porque começa a haver falta de engenheiros florestais no mundo do trabalho”, acrescenta. As solicitações surgem sobretudo de gabinetes técnico-florestais, estruturas de prevenção de incêndios, associações de produtores florestais, autarquias e microempresas da indústria da madeira.

A lei diz: “pessoas, bens e, depois, a floresta. Então, a floresta não é um bem?”

A professora Emília Galvão Silva, recentemente eleita presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências Florestais, sustenta a ideia de que “o paradigma da floresta tem obrigatoriamente que mudar, assim como a ideia de que esta é apenas um bem produtor de madeira”.

Emília Galvão Silva também aqui atribui responsabilidades ao poder político, exemplificando: “a lei e a nova reforma florestal diz que é necessário, a nível dos incêndios, proteger primeiro as pessoas, depois os bens e, depois, a floresta, ou seja, a floresta não é um bem. E é a própria lei que tem isto escrito: pessoas, bens e, depois, a floresta. Então a floresta não é um bem? A floresta é o bem maior que Portugal tem”.

E o professor Domingos Lopes dá mais uma achega. "A principal solução, a principal resposta que devia, neste momento, estar a ser discutida é: como é que eu consigo levar mais engenheiros florestais para o terreno, para dar apoio aos proprietários florestais ou quem está a gerir a floresta, quer seja o Estado, quer seja o pequeno proprietário florestal?”.

“Não temos tido a capacidade exigir aos políticos”

Emília Calvão Silva, que é também a presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências Florestais, vê na “inércia” do poder político a justificação para o estado da floresta e para a pouca importância que se dá à engenharia florestal. E explica: “os políticos gerem-se por períodos de quatro anos. Esses períodos de quatro anos são muito pequeninos, tendo em conta que os dois primeiros serão para fazer alguma coisa e, depois, nos dois últimos já estamos quase em modo de campanha”.

“Não dá muito tempo para, de facto, tentarem saber o que é que nós fazemos, tentarem vir aqui beber algum conhecimento para, depois, se poder implementar”, conclui.

Pelo mesmo diapasão afina o director do departamento de ciências florestais da universidade Trás-os-Montes e Alto Douro, Domingos Lopes, atribuindo a culpa “aos políticos, e ao público em geral”, porque, diz, “também não temos tido a capacidade exigir aos políticos”.

O professor e investigador frisa que “o foco tem estado sempre a ser dado sobre combate, sobre o dispositivo de combate, quando é sobre silvicultura preventiva que está a solução”. E deixa um desafio ao Governo: “Se na resposta aos fogos de 2017, essa resposta não for, mais uma vez, dada no foco da prevenção de silvicultura preventiva, os problemas vão continuar, independentemente do discurso dos políticos e da forma como nos queiram fazer descrever as decisões que vão tomar”.


Urge rever o financiamento à investigação

É urgente, diz a nova presidente da sociedade portuguesa de ciências florestais, rever, por exemplo, o financiamento à investigação na área florestal.

“Era muito, muito urgente que o financiamento dos projectos de investigação florestais tivesse um período temporal maior ou, pelo menos, que nos permitissem que estes projectos fossem renovados e fossem acrescentados. Porque, acontece que nós fazemos investigação, nós fazemos até implementação de trabalhos de campo e, depois, ao fim de três anos, temos que os abandonar, porque simplesmente deixou de haver verba para continuar essa investigação”.

E a investigação que se faz na universidade transmontana é de qualidade, porque assenta no ordenamento florestal, garante o professor Domingos Lopes. “É uma investigação florestal que não resulta em peças. É uma investigação florestal que tem a visão do conjunto e, por isso, nós trabalhamos desde o solo, desde a ecologia florestal, mas, desde logo, uma área de conhecimento que para nós é estruturante, o ordenamento florestal”, conclui.

“Enquanto o Terreiro do Paço não arder, nada vai mudar”

Rui e Ana são dois futuros engenheiros florestais e estão com muita vontade em contribuir para uma nova floresta. Rui quer contribuir para “tornar a floresta mais resiliente aos incêndios” e manifesta tristeza “por ver o país no estado em que está”.

“Eu próprio, na minha zona local, vejo o país nesse estado e entristece-me profundamente viver no meio do queimado. É uma coisa inexplicável”, lamenta.

