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Análise

Trump sofre a primeira derrota às mãos do Estado de Direito

10 fev, 2017 - 07:00 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Três juízes de São Francisco decidem por unanimidade contra rejeição dos imigrantes e refugiados. Trump acusa a decisão de ser política e vai recorrer para o Supremo. Mas o recurso poderá ser ineficaz. Entretanto, estrangeiros poderão entrar como até aqui nos Estados Unidos.

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Donald Trump provou pela primeira vez, na quinta-feira, o sabor amargo do estado de direito em vigor na América e o funcionamento de um sistema de freios e contrapesos que limita o poder executivo do Presidente.

A decisão do tribunal federal de recurso de São Francisco de continuar a permitir a entrada de imigrantes e refugiados constitui a primeira grande derrota do Presidente ao completar três semanas na Casa Branca. Uma derrota jurídica e política significativa, mas não pelas razões apontadas por Trump.

Poucos minutos após a divulgação da decisão judicial, o Presidente reagia no Twitter, dizendo que ia recorrer para o Supremo Tribunal e que a decisão dos juízes tinha sido “política”. Ora, o tribunal de São Francisco era composto por dois juízes nomeados por presidentes democratas e um nomeado por um Presidente republicano. E a decisão foi unânime.

Mais, esta decisão foi de segunda instância, porque na primeira instância um juiz de Seattle, também escolhido por um Presidente republicano, já tinha decidido contra a ordem executiva de Trump. Ou seja, até agora pronunciaram-se sobre a rejeição dos imigrantes e refugiados cinco juízes – três conservadores e dois liberais – e só um deles, um juiz de Boston, concordou com a ordem executiva, embora a sua decisão não tenha tido consequências.

Esta é a consequência política mais significativa da decisão de quinta-feira, o que levou Hillary Clinton a tuitar apenas isto: 3-0. Mas é uma consequência política justamente porque afasta a suspeita de que a decisão do tribunal de San Francisco foi condicionada pelas visões políticas dos juízes que a tomaram.

Apesar de terem uma mundivisão diferente foram unânimes na rejeição da ordem presidencial. Se porventura a decisão tivesse sido tomada por dois-contra-um isso não lhe retiraria legitimidade jurídica, mas alimentaria a suspeita da motivação política dos juízes.

E é isto que Donald Trump se recusa a reconhecer. Ou simula não entender, ao acusar a sentença de ser “política” e ao anunciar de imediato recurso para o Supremo Tribunal. E da forma deselegante que lhe é habitual: “Vemo-nos no tribunal, a segurança do país está em risco”, como que num desafio litigioso aos juízes de São Francisco.

Recurso moroso

Acontece que a decisão de recorrer para o Supremo Tribunal, sendo absolutamente legítima, é porventura a menos eficaz para uma administração que quer impedir a entrada de imigrantes e refugiados de sete países muçulmanos porque alega que está em risco a segurança do país.

Porquê? Porque o Supremo, tendo em conta os padrões habituais, deverá demorar meses a analisar o caso e não é garantido que a decisão seja favorável a Trump. O que significa que, enquanto o assunto não estiver definitivamente resolvido, a entrada de estrangeiros prosseguirá nos moldes habituais.

Para quem acusa os juízes de pôr em risco a segurança nacional ao autorizar a entrada de imigrantes e refugiados muçulmanos a prioridade absoluta deveria ser impedir tal entrada. O recurso para o Supremo será seguramente o caminho mais moroso para alcançar esse objectivo.

Daí que vários analistas, incluindo personalidades do campo republicano, tenham observado que seria mais sensato o Presidente reconhecer a derrota, retirar a ordem executiva e mandar redigir uma outra menos polémica e mais consentânea com as leis do país.

Todavia, ninguém acredita que tal suceda porque isso implicaria a existência de duas características que parecem faltar a este Presidente: sensatez e humildade. A proverbial tendência de Trump para ver adversários ou inimigos em todos aqueles que dele discordam e abrir de imediato frentes de batalha ficou, aliás, bem patente de novo nesta luta pela aprovação da ordem executiva.

