17 jun, 2017 - 13:54
As redes sociais são um espaço público, pelo que quem injuria ou difama alguém de forma gratuita, arrisca ser condenado em tribunal. O alerta parte do advogado e professor de Direito Penal Tiago Geraldo, numa edição do “Em Nome da Lei” dedicado ao assunto.
Mas Tiago Geraldo defende a descriminalização da injúria e da difamação, argumentando que devem continuar a constituir um facto ilícito e por isso dar direito a uma indemnização, mas devem ser retirados do catálogo de crimes.
“O direito penal, a meu ver, não está a desempenhar eficazmente o seu papel. Para já não tem qualquer efeito dissuasor. Depois porque tem uma malha, e a malha, como vem a ser interpretada pelos nossos tribunais, é demasiado ampla, ou seja, permite que se atribua relevância penal a comportamentos que manifestamente não são ofensivos da honra de ninguém. Depois acresce esta disfunção processual de ser um crime processual, e por isso mais fácil de levar a julgamento.”
“Eu seria favorável à descriminalização da difamação e da injúria, embora ofender a honra de alguém continue a ser um acto ilícito”, conclui.
A discussão está aberta e cabe agora ao legislador seguir ou não o exemplo da maioria dos países europeus que já descriminalizaram a difamação e a injúria. Luís Júdice é um dos subscritores de uma petição que pede isso mesmo, argumentando que o próprio Conselho da Europa considera obsoleta a legislação portuguesa.
“Há uma convenção da assembleia do Conselho Europeu que considera feudal e obsoleta a nossa legislação. Termina assim: ‘A legislação portuguesa em matéria de difamação deve ser reformulada de forma a prever normas claras de defesa, incluindo a verdade, a publicação razoável e a opinião, e qualquer indemnização atribuída deve ser razoável e proporcional ao dano causado’”.
O Tribunal dos Direitos do Homem já condenou Portugal mais de 20 vezes, por entender que as condenações decididas pela Justiça Portuguesa violam o artigo décimo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Actualmente há 11 pessoas que cumprem pena de prisão.
O antigo candidato às eleições presidenciais de 2016 e vice-presidente da Associação Transparência e Integridade, Paulo de Morais, já foi alvo de nove processos movidos por personalidade públicas e privadas que se sentirem afectadas por afirmações suas, considerando-se vítima de “bullying jurídico”.
“Gostaria de não ser vítima deste ‘bullying jurídico’ permanente, mas a verdade é que há um conjunto de entidades, em particular aquelas que beneficiam de negócios do Estado, que estão metidos em mecanismos de corrupção e tráfego de influências, que não gostam que essa realidade seja estampada em público. Desde sociedades de advogados a empresas que beneficiam de negócios do Estado até políticos, tenho tido um conjunto de perseguições judiciais, na medida em que talvez gostassem que eu e outros estivéssemos calados”, diz.
Paulo de Morais defende que quem anda na vida pública tem de prestar contas de todos os aspectos da sua vida, com excepção da sua vida intima, e diz que há entidades colectivas e pessoas individuais que usam os meios de tutela jurídica para tentar silenciar quem denuncia a corrupção. Esse “bullying” tem um efeito dissuasor sobre toda a sociedade, uma vez que as pessoas passam a ter medo de denunciar, por recearem processos judiciais.
O advogado penalista Tiago Geraldo lembra que por força das mais de 20 condenações de que Portugal já foi alvo, tem havido alguma aproximação da jurisprudência dos tribunais portugueses às posições do Tribunal dos Direitos Humanos, que tende a valorizar mais o direito à liberdade de expressão do que o direito à honra e ao bom nome. Ainda assim, é possível encontrar entre a jurisprudência adoptada já este ano, uma decisão judicial que considera injuriosa a palavra estúpido: “Há expressões que associamos a palavras completamente inócuas, por exemplo num acórdão deste ano a palavra estúpido é considerada uma palavra susceptível de comportar uma ofensa à honra”.
Para a maior parte dos países da UE, a difamação e a injúria já não constituem crime, ao contrário do que sucede em Portugal. Por força da legislação, mas também da interpretação que dela fazem os juízes portugueses, a balança da Justiça portuguesa pesa mais para o lado da protecção da honra, do que para o lado da liberdade de expressão, o que tem originado condenações no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Onde acaba a liberdade de expressão e começa o direito ao bom nome é o tema em debate na edição deste sábado do Em Nome da Lei que foi gravado na Feira do Livro de Lisboa.