Ana entende o momento presente como de viragem e pede uma maior consciencialização sobre o “estado do país e sobre o que vai acontecer daqui para a frente”, reclamando do Governo “que dê mais ouvidos e mais valor a quem conhece científica e tecnicamente a área”.

“E como eu já disse muitas vezes – e espero bem que isto não seja verdade – mas, enquanto o Terreiro do Paço não arder, nada vai mudar. Mas eu espero que isto seja um momento de viragem para nós todos”, conclui a jovem estudante.

Os incêndios florestais consumiram este ano mais de 442 mil hectares, o pior ano de sempre em Portugal, segundo os dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

O último relatório do ICNF, que analisa os dados entre 1 de Janeiro e 31 de Outubro, indica que arderam em Portugal 442.418 hectares de espaços florestais, metade dos quais no mês de Outubro (223.901 hectares).

Os números do ICNF ficam, contudo, aquém dos mais 563 mil hectares indicados nas estimativas do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS).

Comentários
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  • joaquim
    14 nov, 2017 Guimarães 12:00
    Na minha perspetiva, cada junta de freguesia ou união de freguesias de todo o continente português, deviam ficar responsáveis por toda a área florestal que diz respeito. Ficarem incumbidos de proceder à limpeza das matas, abate de árvores e vegetação em locais estratégicos para criar acessos aos meios móveis de combate aos incêndios. Criar os postos de vigia necessários de forma a abarcar todo o continente. Deve-se incentivar todos os portugueses a comunicar aos bombeiros da sua área de residência o início de qualquer incêndio de que se possa aperceber. Proceder ao abate de vegetação muito densa perto das habitações e junto às autoestradas.
  • MARIO SILVA
    14 nov, 2017 LISBOA 10:41
    De facto é lamentável, triste, e arrogante este governo. Quando em causa esta a perda de vidas humanas e de todos os seus bens materiais, ainda parte das ajudas não chegaram para pelo menos minimizar os danos . Somente neste pais os políticos responsáveis "cospem para o ar" como se nada tivesse acontecido. Este primeiro- ministro revela tiques de incompetência desprezo e de salve-se quem puder. O povo português não pode nem deve consentir estes políticos fazerem o que fazem. Nem todos aqueles que sentem que a desgraça somente pertence aos outros que sofrem. Não admira pois que exclamações vindas de alunos universitários sintam que o património florestal so sera verdadeiramente defendido quando "O TERREIRO DO PAÇO ARDER"
  • Manuel de Jesus
    14 nov, 2017 Porto 10:01
    Quando o homem não sabe amar, organizar e defender a Mãe Natureza, esta defende-se a si mesma, nem que seja necessário levar morte e dor a esse homem. É isto que temos visto. Não que Ela tenha intenção de matar, mas apenas por necessitar harmonizar-se, ou equilibrar-se. A Natureza é regida por Leis Cósmicas, que o homem, nomeadamente o homem político, teima não querer reconhecer e respeitar, e nunca por leis constituendas humanas, a todo o tempo impróprias, lacunosas e revogáveis. Atente-se nas Cheias de 25 e 26 de Novembro de 1967. Quando não se vai lá pelo AMOR, vai-se lá pela DOR, e assim é. O Povo, como sempre, por ser mal regido e governado, é quem paga o bolo e a fava. A Terra é um Jardim, que ao homem vai sendo oferecido para que o seu Espírito evolua. Porém, em vez de ser inteligente e subir a escada dessa sua evolução espiritual, vai caindo por via de sua contumaz ideia de se armar em dono daquilo que nunca será dele. Pequenez e loucura, de alguém que ainda é infantil em termos espirituais...
  • 14 nov, 2017 celorico de basto 09:54
    Penso que de certa forma o problema dos incendios ajudaria a ser minimizado com investimentos na prevençao,como por exemplo financiar area protegida .Ser atribuido verbas a quem queira proteger floresta contra incendio,e ser responsabilizado por area ardida.Tambem nao ser permitido realizar queimadas mesmo as controladas em qualqer epoca do ano.
  • Mario
    14 nov, 2017 Portugal 09:41
