06 dez, 2016 - 18:09
Depois de 30 anos ligada à polémica igreja da cientologia, conhecida pelo seu “fiel” mais famoso, o actor norte-americano Tom Cruise, a sua colega actriz de Hollywood Leah Remini decidiu abandonar a religião e publicar um livro em que revela o funcionamento do polémico culto que diz contar com mais de oito milhões de seguidores em todo o mundo.
O número é contestado, e várias investigações por parte da imprensa internacional estimam que a realidade esteja mais perto dos 40 mil seguidores, mas isso não torna a cientologia menos misteriosa, antes pelo contrário. No livro “Troublemaker: Surviving Hollywood and Scientology”, Remini, conhecida pelo seu papel como esposa mal-humorada na série “King of Queens”, traça um retrato preocupante da igreja e dos seus seguidores mais famosos.
O episódio que a levou a abandonar de vez a cientologia foi o misterioso desaparecimento de Shelly Miscavige, mulher do actual líder da igreja, que foi vista pela última vez em público há quase 10 anos. A polícia californiana investigou depois de Remini a ter sinalizado como pessoa desaparecida, mas deu o caso como encerrado e não avançou mais detalhes. Outros dissidentes já vieram a público especular que Miscavige estará a viver isolada num dos centros de alta-segurança da cientologia nos Estados Unidos.
Foi no casamento de Tom Cruise com Katie Holmes, entretanto divorciados, que Leah Remini deu conta da falta de Shelly Miscavige pela primeira vez, mas ao perguntar sobre o seu paradeiro, foi aconselhada a calar-se. Os membros da cientologia e as suas famílias estão sob vigilância apertada a toda a hora, e são instigados a “auditarem-se” frequentemente (uma espécie de “confissão”) a outros membros, e também a relatarem as faltas uns dos outros, sob pena de serem castigados, conta a actriz.
A estrutura da cientologia, fundada nos anos 1970 pelo excêntrico L. Ron Hubbard, que viria a passar a maior parte da sua vida num barco rodeado do seu círculo mais íntimo (uma espécie de clero da igreja cientologista), faz-se por níveis, em que os seguidores ascendem mediante o pagamento de somas avultadas e o estudo profundo das estranhas doutrinas elaboradas por Hubbard. Ao entrar, os membros assinam um contrato que as liga à igreja por “mil milhões de anos”, e muitos pais ligam assim os filhos à igreja desde pequenos. Foi o caso de Remini, que sabia que ao sair corria o risco de ser rejeitada pela própria mãe e marido, também membros da cientologia na altura. Hoje, ambos saíram, mas Remini continua a ser difamada pelos porta-vozes da igreja, que negam a maior parte das suas alegações.
Tom Cruise, a estrela da companhia, por assim dizer, é retratado de uma forma menos que favorável. Não fossem as cautelas do pai de Katie Holmes, advogado que a fez assinar um contrato pré-nupcial intransigível, a mãe de Suri Cruise não teria conseguido sair do divórcio com a pensão de alimentos de milhões a que teve direito. Holmes, tal como Nicole Kidman, segunda mulher de Cruise, chegou a estar muito envolvida com a cientologia, mas, tal como Kidman, decidiu pôr-se à distância e ambas acabaram por regressar à fé católica na qual tinham sido criadas.
Nicole Kidman foi considerada uma "pessoa supressiva", o que no jargão da cientologia significa um inimigo para a comunidade. Foi o abandono de Kidman que motivou Leah Remini a bater com a porta. "A ex-mulher do Tom Cruise foi o meu anjo da guarda. Apesar de nunca a ter conhecido, pensei muito nela. Dizia a mim mesma: "Lembra-te da Nicole Kidman. Ela foi declarada supressiva, abandonou a igreja e está bem. A carreira dela continua, tem um marido e uma família", escreve.
A igreja da cientologia reagiu à dissidência e ao livro de Remini com um comunicado em que afirma que toda a história não passa de um golpe de publicidade. Mas as revelações só vêm confirmar aquilo que várias investigações, como da BBC ou da revista norte-americana "Vanity Fair" têm tentado denunciar: que o mundo da cientologia é manifestamente duvidoso e que chega a ser impiedoso com os seus membros, dissidentes ou não.