Quando na semana passada o juiz James Robart, de Seattle, suspendeu a proibição de entrada de imigrantes, Trump chamou-lhe “pseudo juiz”, disse que a sua decisão era “ridícula” e que seria anulada. Mais tarde, responsabilizou-o antecipadamente por um eventual atentado terrorista – “se acontecer alguma coisa, culpem-no”. Uma afirmação de uma gravidade extrema.

Já esta semana, afirmou que a lei era tão clara quanto a atribuir ao Presidente poderes para suspender a entrada de estrangeiros no país que até “um mau aluno” a compreenderia e que os tribunais se regem por critérios políticos.

Afirmações que naturalmente tiveram um impacto muito negativo entre os juízes e que mereceram reparos do próprio juiz que Trump escolheu para o Supremo Tribunal. Neil Gorsuch considerou-as “desmoralizadoras” e “desencorajadoras” numa conversa com um senador democrata, que as revelou com autorização do próprio.

O facto de ter permitido a sua divulgação é sintomático. Gorsuch foi apresentado na semana passada por Trump numa cerimónia pomposa como a sua grande escolha conservadora para preencher a vaga no Supremo Tribunal e aguarda agora confirmação pelo Senado.

Dois fundamentos jurídicos

A decisão do colectivo de São Francisco assenta essencialmente em dois fundamentos jurídicos. O primeiro diz que a administração não forneceu quaisquer provas de que os estrangeiros provenientes dos sete países visados na ordem executiva fizeram qualquer ataque terrorista nos Estados Unidos. Rejeita assim o argumento da segurança do país estar em risco.

O segundo reitera a capacidade legal do poder judicial de fiscalizar a acção do Presidente, contrariando o argumento da administração segundo o qual em questões de segurança e controlo de fronteiras as decisões do Presidente estão acima de quaisquer outras instâncias e não podem ser contrariadas.

Este segundo aspecto da sentença surgiu como decisivo e parece ter configurado uma espécie de braço-de-ferro entre poder executivo e poder judicial. A administração Trump sempre argumentou que os poderes do Presidente em matéria de entradas no país eram incontestáveis e insusceptíveis de revisão pelo poder judicial. Um argumento que o colectivo de São Francisco contrariou com veemência.

Qualquer sugestão de que os juízes não podem fiscalizar o poder do Presidente nesta matéria “vai contra a estrutura fundamental da nossa democracia constitucional”, escreveu o colectivo de São Francisco.

Os juízes não quiseram pronunciar-se claramente sobre a questão da discriminação contra muçulmanos, dizendo ser prematuro tirar tal conclusão. No entanto, reconheceram que os queixosos (o estado de Washington através do seu procurador-geral) apresentaram provas abundantes de que responsáveis da administração, incluindo o próprio Presidente, se referiram à medida como sendo uma “rejeição de muçulmanos”.

Em suma, um estado de direito em pleno funcionamento e um Presidente acossado que se recusa a reconhecê-lo publicamente – eis o cenário político da América de hoje, três semanas depois da entrada de Trump na Casa Branca.

