Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

António Vitorino. Cidadãos sentem que a União não os ouve nem os protege

23 mar, 2017 - 08:59

Os europeus "encaram as políticas da UE como um 'Cavalo de Tróia' para desregular" os mercados globais.

A+ / A-

O antigo comissário europeu português António Vitorino reconhece que, numa altura em que a União Europeia celebra os seus 60 anos, os cidadãos europeus sentem que Bruxelas "não os ouve nem os protege".

"Há uma nítida sensação entre os cidadãos de que a União Europeia não os ouve e não os protege. É um ponto altamente sensível", disse Vitorino numa declaração sobre o futuro da UE na Faculdade de Direito de Lisboa, recolhida pela agência Lusa.

Presidente do Instituto Jacques Delors entre 2011 e 2016, António Vitorino considera que os cidadãos não têm conseguido ver a União Europeia como "a única plataforma que os europeus têm para 'civilizar a globalização'", ou seja "adoptar regras-chave para evitar que o capitalismo selvagem atropele os valores".

Pelo contrário, afirmou, os europeus "encaram as políticas da UE como um 'Cavalo de Tróia' para desregular" os mercados globais.

Isto requer, não só uma clarificação de propósito [da razão de ser] da União Europeia, como também uma mudança de narrativa por parte dos líderes europeus, que neste fim-de-semana se reúnem em Roma para assinalar os 60 anos do Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia.

"Temos de argumentar que a UE pode proteger os valores e os cidadãos europeus, sem se tornar proteccionista", realçou António Vitorino.

Defender valores comuns

Por outro lado, o ex-comissário europeu acredita que só unida a Europa conseguirá defender a sua moldura de valores, já que, individualmente, os Estados europeus vão perder o lugar no palco principal da política mundial.

"Dentro de 15 anos, não haverá nenhum Estado europeu no G-7" [o grupo das sete economias mais desenvolvidas do Mundo]. Nem mesmo a Alemanha, que dentro de 15 anos será, provavelmente, a nona economia do mundo", anteviu Vitorino, explicando que "o problema é que os valores que os europeus defendem vão ficar afastados, nas laterais".

Isto é "especialmente grave" num momento em que os Estados Unidos estão a desviar-se "de um sem número de valores essenciais, que dão forma à visão comum, ocidental, do mundo", como o Estado de Direito, o respeito pelos Direitos Humanos, a igualdade entre homens e mulheres, a tolerância ou a separação entre Estado e Igreja.

"Os europeus têm uma enorme responsabilidade. Só podemos defender a nossa posição se trabalharmos em conjunto, no quadro da União Europeia, porque nenhum Estado-membro da UE será capaz de carregar sozinho a bandeira destes valores no mundo", salientou.

Unidos contra o terrorismo

Comissário Europeu da Justiça e Administração Interna de 1999 a 2004, António Vitorino também considera "evidente" que uma estrutura como a UE melhora a capacidade dos Estados europeus de combater ameaças terroristas.

"O combate ao terrorismo só é eficaz se evitar que os atentados aconteçam: isso implica cooperação policial, entre os serviços secretos e de informações, cooperação judicial. Não é só controlar as fronteiras", disse.

"Alguém acredita que os terroristas param nas fronteiras e dizem 'Olá, estou aqui e sou um terrorista. Por favor impeçam-me de entrar'? (...) Por isso a reacção de fechar as fronteiras, reinstaurar as fronteiras internas e desmantelar o espaço Shenghen não só constitui a resposta errada como também representa a resposta que os terroristas esperam", ironizou.

O ex-comissário europeu argumenta que essas medidas não os vão parar e representam "uma derrota dos valores", "passando a mensagem errada" de que "as sociedades abertas não sobrevivem".

