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Conversas Cruzadas

Silva Peneda: “Oposição deve fazer guerra de guerrilha"

30 abr, 2017 - 21:00

Crítico da liderança do PSD, o ex-presidente do CES defende “acções com gente qualificada para marcar a agenda política”. “Isso é que é fazer oposição”, diz Silva Peneda para quem “discutir dois nomes para o BdP não ganha um voto sequer”.

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Na semana em que o Presidente da República revisitou a expressão “irritantemente optimista” para qualificar António Costa o antigo ministro Silva Peneda recusa a tese de que – para estimular o centro-direita - Marcelo se distanciou do primeiro-ministro.

No 25 de Abril, Marcelo já tinha lembrado a “legitimidade da a oposição aspirar a voltar a governar” e no Colégio Moderno reconheceu que, às vezes, tem de recorrer ao argumento da experiência para chamar António Costa de volta à realidade. O chefe de Estado defende que quando detecta um problema, o primeiro-ministro “encontra logo dez razões para dizer que não há problema”. Então, o “optimista realista” Marcelo devolve a Costa “cinco razões para não ser um problema tão grave e outras cinco para ser um problema”.

Ainda assim, Silva Peneda, antigo ministro em governos de Cavaco Silva, diz no Conversas Cruzadas que “apesar de muitos terem a leitura contrária, vou demonstrar que a oposição tem razão para ficar muito zangada com as intervenções do Presidente da República durante esta semana”.

“O Presidente da República (PR) deu um apoio claro ao governo com ênfase na defesa das medidas extraordinárias do OE 2016, incluindo a falta de investimento. O PR esforçou por explicar que o decréscimo de investimento resultou da mudança de governo e que a questão dos fundos estruturais é muito complicada e, portanto, não houve investimentos porque um conjunto de regras tiveram de ser adaptadas e que, no passado, outros governos também o fizeram”, indica o ex-presidente do CES, Conselho Económico e Social.

“O PR chegou até a dizer que isto teve a ver com a execução orçamental porque era fundamental termos um défice baixo e, para isso, era preciso que o investimento fosse também reduzido. O PR justificou ao pormenor dizendo que perante as circunstâncias vividas em 2015 assim teria que ser. Portanto, o PR subscreveu claramente as medidas extraordinárias que o governo adoptou para que o défice fosse atingido”, prossegue o economista.

“Segundo ponto: afirmou que a banca deixou de ser um problema (outro remoque importante para a oposição).

Terceiro ponto (o mais incisivo de todos e num registo sibilino): acrescenta o seu testemunho pessoal face à diferença de um ano para o outro quando ao índice à confiança. Vou citar: 'encontro hoje no contacto com empresários portugueses e estrangeiros uma confiança que não encontrava há um ano, porque as dúvidas que existiam tinham a ver com dúvidas como a durabilidade do governo, se os parceiros iriam criar obstáculos, se o défice ia ser cumprido'.

“Estou a constatar de uma forma muito objectivo um conjunto de afirmações de um Presidente da República que não diz nada por acaso. É um discurso pensado em que, claramente, se coloca ao lado de um conjunto de medidas do governo e dá um remoque à oposição”, defende José da Silva Peneda.

“Quanto ao comentário sobre o primeiro-ministro, (“não me venha dizer que roxo é violeta-rosa…”) o PR disse o que devia dizer. Nem mais nem menos”, sustenta o economista, actual consultor de Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia para quem “a oposição está numa posição muito difícil”.

Silva Peneda: “Neste momento a oposição não ganha batalha económica”

“Se estivesse do lado da oposição eu fazia algo totalmente diferente do que está a ser feito. Eu faria uma guerra de guerrilha. Explico-me: seria uma guerra política em que se identificam os alvos e ataca-se de surpresa. Já fiz destas guerras quando estava no governo e contra a oposição”, é a receita de Silva Peneda arrastando também implicitamente um julgamento crítico da actual direcção do PSD.

“Seleccionar sectores como a educação, saúde e justiça e, de repente, numa semana, todos os dias, chamar a atenção para insuficiências e vulnerabilidades. Depois, assestar baterias no sector seguinte. Isto é que é marcar a agenda política. Isto é que é fazer oposição. Agora, vir para a Assembleia da República discutir os dois nomes propostos pelo Banco de Portugal não acrescenta um voto à oposição”, insiste José Silva Peneda.

“Se eu mandasse no meu partido - que ainda é o meu, o PSD - e fosse oposição, propunha uma guerra de guerrilha envolvendo acções de surpresa, em sectores seleccionados e com gente muito qualificada a preparar e protagonizar esse combate e partia para um confronto de ideias que não teria a ver com política económica que é uma batalha que neste momento a oposição não ganha”, sustenta o economista.

“Até porque este PEC que foi apresentado a Bruxelas pode perfeitamente ser subscrito pelo PSD.

Não tem nada de especial. Mas há outros sectores que estão a ser deixados 'à solta', a que ninguém tem dado atenção e com inegável impacto na opinião pública e é nesse que a oposição deveria concentrar a sua atenção. Dou como exemplos, a saúde, a educação e a justiça e poderia dar outros”, conclui Silva Peneda.