    Alunos e professores de engelharia florestal que ensinam ou aprendem nada de nada pois nunca se preocuparam nem nada fizeram com os consecutivos incêndios florestais ano após ano agora e que se lembraram que andam a ensinar e a estudar para nada pois sem florestas nem há razao para a sua miserável existência. Que tipo de formação e consciencialização ensinam essas Universidades em relação a importância florestal? Nada x nada. Nem autarquias nem governo nem os ditos verdes nem estes ditos engenheiros se preocupam com espaços verdes estao mais interessados no betao, e no negocio de madeira queimada. O pais esta entregue a estes escroques e o povo sereno nem reage......
  • zita
    14 nov, 2017 lisboa 08:20
    Pois! É muito triste que decisões tão importantes sejam tomadas por políticos geralmente mal preparados em termos profissionais porque a maioria é altamente especializado em fazer política, sair-se bem de todas as situações complicadas, escolhendo por exemplo o seu melhor lado para falar para as câmaras etc. É inacreditável como é que tem morrido tanta gente este ano por causa dos incêndios, por causa da Legionella, seja pelo que for, uma coisa é certa, a incompetência de quem pode e deve fazer melhor, mas curiosamente está tudo bem, é como se não se tivesse passado nada, como se tudo estivesse mesmo muito bem. E nós aceitamos tudo como se fosse uma fatalidade e não se pudesse fazer nada. Quando é que nós portugueses acordamos deste pesadelo?
  • Ricardo O'Neill
    14 nov, 2017 Queimadolândia 02:09
    Entre variadíssimas coisas a fazer, há que substituir de uma vez por todas, em povoamentos florestais futuros, as espécies altamente inflamáveis (pinheiro bravo e eucalipto) por espécies autóctones (sobreiros,carvalhos,azinheiras), escolhendo preferencialmente uma árvore da qual se possa vir a tirar rendimento, sem que se tenha que destruir, o sobreiro (Quercus suber) é sempre neste item, a melhor escolha. A cortiça tem cada vez maiores utilizações comerciais, além da tradicional rolha das garrafas de vinho. A sua alta longevidade (o sobreiro mais antigo do mundo, tem cerca de 250 anos), é outro factor a ter em conta, assim como a sua grande resistência a períodos de seca, sendo pois ideal para as alterações climáticas mediterrânicas, caracterizadas por cada vez maiores períodos de seca, como este ano de 2017, cujo outono só tem acontecido no calendário, pois na realidade é o verão prolongado. As centrais de biomassa, só são faladas em plenos incêndios, mas fora disso, os políticos não lhes ligam nenhuma, mas essas centrais permitiriam a limpeza dos terrenos florestais,pois compram a biomassa florestal, contribuindo assim, para a melhoria, das débeis economias (vejam o último 'Jornal do Fundão' de 9 novembro de 2017,cujo projecto de construção da central de biomassa,começou há...11 anos!) Por falar em Fundão, se puderem enviem sementes de sobreiro (bolotas, e em bom estado, sem estarem bichadas), para o seminário do Fundão (viveiro CMF), pois vai-se reflorestar a Gardunha.
  • Saul
    13 nov, 2017 Bemposta 23:51
    Enquanto a floresta for encarada apenas sob o ponto de vista do combate a incendios e nunca pelo prisma da rentabilidade economica da sua exploração. O flagelos vao continuar a acontecer. A unica e mais lucrativa actividade da floresta em portugal é a criação de eucaliptos. A verdade é esta. Se aplicassem uma taxa, diferenciadora consoante as plantas das floresta teriamos maior biodiversidade e menos propagacao de incendios. Onde estao as centrais de queima de materia organica?? e o que queimam ? restolhos de eucaliptos, pq a lei obriga! Os proprietarios que vivem na cidade só se lembram qd arde, pois os velhos que deixaram nas aldeias nem forças tem para pegar um gato pelo rabo
  • alberto
    13 nov, 2017 23:31
    Enquanto não fiscalizarem as empresas que compram e vendem madeiras , juntamente com as que a transformam e não aplicarem penas pesadas aos incendiários não existe estudo que resulte . Mas não foram os Governos que MANDARAM os agricultores deixarem a agricultura e plantarem arvores ?
  • Vasco
    13 nov, 2017 Santarém 23:21
    Entre políticos e engenheiros florestais penso que se têm perdido todos mais ou menos pelos mesmos locais, enquanto de facto não mudarem de mentalidade e vestirem o fato de macaco e virem para o terreno inteirar-se da realidade local e terá que ser desta e com decisões acertadas e não tomadas unilateralmente nada mudará de concreto e com remendos acabarão por transformar o país numa continuação do deserto do Saará.

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