12 dez, 2016 - 18:45 • Pedro Rios
O combate às alterações climáticas é “imparável”, as elites políticas têm de ouvir o povo e as Nações Unidas devem mudar para dar resposta a um mundo que provou que o “fim da História” não passou de uma teoria infundada. António Guterres prestou esta segunda-feira juramento como secretário-geral das Nações Unidas, prometendo envolver-se “pessoalmente na resolução de conflitos” como o da Síria e traçando um caminho para a “confiança”, no sentido contrário do “medo”.
“Temos de perceber as ansiedades das pessoas [que deixam o medo influenciar as suas decisões] sem perder de vista os nossos valores universais”, disse Guterres, depois de jurar fidelidade à carta das Nações Unidas, na sede da organização, em Nova Iorque.
"As sociedades estão cada vez mais fragmentadas com cada um a viver no seu canto" e “os eleitores têm hoje tendência a rejeitar o ‘status quo’, com as propostas governamentais a serem frequentemente sujeitas a referendo. O medo tem motivado as decisões de muita gente”, disse.
"Há 21 anos, quando tomei posse como primeiro-ministro de Portugal, a Guerra Fria tinha acabado e havia quem dissesse que se tratava do 'fim da História'. Mas a História estava apenas congelada, e quando começou a 'descongelar', começaram a surgir as tensões, uma imprevisibilidade cada vez maior, o abuso dos direitos humanos e a nova ameaça do terrorismo global", disse.
“As grandes tendências, como as alterações climáticas, a insegurança alimentar, a escassez de água, os picos de tensão e instabilidade” caracterizam o nosso mundo, disse.
“Chegou o extraordinário progresso tecnológico, o número de pessoas em situação de pobreza absoluta caiu dramaticamente, mas, com este progresso tecnológico, muitos ficaram para trás e é cada vez maior o fosso das desigualdades”, incluindo nos países desenvolvidos, afirmou.
Uma ONU “para as pessoas”
No seu discurso e nas primeiras declarações aos jornalistas, Guterres prometeu uma mudança nos procedimentos das Nações Unidas. A aposta da organização tem que ir mais para a “produção de resultados” e “menos para o processo”, “mais para as pessoas, menos para a burocracia”.
"A ONU tem de reconhecer as suas fraquezas e tomar medidas para se reformar. Os desafios estão a ultrapassar a nossa capacidade de resposta. Temos de mudar. A nossa maior fraqueza é a nossa incapacidade de prevenir as crises”, sublinhou António Guterres. E deu um exemplo: colocar um elemento das Nações Unidas no terreno “não pode demorar nove meses”.
Guterres afirmou-se disposto a envolver-se “pessoalmente” neste esforço para mudar as Nações Unidas, num mundo onde abundam “crises graves como as da Síria, do Iémen e do Sudão do Sul e “disputas longas” como o conflito israelo-palestiniano.
“Estou preparado para me envolver pessoalmente na resolução de conflitos onde isso trouxer um valor acrescentado, reconhecendo o papel de liderança dos Estados-membros”, disse o novo líder da ONU, cujo trabalho exigirá “mediação, arbitragem e diplomacia criativa”.
“Precisamos de uma diplomacia criativa para o cumprimento de três objectivos fundamentais: a paz, o desenvolvimento sustentável e a gestão interna”, disse.
Síria "exige todos os esforços"
Em conferência de imprensa, depois do discurso, Guterres diria que a situação na Síria – uma “ameaça para toda a gente no mundo”, um “disparate”, exemplo maior das “guerras em que ninguém ganha” que caracterizam os nossos dias – exige “todos os esforços”.
Oferece-se "ser um mediador honesto" entre as "partes mais relevantes", sabendo que o secretário-geral da ONU “não é o líder do mundo". "O principal trabalho cabe aos Estados-membros. Mas eu estarei lá".
Perante dezenas de dignitários vindos dos quatro cantos do mundo, Guterres prometeu colocar o desenvolvimento “no centro do trabalho” da ONU, o que exige “liderança, coordenação, produção de resultados e prestação de contas”. Essa reforçada “cultura de prestação de contas” obriga à criação de mecanismos “independentes” de avaliação do trabalho da ONU.
Alterações climáticas e Trump? “Dizer a verdade”
Antes, no início do seu discurso e momentos após o juramento e sentido abraço a Ban Ki-moon, que o antecede no cargo, Guterres fez questão de homenagear o líder da ONU e os seus anos de serviço.
“A sua liderança ajudou a traçar o futuro da ONU, com os direitos humanos no coração do nosso mundo. Com o Acordo de Paris, acredito que estamos perante um movimento imparável. É uma honra defendermos os mesmos valores. Muito obrigada”, disse.
Na resposta a outra questão, sobre como irá dialogar com o Presidente-eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, céptico quanto às alterações climáticas, António Guterres respondeu: "Para restaurar a confiança a primeira coisa que é importante é dizer a verdade. Por vezes, a verdade é ignorada nas relações políticas”.
Mudar a ONU
Fazendo “mea culpa” em nome da organização, Guterres critica e lamenta "a exploração sexual cometida sob a bandeira das Nações Unidas daqueles que era suposto estarmos a proteger". Nos últimos anos surgiram notícias de abusos sexuais cometidos por Capacetes Azuis em países como a República Centro-Africana e a República Democrática do Congo.
Na conferência de imprensa que se seguiu ao discurso, um jornalista perguntou a Guterres quais as suas prioridades para os primeiros 100 dias. Guterres respondeu que a "paridade de género" "será uma prioridade fundamental de cima abaixo nas Nações Unidas e terá que ser respeitada por todos". Já a tinha enunciado como prioridade no seu discurso.