Nuno Botelho: “Oposição anda preocupada com temas que ninguém segue”

Já o empresário Nuno Botelho reconhece inegáveis méritos no marketing político do governo PS. “Este governo é uma máquina de propaganda muito bem oleada e tem conseguido convencer as pessoas de que as coisas estão melhores à custa, muitas vezes, de pressupostos errados. Acho que se as coisas correrem à oposição da forma como têm corrido - quer o PSD, quer o CDS têm andado, passe a expressão, um bocadinho aos bonés - o Partido Socialista tem tudo para vencer as eleições”, afirma o presidente da Associação Comercial do Porto no Conversas Cruzadas deste domingo.

“Já o disse a semana passada: o PS colocou num bolso o Bloco de Esquerda e o PCP. Desse ponto de visa tem o problema já arrumado. É um bom exemplo, nesse sentido, o documento do grupo de trabalho sobre a dívida, apresentado sexta-feira, que é uma capitulação do Bloco de Esquerda face ao que os bloquistas defendiam para a dívida. Nesta matéria o PCP é mais autónomo. O PC tem uma lógica bem definida e irá mantê-la”, faz notar Nuno Botelho.

“Aqui o Bloco de Esquerda está mais encostado ao governo. Até na frente autárquica, em ano de eleições, o PCP acertou algumas coligações com o PS e está muito mais dócil no combate político para poder continuar a manter um conjunto de autarquias sob a sua alçada.

Agora, a oposição não tem andado bem. A oposição anda muito preocupada com debates na Assembleia da República sobre temas que ninguém segue, em questões demasiado tecnocráticas, não fazendo política e sendo uma oposição preocupada em justificar os quatro anos anteriores da governação”, indica Nuno Botelho.

“A oposição não conseguiu ainda virar a página, mas, desse ponto de vista, não terá ficado bem o remoque/comentário do Presidente da República se Pedro Passos Coelho vai continuar ou não, ou se espera que continue depois das autárquicas. Acho ter sido deselegante.

Não concordo com a referência. É um assunto que só diz respeito ao PSD. É um tema para ser discutido pelo PSD que, é evidente, deve definir também o rumo a seguir”, refere o empresário e antigo militante social-democrata.

Silva Peneda contrapõe: “O PR só disse que Pedro Passos Coelho tinha todas as condições para continuar a ser candidato. Só disse isso. Não disse mais nada”.

Luís Aguiar-Conraria: “No relatório da dívida a montanha pariu um rato”

No Conversas Cruzadas também esteve em análise o relatório do grupo de trabalho sobre a dívida pública conhecido na sexta-feira. A equipa do PS e do BE pede mais 45 anos para pagar à UE, numa proposta que não penaliza privados nem FMI. Mais: sugere que o BdP partilhe lucros com o Estado e mudanças na forma como o Tesouro gere a dívida pública. “O relatório é sério. Permite uma boa base de reflexão e é um bom ponto de partida para discussão”, defende o economista Silva Peneda.

“A metodologia parece-me correcta: os autores colocaram como base as regras europeias e, a partir daí, elaboraram sobre a capacidade de manobra de Portugal, o que se pode fazer. É isso o que explica o recuo do Bloco de Esquerda que, até aqui, contestava as regras europeias e aqui aceita o framework para analisar o problema”, diz o ex-ministro.

“Uma nota também para o governo que faz bem não subscrever o documento. É uma atitude de prudência que não surpreende. O governo sempre afirmou - e estou de acordo, até o disse antes - que a dívida pública não é só um problema nacional. É um problema nacional, mas é essencialmente um problema europeu. O governo português fez bem em não tomar partido nesta questão”, sustenta Silva Peneda.

Já Luís Aguiar-Conraria diz que “a montanha pariu um rato”, mas começa por referir a importância na demografia em todas as equações. “Entre os desafios que o país enfrenta para os próximos anos a questão demográfica é das mais importantes. À medida a que a população activa se reduz, se a dívida pública também não diminuir, então, a dívida pública por pessoa activa - as principais fontes geradoras de riqueza no país, não as únicas - irá aumentar.

Mesmo que a dívida se mantenha inalterada vai aumentar per- capita. Donde, este tema é importante”, diz o professor de economia da Universidade do Minho.

“De qualquer forma em relação ao que saiu do documento da dívida acho mesmo que a montanha pariu um rato.

Separo a análise em três tipos de medidas. As medidas com que todos concordam, mas que são algo inconsequentes, porque não dependem de Portugal e é muito improvável que venham a ser aplicadas. Está nesse caso propor que os 30 mil milhões em dívida do BCE nunca sejam pagos transformando-a em dívida perpétua. Isto é literalmente pedir um perdão de dívida. Quem está contra? Ninguém. Se o banco chegar a minha casa e disser 'você não paga a dívida da sua casa' eu, obviamente, concordo”, sustenta com um leve desenho irónico Aguiar-Conraria.

