02 mai, 2024 - 21:23 • Maria João Costa, enviada da Renascença a Buenos Aires
José Luís Peixoto está a terminar um novo romance e, mesmo estando a participar na Feira do Livro de Buenos Aires, na Argentina, onde Lisboa é este ano convidada de honra, o autor encontra tempo para escrever. Diz que é uma questão de “disciplina”.
Já não é a primeira vez que está na Feira de Buenos Aires e isso permite a Peixoto ter um olhar de comparação. Sente que os argentinos estão a comprar menos livros este ano. Com o país a viver uma grave crise económica e social, o escritor diz que é “visível” as dificuldades que o povo enfrenta.
Em entrevista à Renascença, depois de dar autógrafos, José Luís Peixoto explica que tem os seus leitores na Argentina e na feira apresentou mais um livro em que participa. Trata-se do livro “Sketch Tour Portugal Reload” (ed. Caleidoscópio), que mostra Portugal visto pelos olhos de Urban Sketchers a quem foi acrescentado 12 textos de escritores nacionais.
És certamente um dos escritores mais experientes no que toca à participação em feiras internacionais, e representações de Portugal e, neste caso de Lisboa. Que olhar tens para esta feira?
Esta é a terceira vez que estou na Feira do Livro de Buenos Aires e, por isso, tive realmente oportunidade de ver a forma como a Feira tem evoluído.
Parece-me que é muito positivo que exista esta presença da cidade de Lisboa, dos autores portugueses, da nossa cultura, porque efetivamente a Feira do Livro de Buenos Aires é uma montra muito importante.
Mas, por outro lado, como alguém que realmente já viu a Feira do Livro noutros momentos, penso que fica aqui também um pouco visível as dificuldades que o país está a atravessar.
Na Argentina, em Buenos Aires, no âmbito da Feira (...)
Há menos leitores?
Nos dias sem trabalho, a feira ainda recebe muita gente, mas onde eu creio que se nota mais será nos preços dos livros. São caros, até para nós que ganhamos em euros. Imagino que para os argentinos seja quase proibitivo e quando andamos aqui por estes corredores da Feira, é um pouco triste ver que são poucas as pessoas que levam livros, porque realmente os preços são muito altos, e esta é uma cidade e um país de leitores.
Não só porque têm uma tradição literária bastante grande, mas porque há aqui uma cultura da leitura importante. Contudo, sinto que neste momento estão a atravessar algumas dificuldades que espero que possam ultrapassar.
Não é a primeira vez que a Argentina passa por momentos difíceis, e espero, quando voltar, encontrar esta feira com uma dinâmica diferente.
Mesmo nas ruas, e da tua experiência na Argentina, sentes que há uma certa degradação das condições económicas e sociais?
Sim! Veem-se algumas situações que são muito duras. Há muita gente a viver na rua. Há muitas circunstâncias, muitas imagens que, de certa forma, revelam que o país está a passar por um momento difícil.
Ainda assim, e como estrangeiro, aquilo que espero é que possa haver melhorias e que o país possa evoluir tão rápido quanto possível. É um país fantástico, e Buenos Aires é uma cidade cultural, com património. Espero que também tenha algum otimismo e que as coisas melhorem.
Na Feira do Livro de Buenos Aires, que tem este an(...)
Estamos no pavilhão de Lisboa, ao pé da livraria, onde estão muitos livros, alguns também teus. Tens leitores aqui? As pessoas vêm pedir autógrafos? Já te conhecem?
Sim, como já cá estive noutras ocasiões, tenho até esse gosto de encontrar pessoas com quem tenho repetido algum contato. À medida que os livros vão sendo publicados por aqui há também algumas pessoas de origem portuguesa.
Há uma emigração a partir de Portugal que já é um pouco antiga, mas que ainda tem algumas pessoas que têm essas ligações. Sinto que nós, como portugueses, aqui sempre encontramos vínculos, e ao mesmo tempo, como escritor, também sinto que aqui é um lugar em que me sinto entendido, naquilo que digo, nas referências, na forma de as pessoas lidarem até com as emoções e com o mundo.
Estiveste aqui na feira a apresentar um livro onde participas. Que livro é esse que junta desenho e texto?
Tivemos uma conversa sobre o livro "Sketch Tour Portugal Reload" que envolveu 12 escritores portugueses. Eu fui um deles. Fomos a várias regiões de Portugal acompanhados, ou a acompanhar, talvez seja melhor dizer assim os Urban Sketchers, ou seja, desenhadores que desenham no próprio lugar.
A proposta era também escrever e retratar por palavras os lugares. A mim calhou-me o Alto Alentejo, uma zona que não me é estranha, é a minha região Natal e foi realmente fantástico ter a oportunidade de ir com esses desenhadores e até mostrar-lhes um pouco e partilhar com eles aqueles dias ali.
Agora existe este resultado que é este livro que desde Norte a Sul de Portugal continental e passando pelas ilhas acaba por ser uma forma também de mostrar Portugal, neste caso aqui na Argentina.
Como é que no meio de tudo isto, um escritor faz o seu trabalho? Ao que sei estarás a terminar um livro, como é que no meio de uma feira se consegue ter lugar para a escrita?
Tem de se encontrar alguma disciplina para organizar as ideias. Organizar o tempo para também não perder o fio à meada, como costumamos dizer e manter essa linha narrativa que acaba por ser aquela que depois forma um romance, que é o que eu estou a escrever neste momento.
Na verdade, à medida que me vou aproximando do fim, cada página é um passo que me deixa contente e até às vezes, numa vida um pouco fragmentada e com uma sequência mais ou menos entrecortada, ter um romance para escrever, e ter alguma coisa assim que exige essa continuidade, até é um pouco estruturante.