"Se restabelecermos controlo sobre as fronteiras internas - tenho a certeza - a consequência será uma menor cooperação entre as polícias. E isso, em última análise, resultará numa menor capacidade para combater o terrorismo", concluiu.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Jorge
    24 mar, 2017 Sintra/Queluz 12:40
    Em Bruxelas deviam ler ou tomarem conhecimento desta análise sociológica, política e económica de António Vitorino, " Cidadãos sentem que a União não os ouve nem os protege." Brilhante!
  • Jorge
    24 mar, 2017 Sintra/Queluz 12:33
    Em Bruxelas deviam ler ou tomarem conhecimento desta análise sociológica, política e económica de António Vitorino, " Cidadãos sentem que a União não os ouve nem os protege." Brilhante!
  • Para refletir...
    23 mar, 2017 Almada 15:09
    Para alguns que falam muitos nos políticos mas esquecem-se de outros, eu informo que os políticos são um reflexo daquilo que o povo é, pois de onde acham que eles vieram?
  • DR XICO
    23 mar, 2017 LISBOA 11:56
    Os cidadãos europeus não acreditam mas UE, nem nos políticos que lá estão. O parlamento europeu serve para pagar tachos a malandros desempregados e ressabiados, políticos que ninguém quer por perto. Já ninguém se identifica com aquela gente daí a Inglaterra ter saído a França Holanda Grécia entre outros estão a poucos anos de sairem. O projecto está esgotado e o ódio entre norte e sul está patente nos discursos de todos. A Europa estará em breve em guerra por causa desta geração de políticos medíocres.
  • bobo
    23 mar, 2017 lisboa e outra 11:08
    Foram e são os que vivem da politica os causadores de nos encontramos na actual situação pois eles vivem como peixes na água e com mais de um emprego
  • Horacio
    23 mar, 2017 Lisboa 11:06
    Gostei do raciocínio do Sr António Vitorino ..realmente é preciso exigir da união europeia uma política com valores europeus . É isso se faz votando em gente com integridade e valores humanistas. Não é ignorar o que está a acontecer a nossa volta e na política que se constrói uma sociedade melhor. A verdade é que a democracia para ser efectiva tem de ter a participação activa das populações através do voto e de manifestações ,mas principalmente através de votos . Não eleger as pessoas erradas e passo fundamental para que nosso governo faça a sua parte em pressionar Bruxelas. Reclamar sentado não resolve nada. Protecionismo e isolamento também não ,só pioram a situação. Dar apoio a falsos populistas demagogos como Trump e a pior saída possível .e preciso entender os problemas para exigir a solução qualquer um consegue ver que o terrorismo a imigração em massa e o desemprego são problemas sérios mas apresentar soluções práticas que funcionam não é para qualquer pessoa .os Trumps e Lê Pens do mundo e até mesmo os Lulas são mestres em criticar, mas governar é bem mais complicado e para estes populistas a realidade é que quando lhes é dado a responsabilidade são quase sempre péssimos a governar. Na minha opinião direita ou esquerda são iguais no mundo de hoje .o que vale mesmo é a integridade das ideias e a defesa dos direitos do cidadão a nível individual. É preciso gente a combater o capitalismo selvagem sem criar anarquia. Promover o bem de todos com liberdade .
  • atento
    23 mar, 2017 Aveiro 10:56
    Enquanto a promiscuidade entre a política e os negócios existir, nem Portugal representado muito mal pelos seus governantes, em que tu estás incluído, ouve e protege os seus cidadãos. Infelizmente o povo não se revolta e não vos corre todos daqui para fora.
  • jose
    23 mar, 2017 setubal 10:47
    Começou bem, acabou mal. Ou seja, começou com uma ideia própria e acabou com o politicamente correcto, que de correcto não tem nada.
  • JJ
    23 mar, 2017 lx 10:43
    Não digas disparates. Tomara nós que alguém nos protegessem desta corja da União quanto mais esperarmos que nos defendam. Se estiverem quietinhos a limitarem-se a levar os ordenados milionários que saem do nosso bolso já é um passo em frente.
  • CAMINHANTE
    23 mar, 2017 LISBOA 10:41
    A maioria dos cidadãos Europeus, os de raiz Europeia, não têm qualquer sentimento de Unidade Europeia, aquele sentir "sou Europeu", mas sim o sentimento da Nação a que pertencem... esta situação estabeleceu-se e agravou-se nos últimos anos , face aos rumos seguidos pelos dirigentes políticos. A maioria sente exactamente isso : desprotecção e até "traição". Os poucos que ainda defendem o "status quo" é porque estão preocupados essencialmente com a moeda única, que entendem como garantia de um certo bem estar financeiro. A União em termos concretos, no espírito das pessoas, não existe. Pequenos factos reforçam esta "des-União" estrutural , como as infelizes, inapropriadas e divisionistas palavras do Presidente do Eurogrupo. O projecto Europeu inicial não era este.

Destaques V+