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Debate entre Hillary e Trump poderá não ter consequências políticas

26 set, 2016 - 08:17 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Candidatos defrontam-se pela primeira vez na televisão. Trump já afirmou que se puxasse de uma pistola e disparasse sobre alguém na 5ª Avenida não perderia votos. Perdê-los-á com uma eventual má prestação no primeiro debate?

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Os dois candidatos à Presidência dos Estados Unidos enfrentam-se esta segunda-feira à noite (madrugada em Portugal) no primeiro de três debates televisivos. Hillary Clinton e Donald Trump sobem ao palco na Universidade de Hofstra, em Long Island (Nova Iorque), para um confronto político que está a suscitar as maiores expectativas e que, provavelmente, baterá todos os recordes de audiência televisiva.

Os analistas estimam que cerca de 100 milhões de americanos deverão assistir ao debate, mas nem por isso se prevê que ele seja decisivo para a corrida à Casa Branca. E este pode ser mais um paradoxo destas eleições – um confronto visto talvez por mais cidadãos dos que aqueles que irão às urnas a 8 de Novembro, mas que poderá ter pouca influência na sua decisão final.

E porquê? Essencialmente, porque estamos perante uma eleição diferente de todas as anteriores.

Historicamente, os debates presidenciais ficaram marcados bastante mais por erros dos candidatos, “gaffes” no discurso, na atitude ou na imagem, do que por desempenhos brilhantes. “Gaffes” que, naturalmente, reverteram a favor do adversário.

Sucede que nesta eleição esse é um problema que pode atingir muito mais Hillary Clinton do que Donald Trump. Não porque Hillary seja mais atreita a “gaffes” – bem pelo contrário: a grande experiência de debates, o profundo conhecimentos dos dossiers, a grande segurança e discernimento em momentos de tensão, fazem dela uma contendora difícil de bater.

A questão está do lado de Trump, que em toda esta campanha tem dito barbaridades sucessivas sem que isso tenha afectado o apoio eleitoral de que dispõe. Desde afirmações racistas a insultos, passando por achincalhamento de adversários e mentiras descaradas, Trump fez da campanha um desfile de tudo aquilo que dantes teria liquidado qualquer candidato.

E a verdade é que o seu desbragamento verbal não lhe tem retirado votos, bem pelo contrário. A seis semanas das eleições, o multimilionário subiu nas sondagens e ameaça hoje Hillary como nunca até aqui.

Neste contexto, a interrogação essencial é esta: mesmo que Trump cometa erros até que ponto será isso prejudicial à sua candidatura? Aparentemente, nada ou quase nada, à luz do muito que tem dito até hoje e que não provocou danos eleitorais. Além de que é pouco provável que no debate faça afirmações tão chocantes quanto aquelas que já fez na campanha.

Os maiores erros

Nas vésperas do debate mais aguardado do ano, a Brookings Institution, o maior “think tank” de Washington, elencou alguns dos maiores erros cometidos em debates televisivos, que vão de afirmações surpreendentes a gestos inadvertidos.

A afirmação mais inesperada foi no debate de 1976, entre o então Presidente Gerald Ford e o “challenger” democrata Jimmy Carter. Ford disse a certa altura que não havia dominação soviética na Europa de Leste. Face à incredulidade do moderador, Ford foi mais específico: repetiu a frase e acrescentou que estava convencido que os jugoslavos, os romenos, os checos e os polacos, entre outros, não se consideravam dominados pelos soviéticos. Em plena guerra fria, a afirmação custou-lhe a reeleição porque ela deu uma imagem de cansaço e descontrolo mental inaceitável para o eleitorado.

Em 1988, o então Presidente Bush (pai) debatia com Michael Dukakis, o candidato democrata, que defendia a abolição da pena de morte. A certa altura, o moderador perguntou-lhe se manteria essa posição política caso a sua mulher fosse violada e assassinada. Dukakis reiterou a sua opção, mas fê-lo de forma tão fria, tão racional, que deixou a sensação de ser um homem insensível, sem emoções. Foi o momento mais marcante do debate. Dukakis averbou uma derrota gigantesca nas urnas.

Ironicamente, quatro anos depois, foi o mesmo Bush a vítima de idêntica frieza. Quando debatia com Bill Clinton, o então Presidente mostrou-se insensível às dificuldades económicas expostas por uma mulher negra que perguntou aos candidatos o quanto a recessão os tinha afectado pessoalmente.

