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Reportagem

Chico da Lídia, o coveiro a quem as lágrimas secaram

21 jun, 2017 - 19:55 • João Carlos Malta (texto) Joana Bourgard (fotografia)

O homem que está a enterrar os mortos dos incêndios na freguesia de Vila Facaia ainda não parou desde segunda-feira. Um trabalho triste. Muito triste. Sabe que as suas mãos vão pôr muitos amigos debaixo da terra. "Amanhã, quando começarmos a pensar, é que vai ser difícil".

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Um coveiro enterra pessoas. Está habituado. Um coveiro de uma terra pequena, volta e meia, enterra amigos e até família. Mas mesmo quem tem muitos anos a pôr os outros debaixo da terra, quando de repente vê morrer tantos e tantos conhecidos e com tantas e tantas histórias vividas em conjunto, não consegue pôr a emoção de lado.

Chico da Lídia, como é conhecido em Vila Facaia, de 57 anos, vai enterrar os naturais da freguesia. Ainda não sabe quantos. A cada momento pode chegar a confirmação de mais um. O telefone toca das funerárias e tudo tem de estar pronto. Já se perde nos nomes dos amigos que vai enterrar. "Ontem [terça-feira] foi.... Estou tão passado, que até me passo com o nome das pessoas."

Depois lá lhe vem à cabeça o nome de Sara, uma jovem de 34 anos. Morreu em Nodeirinho. "Conhecia-a bem. É nossa vizinha, uma mocinha nova, é como se fosse família", recorda.

Depois começa a fazer uma contabilidade macabra dos mortos nas redondezas, e o nome de Ricardo e da mãe, que morreram na EN 236-1, conhecida como a "estrada da morte", vem-lhe à cabeça. O rapaz e a mãe morreram no carro em que tentavam fugir do fogo na aldeia de Pobrais, onde morreram 11 pessoas.

Pára um pouco e num balanço sobre aquilo que faz e a dificuldade de o fazer, resume a sua profissão a uma negativa. "Não tenho outra". Mas agora, a missão trouxe-lhe algo que nunca esperou viver.

"Nunca fiz isto assim e há 32 anos que sou coveiro. Estamos habituados a enterrar um de cada vez, mas não tantos juntos. Isto é para esquecer", diz num tom triste que se mistura com a simpatia natural de Chico.

Todos os que vão ser enterrados são amigos ou bem conhecidos do homem de 57 anos. Ele ainda está a fazer. A fazer tudo o que tem de fazer. Sem pensar muito. Desde segunda-feira, quando o fogo acalmou por ali, que é assim. Há que abrir covas, ajeitá-las, compor as terras. Sem parar. Tem a ajuda de mais três homens e uma mulher.

O pior vai ser quando parar. Porque aí terá tempo. "Vai ser um bocado difícil. Não é agora, é amanhã, quando começarmos a pensar: 'Ele era tão meu amigo e eu enterrei-o'". Termina a desabafar: "Paciência. Temos de ir aguentando."

E Chico diz que já não chora. "Já não há lágrimas para isto. Temos de tentar avançar sempre", afirma. Procura dizer mais alguma coisa que ponha adjectivos na emoção, mas desiste. "Não há palavras isto."

Comentários
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  • Antonio
    22 jun, 2017 Porto 07:46
    no ambito deste desastre, ha reportagens e documentarios para todos os gostos. vale tudo... este é mais um....QUE VERGONHA!

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