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  • MASQUEGRACINHA
    10 fev, 2017 TERRADOMEIO 19:27
    Às vezes, parece-me que as pessoas confundem democracia com ditadura da maioria - e não é nada disso, se não estaríamos todos à mercê não só dos caprichos dos eleitos, como das últimas modas seguidas pela tal maioria. Em democracia, a decisão das urnas é sempre para respeitar, seja quem seja que ganhe; e os eleitos têm sempre que respeitar os valores básicos em que o sistema democrático previamente assenta, sendo o principal a separação de poderes. Daí que formas de poder tão diferentes como monarquias (constitucionais) e repúblicas (mais ou menos presidencialistas) possam ser, e sejam, sistemas democráticos. Os poderes legislativo e executivo, diretamente representativos do voto popular, elaboram e executam a Lei - designadamente, as constituições. O poder judicial vela pelo seu cumprimento - em última análise, a democraticidade vigente depende, e só pode ser realmente aferida, pelo poder judicial. Mesmo num país como os EUA, um sistema democrático em que quem ganha pode não ser a maioria, em que o poder legislativo e executivo é disperso por vários órgãos políticos e a influência social, através dos grupos de pressão (lobies), é institucionalmente aceite, e em que grande parte dos próprios juízes é escolhida politicamente, o valor estrutural básico da separação de poderes não pode ser posto em causa, cabendo ao poder judicial a última palavra. E é isso o que está a acontecer nos EUA, não tem a ver com gostar ou não de Trump. Os presidentes passam, a Lei permanece.
  • fernando gonçalves
    10 fev, 2017 fundão 16:29
    porrada nos juízes sem juizo
  • Viva a RR
    10 fev, 2017 fala da guerra 16:23
    Então já retiraram este assunto da página? Nem o meu comentário se foi publicado. Viva a RRenas. Viva a liberdade de expressão, a hipocrisia, como todos os hipócritas, que mesmo de falinhas mansas demonstram não mostrar qualquer respeito pelos outros. Este mundo está nas mãos de meia duzia de palhaços, de poder e paleio, a quererem dominar todos os tolos. Ah, viva a comunicação social, já agora!
  • É muita gracinha é!
    10 fev, 2017 rqtparta 16:00
    Isto não se trata de confundir democracia com ditadura, trata-se de uma medida para combater o terrorismo e salvaguardar mais os americanos. Nem é uma medida para penalizar os americanos. Ou acha isto? Alguém tem culpa destes muçulmanos estarem sempre em guerra e a promover o ódio. São eles que fazem a lavagem cerebral às crianças para odiarem e serem retrógradas e acontece mesmo nos países que não são os seus. Aliás até fazem lavagem cerebral aos tolos de todo o mundo, com base na religião e costumes retrógradas. Isto vai muita confusão na tua cabeça. Parece que tens umas palas nos olhos e só enxergas para a frente. Se falasses que o trump estava a tomar medidas para matar os americanos à fome, como tem acontecido em portugal, dava-te toda a razão do mundo. Agora falares em democracia e ditadura porcausa de uma medida que vai contra esta escumalha, nem sequer tem lógica nenhuma. E antes que me chames de racista, enxerga primeiro aquelas que andam de burka e que acham que as mulheres ocidentais são todas umas p-tas porque se exibem demais.
  • Para refletir...
    10 fev, 2017 Almada 15:18
    Pelo menos a qualidade da democracia dos EUA é melhor que a nossa, pois lá o poder eleito democraticamente pode criticar a justiça, cá não pode. E eu que pensava que no século XXI tudo podia ser criticado por todos!
  • MASQUEGRACINHA
    10 fev, 2017 TERRADOMEIO 15:11
    Às vezes, parece-me que as pessoas confundem democracia com ditadura da maioria - e não é nada disso, se não estaríamos todos à mercê não só dos caprichos dos eleitos, como das últimas modas seguidas pela tal maioria. Em democracia, a decisão das urnas é sempre para respeitar, seja quem seja que ganhe; e os eleitos têm sempre que respeitar os valores básicos em que o sistema democrático previamente assenta, sendo o principal a separação de poderes. Daí que formas de poder tão diferentes como monarquias (constitucionais) e repúblicas (mais ou menos presidencialistas) possam ser, e sejam, sistemas democráticos. Os poderes legislativo e executivo, diretamente representativos do voto popular, elaboram e executam a Lei - designadamente, as constituições. O poder judicial vela pelo seu cumprimento - em última análise, a democraticidade vigente depende, e só pode ser realmente aferida, pelo poder judicial. Mesmo num país como os EUA, um sistema democrático em que quem ganha pode não ser a maioria, em que o poder legislativo e executivo é disperso por vários órgãos políticos e a influência social, através dos grupos de pressão (lobies), é institucionalmente aceite, e em que grande parte dos próprios juízes é escolhida politicamente, o valor estrutural básico da separação de poderes não pode ser posto em causa, cabendo ao poder judicial a última palavra. E é isso o que está a acontecer nos EUA, não tem a ver com gostar ou não de Trump. Os presidentes passam, a Lei permanece.