Bill Clinton aproveitou a pergunta para se mostrar solidário com a mulher, o que deu dele uma imagem de sensibilidade social e compaixão humana. No mesmo debate, Bush foi apanhado a olhar para o relógio, veiculando a ideia de que estava enfadado com o debate e aspirava pelo seu fim rápido. Os eleitores não lhe perdoaram. Bush (pai) fez só um mandato.

George W. Bush (o filho) parece ter aprendido com os erros do pai e mostrou-se mais sensível do que Al Gore quando debateu com o seu rival democrata no ano 2000. Gore era considerado mais inteligente, mais bem preparado e mais experiente. Mas foi demasiado frio no debate e, enquanto Bush falava, a câmara apanhou-o a fazer uma careta de discórdia, a abanar a cabeça e a suspirar. Uma imagem de arrogância intelectual que lhe custou caro. Perdeu por uma unha negra, mas perdeu, como se sabe.

Os três últimos casos são exemplos de falta de empatia com o público e de alguma arrogância intelectual que a generalidade dos americanos detesta. No caso de Al Gore as sondagens indicavam que os eleitores reconheciam nele maior preparação, experiência e capacidade para governar o país. Mas Bush era visto pelo americano médio mais como o tipo com quem gostaria de beber uma cerveja.

Outros tempos

Mas isto eram outros tempos, claro. Tempos em que as “gaffes” tinham consequências eleitorais. E se nalguns casos houve vários factores que contribuíram para derrotar os “gaffeurs”, obviamente, estudos posteriores às eleições mostraram o impacto negativo de cada um destes gestos ou afirmações para o seu autor.

Agora comparem-se estes erros com as afirmações, gestos e atitudes que Donald Trump tem tido durante esta campanha eleitoral. Todos eles surgem como irrelevantes, pequenos contratempos numa campanha feita de milhares de comícios, entrevistas, discursos solenes e aparições televisivas. São quase lapsos infantis quando cotejados com as proclamações xenófobas, sexistas, islamófobas do multimilionário.

Daí que nos possamos interrogar sobre que impacto poderá ter um eventual erro (ou mais) de Trump no debate desta segunda-feira. Foi aliás o próprio candidato que disse em tempos que se puxasse de uma pistola e disparasse sobre alguém na Quinta Avenida não perderia votos com isso. Perdê-los-á com uma eventual má prestação no primeiro debate?

Tudo leva a crer que não, atendendo à “impunidade” de que tem gozado. Mas estes serão seguramente alguns dos temas a debater esta noite. É inevitável que parte da discussão gire em torno das propostas de exclusão que Trump tem feito – da construção do muro na fronteira com o México à expulsão de 11 milhões de imigrantes ilegais, passando pelo impedimento da entrada de muçulmanos no país.

Graças a estas questões fracturantes introduzidas por Trump, o debate terá certamente uma incidência importante em questões de carácter cultural como o género e a raça, um terreno em que Hillary poderá marcar pontos, bastando-lhe para isso quase só citar o que o seu adversário tem dito ao longo da campanha.

Mas convém não esquecer que, nas últimas semanas, Trump tem sido mais discreto na exposição destas questões e tem-se contido na habitual retórica agressiva.

Dar uma imagem de presidenciável parece ser agora a principal preocupação da sua campanha.

A batalha será certamente feroz. Nas eleições mais divisivas de sempre, Hillary e Trump têm ainda de convencer franjas de eleitores indecisos para garantir a vitória.

Pelo que fica dito, é duvidoso que o debate alcance tal objectivo, mas independentemente das suas consequências eleitorais este primeiro confronto televisivo é imperdível.

Comentários
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  • Lucia
    27 set, 2016 Lisboa 08:50
    Meu Senhor, enquanto ainda for livre de o fazer, digo lhe frontalmente: o senhor é um idiota. Entristece-me que seja português e que partilhemos as mesmas origens, que até vêm dos árabes e africanos. Como? Ai não sabia? Pois não me admira... Isso implicaria que o senhor tivesse alguma capacidade ou inteligência para reter informação, o que está visto não é o caso...
  • Viriato
    26 set, 2016 Condado Portucalense 16:00
    FORÇA DONALD TRUMP. A JORDA QUE VEGETA POR AÍ TÊM MEDO DO QUE AÍ VEM E OS PREVARICADORES TÊM MEDO DA MUDANÇA, MESMO QUE ESSA MUDANÇA SEJA NECESSÁRIA PARA FAZER UMA PURGA PARA LIMPAR O LIXO DAS SOCIEDADES OCIDENTAIS, QUE DE ORIGEM NÃO SÃO MISCENIZADAS, NEM CONSPURCADAS, NEM HOMOSSEXUALIZADAS E NEM ISLAMIZADAS.

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