14 mar, 2017 - 20:36 • Ana Rodrigues
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O regresso do serviço militar obrigatório (SMO) “está fora de questão” neste momento em Portugal, afirma o Governo à Renascença, apesar da falta de voluntários, dos apelos vindos do interior das Forças Armadas e da reintrodução em países como a Suécia.
O secretário de Estado da Defesa, Marcos Perestrello, não deixa margem para dúvidas: a reintrodução do SMO não faz sentido nesta altura.
“Está fora de questão, não está em cima da mesa, é um debate que não está no programa do Governo, é um debate que não está de todo na ordem do dia em Portugal. Do ponto de vista politico e do ponto de vista do modelo de organização das nossas Forças Armadas, tal como estas estão estruturadas, hoje o modelo de serviço militar obrigatório não é adequado”, afirma Marcos Perestrello.
O Governo não quer nem ouvir falar no SMO, mas admite que o actual modelo de gestão das Forças Armadas pode e deve ser melhorado para tornar “a carreira militar mais atractiva” para quem está no quadro permanente e para quem está a contrato.
O Governo está empenhado em tornar mais aliciante a carreira militar, mas para já o modelo que Portugal tem serve muito bem, garante o secretário de Estado da Defesa.
“Julgo que o modelo que nós temos hoje de organização das Forças Armadas serve os interesses do país; é adequado ao cumprimento das missões que são exigidas às Forças Armadas, quer no plano interno, quer no plano externo. Portanto, eu entendo que o modelo que nós temos é o modelo adequado”, reforça Marcos Perestrello.
“O mundo não é estático”. Almirante e general defendem regresso do SMO
Em 2016, os três ramos das Forças Armadas conseguiram apenas metade do número de voluntários necessários e este até foi o melhor dos últimos anos em Portugal.
O assunto serviço militar obrigatório quase foi tabu, mas agora regressa de forma discreta e quase sempre entre militares.
O almirante Melo Gomes, ex-chefe de Estado Maior da Armada, é uma das vozes que se fazem ouvir. Foi apoiante do fim do serviço militar obrigatório, mas mudou de opinião.
“O mundo não é estático. O que era verdade em 1999, quando se iniciou este processo e quando se concretizou em 2004, já não é verdade hoje”, argumenta o almirante Melo Gomes em declarações à Renascença.
O ex-chefe de Estado Maior da Armada recorda que foi favorável ao fim do serviço militar, porque “não fazia sentido” naqueles moldes, com uma duração de apenas quatro meses, que “dava aos recrutas uma péssima impressão” do que eram das Forças Armadas, além de representar um “desperdício de recursos”.
SMO em nome dos "valores e da ética"
Nas fileiras anseia-se pela mudança. No Exército, onde ficaram por preencher mais de mil vagas, não restam dúvidas.
O general Campos Gil, ex-vice chefe de Estado Maior do Exército, está convencido da absoluta necessidade do regresso da obrigatoriedade do serviço militar. E não é apenas pela crise do recrutamento, mas sim pelo que considera ser a evidente crise de valores em Portugal.
“O retorno ao serviço militar obrigatório teria que ser, acima de tudo, um ponto de partida para a reposição de um conjunto e de quadros de valores e de ética que me parecem estar afastados do dia-a-dia da nossa sociedade”, defende o general Campos Gil em declarações à Renascença.
Para este militar na reforma, é evidente que faltam efectivos nas Forças Armadas e relaciona o afastamento dos jovens da vida militar com uma falta de respeito pelo país.
“A cultura da cidadania está afastada das nossas escolas e a família não tem tempo. Era na instituição militar, una referência do Estado que se rege por quadros de valores e onde o dever é o factor fundamental do nosso código de conduta, que o jovem poderia e deveria vir a ter uma nova perspectiva daquilo que é a sua obrigação para com a nação e que lhe daria, no fim da linha, um sentido de identidade, de pertença. Passaria a olhar para aquilo que é nacional como nosso e não como não lhe pertencente, passaria a ter respeito pelo património, pelas pessoas, pelos símbolos e pelo seu país”, diz o general Campos Gil.
A redução de incorporações ao longo dos anos, o fim dos contratos e a crise no recrutamento resultam numa combinação explosiva que obriga pelo menos à reflexão, apela o almirante Melo Gomes.
Admite que não vai ser fácil voltar a pôr o tema em cima da mesa, sobretudo em ano de eleições, mas é preciso que um político com coragem o faça.
“Ninguém se atreve a pôr [o tema na agenda], mas temos que o fazer. A diferença entre um político com P grande e um político de P pequeno, ou que trate dos assuntos da conjuntura e não da estrutura, está realmente em pôr as questões difíceis. Na minha perspectiva deve-se pensar, estudar e ter as opções preparadas para a evolução que está a acontecer claramente aos olhos de toda a gente”, desafia o almirante Melo Gomes.
Tendo em conta o número de voluntários, os jovens estão cada vez menos interessados numa carreira militar. Os que escolhem essa via, fazem-no em busca de estabilidade financeira e de um emprego seguro.
Com o fim do serviço militar obrigatório, o Dia da Defesa Nacional é para muitos jovens o único contacto que terão com as Forças Armadas. Às unidades militares em vários pontos do país chegam todos os dias grupos de jovens que, ao completarem 18 anos, têm de cumprir este dever militar. A Renascença foi ao Regimento de Artilharia Antiaérea Nº3, em Queluz, saber como é que este dia é vivido e o que representa na vida dos jovens [ouça a reportagem no início do artigo].