  • Pois é o ela
    10 fev, 2017 rqtparta 15:03
    Quem viola os direitos do ser humano não é o trump, são os muçulmanos. O que é para ti uma mulher ser obrigada a usar burka? Ah e caso ela não queira está sujeita a ser morta ou a ser queimada com ácido, como aquelas meninas que são obrigadas a casar com velhos contra a sua vontade ou se recusarem ainda são mortas. Quem é que persegue cristãos e os homo-sexuais? O que é para ti todos aqueles muçulmanos que vivem em frança, alemanha, inglaterra e por aí adiante, que muitos, para além de fazerem distúrbios, alguns são terroristas, ainda sonham implementar a sharia e dizem que as democracias são o lado oposto? O que é para ti receber todos os muçulmanos e não lhes dar todas as condições, como muitos estão a viver na europa sem o mínimo de condições? Porque não travaram os juízos o bush? Porque não mandou tropas a américa, o obama, e a europa para salvaguardar as populações às mãos das bestas? Não seria melhor solução ajudar estes países, em vez de eles virem encher grande parte do mundo, havendo o risco de quando eles crescerem em mais quantidade querem impor tudo o que são? Isto não é mais que fobia ao trump, Perseguem-no a torto e a direito, principalmente a comunicação social, outros lideres já tomaram medidas e não houve qualquer problema. Só falta dizer quantas vezes o trump dá um peido. Ninguém falou aqui em apoiar a violência doméstica. por isso não misture alhos com bugalhos. O homem não é perfeito e até pode exagerar. O cavaco disse q/ o q ganhava n/dava p/as despesa
  • Ela
    10 fev, 2017 Lisboa 12:47
    Quando as promessas eleitorais e as suas concretizações violam a Constituição e a Lei, têm de ser travadas. Para isso servem os Tribunais; nos EUA ou em qualquer lado. Temos aqui pessoas com os mesmos tiques autocráticos do sr. Trump e do sr. Putin que, na Rússia, acabou de descriminalizar a violência doméstica!!!
  • AoProf. Martelada
    10 fev, 2017 rqtparta 11:49
    Oh prof Martelada mete este estado de direito pelo ilhó acima. Para ti o estado de direito é sentir fobia pelo trump? É o de receber mais muçulmanos retrogradas como aqueles que estão em frança, alemanha, inglaterra e por todos os países, querendo impor a sharia, a burka... fazendo distúrbios e mais e mais....E quanto àqueles que já mataram centenas, recorrendo aos camiões, como os ataques às discotecas e por aí fora...É isto é que é para ti o estado de direito? Lá em amareja também há burros destes? Isto faz-me lembrar um deficiente que não tinha lugar no seu estacionamento pela falta de civismo de alguns, estacionou atrás sem incomodar ninguém, foi chamar a atenção ao burro do policia que costuma fechar os olhos a quem estaciona no parque de deficientes, mas foi lá e multou o carro do deficiente,mesmo com o cartão à vista e na presença dele, nem quis saber se ele tinha dificuldades motoras, para ele o seu estado de direito era multar o deficiente porque era justo, uma vez que também multava o outro carro que estava no parque de deficientes e sem cartão, mas o deficiente pensando no seu estado de direito, recorreu à direção de transito, onde há uma besta de um jurista, que ignorou as dificuldades motoras do deficiente e a sua queixa, e então recorrendo a umas custas o deficiente pagou em dobro a multa. Isto é só um aparte, para te mostrar como me estou a c-g-r para a tua definição de estado de direito, pque não vás à grecia buscar refugiados que estão em condições desuman
  • Luis
    10 fev, 2017 Lisboa 11:29
    A diferença entre os EUA e Portugal não está no facto deles terem um Trump e Portugal não. Portugal infelizmente também tem alguns Trampinhos e muita trampa. A diferença está na Justiça. Os EUA têm justiça, que funciona. Já democracia, pelos vistos estão a ficar com pouca . O Trump ganhou as eleições e está a cumprir as suas promessas eleitorais como tal a sua legitimidade não deve ser posta em causa. Cá pelo burgo ganham as eleições e nunca cumprem nada. O Passos não passa de uma Trampada pois não cumpriu minimamente o que prometeu.

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