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Com a mão na massa se refazem tradições

23 jun, 2017 - 14:06 • Olímpia Mairos

O pão de centeio, que em tempos foi a base de sustento de muitas aldeias, é agora um produto turístico que dinamiza terras do interior e permite aos visitantes a experiência do que de mais genuíno ainda perdura na memória e tradição dos barrosões.

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Com a mão na massa se refazem tradições
Com a mão na massa se refazem tradições

Longe vão os tempos em que a arte de fazer o pão se multiplicava pelas casas transmontanas. Hoje, o pão de centeio, que foi a base de sustento de muitas aldeias transmontanas, é quase um luxo.

Mas ainda há quem se dê a esse luxo e o não deixe faltar à mesa, e até de o colocar à venda, para que outros possam usufruir e saborear um produto genuinamente português.

Mas, para isso, é preciso confeccioná-lo, meter as mãos na massa, suportar o calor que brota da boca do forno. É o que faz Maria do Carmo, na vila de Boticas.

A paixão pelo que é tradicional, a procura de um complemento à sua actividade agrícola e a vontade de partilhar com os outros os saberes que herdou dos antepassados levam esta mulher de sorriso fácil ao forno, todos os dias.

“Sim, isto é muito complicado! Mas… até não é!”, afirma Maria do Carmo à Renascença, justificando: “é só juntar água, sal, farinha e fermento e, depois, conhecer as leveduras e essas coisas”.

Confeccionar o pão “é duro, exige força de braços, transpira-se muito, mas o saber e o jeito ajuda”, reconhece.

Por semana, Maria do Carmo faz 120 pães. São para consumo próprio e para venda.

“É um pão muito bom. Toda a gente gosta porque é tudo caseiro”, assegura. “A farinha é natural, o fermento é caseiro, não leva leveduras compradas, é tudo feito à mão e o pão é cozido no forno de lenha”.

E em casa de Maria do Carmo, o pão de centeio nunca falta na mesa; ele é “o coração das refeições familiares”, está presente em todas sem excepção.

Turismo criativo. São as próprias pessoas a confeccionar o pão

Os "Caminhos do Pão" é agora um programa de turismo criativo, pensado para quantos procuram o que de mais genuíno e tradicional oferece a região do Barroso.

“Há um novo conceito na Europa, que a nós nos assenta como uma camisa feita à medida e que tem a ver com o turismo de experiências, envolvendo a população local”, explica Mário Carvalho, da Douro Wellcome.

Os "Caminhos do Pão" proporcionam “experiências únicas, vocacionadas para as famílias, principalmente as que vivem no mundo urbano e que, desta forma, têm acesso àquilo que são as tradições do seu país”.

“São as próprias pessoas a confeccionar o produto, a intervirem, a participarem, a conhecerem os segredos com quem viveu e vive à volta desta actividade, no sentido de tentar passar para fora a genuinidade das tradições”, acrescenta Mário Carvalho.

É também uma forma de criar valor ao produto, de dinamizar aldeias e de preservar o que de mais genuíno ainda perdura em terras do interior. “Ajuda-nos a divulgar as nossas coisas e dá-nos a conhecer”, diz Maria do Carmo. E “há muito mercado” para este produto, garante o operador turístico.

“Falando em termos nacionais, toda a população urbana quer mostrar aos seus filhos e netos a realidade dos produtos”, refere Mário Carvalho, e exemplifica: “Por exemplo, mostrar que as galinhas não são do supermercado, deitadinhas e com plástico, que podem dar-lhes de comer com as sobras de uma determinada refeição e comerem os seus ovos no dia a seguir e até fazerem um petisco de galinha”.

Acompanhar todo o processo de produção do pão é como viajar pelos antepassados, oportunidade para meter as mãos na farinha, na água, no fermento, amassar, tender e enfornar… e esperar pela cozedura, para depois degustar.

Quer aprender a fazer pão? Diogo, de 8 anos, ensina-lhe

Diogo tem apenas oito anos e não se fez rogado em meter as mãos na massa para amassar o pão. Colocou a touca na cabeça e, coadjuvado pela padeira Maria do Carmo, colocou-se em frente da masseira, pronto para o trabalho.

“Ai, que a água está muito quente e a farinha agarra-se às mãos”, exclamava Diogo, à medida que ia misturando a água, o fermento e a farinha. Mas não desistiu e empenhou-se na arte de fazer o pão.