Confusão de ‘maus fígados’ com política económica?

“Outra questão é a da extensão da maturidade da dívida junto nos nossos parceiros europeus que, neste momento, tem uma maturidade média de 15 anos e uma taxa de juro média de 1,8%, vamos admitir 2% para as contas serem fáceis. Propomos que se reduza a taxa de juro para metade, de 2 para 1% e que paguemos em 60 anos em vez de 15 anos. Claro, eu concordo. Quem não concorda? Duvido é que os nossos parceiros europeus concordem. Aqui já estamos a falar de transferências de dinheiro de parceiros europeus para Portugal. Porque dívida a 60 anos, a 1% de juros, não há nenhum país do mundo que a tenha”.

“Os outros países para nos financiarem a 60 anos terão, eles mesmos, de pedir empréstimos a uma taxa superior a 1%.

Mais uma vez: eu sou a favor, acho é ser muito improvável que aceitem. De qualquer modo, este exemplo mostra bem a importância de encontrar uma solução europeia para a dívida pública.

Se não houver disponibilidade da Europa para encontrar soluções a margem de manobra portuguesa é muito pequena”, alerta o economista.

“Outro ponto, no caso da questão dos dividendos do Banco de Portugal, e ouvindo João Galamba falar daquela forma assertiva, acho que estão a confundir ‘maus fígados’ com política económica. A longo prazo é uma proposta irrelevante, porque ou as provisões do BdP são justificadas ou não são. Se sim, nada há a dizer. Se não forem justificadas isso reflectir-se-á em maiores lucros daqui a dois ou três anos”, antecipa Luís Aguiar-Conraria.

“A terceira questão é da redução das maturidades da dívida. Percebo a ideia porque as taxas de juro de curto prazo estão muito baixas, estão quase nos 0%, mas as de longo prazo também estão baixas, neste momento, nos 3,6%. Numa altura em que as taxas de juro estão a níveis historicamente muito baixos o que faz sentido é emitir dívida de longo prazo para não correr riscos”, defende o professor da Universidade do Minho.

“Se vamos substituir a dívida toda - ou maioritariamente - por dívida de curto prazo o que vai acontecer é ter de renovar dívida todos os anos e ficar totalmente dependentes da turbulência dos mercados. Resumindo: há três tipos de medidas: as que não dependem de nós, as que resultam dos maus fígados com o Banco de Portugal e esta de troca de dívida que me parece ser um erro. Não quero dizer disparate, mas parece-me um erro. Tenho a certeza de que antigos presidentes do IGCP confirmam esta ideia”, sustenta Luís Aguiar-Conraria.

Auto-Estradas: a faixa do meio

Nuno Botelho, por seu turno, alerta para o “factor visto de fora”. “Acho importante o sinal que podemos estar a dar ao exterior com o levantar da necessidade de renegociar a dívida. Quanto a isso seria mais prudente não o fazer. Não concordo que a questão seja levantada em público. O problema deverá ser abordado apenas nos corredores de Bruxelas”, diz o empresário.

“A questão da dívida deve ser levantada na Europa, deve ser discutida com os nossos pares de forma a não sermos penalizados e colocados com eventuais não cumpridores. Pode ser um sinal perigoso. Acho a dívida insustentável, mas o método de discussão implica que o debate seja feito a 28 em Bruxelas e não nas ruas, não nas televisões ou com conferências de imprensa como a de sexta-feira. Não concordo com esta fórmula independentemente dos méritos do estudo e do documento”, defende Nuno Botelho, o presidente da ACP.

“A solução é crescer, mas ninguém sabe como o fazer”, retoma Luís Aguiar-Conraria. Na questão do investimento público não é óbvio que a redução tenha sido um problema. Durante anos tivemos um enorme volume de investimento público em infra-estruturas que são muito boas. Investimento público agora em quê? Não podemos só dizer que é preciso mais investimento público. É preciso dizer em quê”, insiste o professor universitário.

Nuno Botelho soma ao debate mais argumentos. “Há duas semanas foi anunciado um grande investimento público no porto de Leixões. Acho bem. Ainda há pouco andávamos a discutir o TGV e agora já se discute, de novo, o aeroporto. É um disparate. Há investimento público reprodutivo e o que não serve para nada. Ter três auto-estradas a ligar o Porto a Lisboa não faz sentido absolutamente nenhum. Estamos todos de acordo nisso”, remata Nuno Botelho.

Luís Aguiar-Conraria conclui com o ‘simbolismo da faixa do meio’. “Só para reforçar o ponto de Nuno Botelho: há duas semanas surgiu a notícia da BT da GNR ter ido para as auto-estradas multar os carros que circulavam na faixa do meio, quando a faixa da direita se encontrava livre. Isto é a institucionalização de que se andou a fazer faixas de auto-estrada a mais. Não é?”, insiste Aguiar-Conraria.

“Quando é preciso multar os carros porque há uma faixa livre que ninguém usa é, de facto, porque se construiu faixas a mais nas auto-estradas!”.

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