Chegou ao fim da experiência um “pouco cansado”, com o suor a escorrer-lhe pelo rosto, mas feliz por uma experiência que não vai esquecer e quer repetir. Aliás, “quando for grande” vai querer fazer pão.

“Foi muito bom. Não tenho palavras. Foi muito divertido”, conta à Renascença. E Diogo aprendeu mesmo e fez pão centeio. Sem hesitação, partilha os segredos da receita.

“Numa masseira, mais ou menos ao meio, com farinha, fazemos uma espécie de pirâmide. Do lado direito já está a farinha. Do lado esquerdo colocamos água quente com sal, a que vamos juntar o fermento que a Maria do Carmo já tem preparado. Com as mãos misturamos bem a água e o fermento e, aos poucos, vamos juntando farinha. Amassamos bem amassado até fazer bolhas de ar”.

E continua – “Depois de amassada vai a levedar num cesto com lençóis e cobertores. Ah, e fazemos uma cruz na massa…. Fica aí algum tempo e quando a massa está quase lêveda, ou seja, quando já não se vir a cruz, vamos tender, que é fazer pequenos pães que estendemos numa mesa para continuar a levedar. Depois acendemos o forno com lenha e deixamos fazer brasa. Quando estiverem as brasas feitas, varremos o forno com uma vassoura. As brasas ficam à porta. Metemos o pão no forno e rezamos uma oração para que tudo corra bem. E fechamos a porta para deixar cozer. E pronto, depois é só esperar e, com a pá com que metemos o pão, retiramos os pães do forno. E é só comer. Quentinho é que sabe bem”.

“Vou voltar com os netos. Eles têm que conhecer isto!”

Gil Morais, 65 anos, natural de Samões, Vila Flor, participou no programa turístico, mas não quis meter as mãos na massa, porque “já tinha metido” quando era novo e sabe “o que custa, depois, a farinha sair das mãos”.

“Foi das coisas mais bonitas que já vi. Há muita gente que não conhece isto e não dá valor, mas vale a pena vir, ver e participar”, diz.

Gil Morais, com outros turistas, participou nos “Caminhos do Pão”, em Boticas, saboreou uma feijoada tipicamente transmontana, em Pitões das Júnias, e visitou ainda as aldeias de Travassos e Paredes do Rio.

De Campo Maior, mas a viver em Lisboa, veio Maria Clotilde Morais, 64 anos. “Ai que maravilha!”, exclama ao saborear o pão acabado de sair do forno, acompanhado de presunto e doces caseiros que, entretanto, Maria do Carmo colocou sobre uma mesa, onde também não faltou o vinho da vinha que fica mesmo ao lado de casa e o chá feito de ervas cultivadas na horta.

“O nosso país é muito bonito, tem uma cultura muito rica, está cheio de tradições. É importante que se mantenham e que sejam divulgadas”, observa.

O cheiro que brota do forno e do pão quente é motivo de conversa entre os turistas que parecem não ter pressa em deixar o espaço, apesar das temperaturas altas que se fazem sentir. Para casa levaram pequenos rolinhos de papel, onde estão contidas as orações que habitualmente são rezadas, quando se fecha a porta do forno, e a mini vassoura de giesta, a lembrar a outra bem maior com que se varre o forno antes de meter o pão.

Já na porta para sair, Clotilde deixa a promessa: “vou voltar e vou trazer os meus netos. Eles têm que conhecer isto”.

Experiências gratificantes para quem as faz e que reavivam uma tradição que presenteia os sentidos mais apurados dos mais pobres aos mais abastados e dá vida a aldeias e vilas, em que os que teimaram em ficar continuam a amassar o sonho de cada dia – a partilha do pão que é nosso: de ontem, de hoje e de amanhã.

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  • gato escaldado
    24 jun, 2017 alinho 16:09
    O titulo desta noticia até me fez rir! COM A MÃO NA MASSA SE FAZEM TRADIÇÕES . Na verdade em Portugal tudo gira à volta de tradições e sem dúvida que quem anda com a mão na massa do ZÉ, neste caso são os políticos e amigos, a TRADIÇÃO CONTINUA, continua a ser uma roubalheira mas das grandes. UM DIA VÃO VER COMO ALGUNS ESPERTINHOS VÃO ENGORDAR COM ESTES DINHEIROS que dizem para ser acudir as vitimas, .

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