07 set, 2016 - 06:57 • Eunice Lourenço
Fernando Lima foi, durante 30 anos, o homem na sombra de Aníbal Cavaco Silva. Assessor no Governo e na Presidência, viu esses anos de dedicação e proximidade acabarem devido ao episódio que ficou conhecido como o caso das escutas de Belém. Ainda, assim, depois de demitido de assessor para a comunicação social, ficou na Casa Civil do Presidente durante sete anos. Agora que Cavaco saiu de Belém, decidiu contar a sua versão da história que marcou o Verão político de 2009, escrevendo um livro em que diz que Sócrates conseguiu condicionar o Presidente da República e que ele, Fernando Lima, nunca fez nada sem que a sua hierarquia tivesse conhecimento.
O livro “Na Sombra da Presidência - Relato de 10 Anos em Belém” chega às livrarias esta quinta-feira, não estando prevista nenhuma sessão de apresentação. Fernando Lima conta, com pormenor, citações de jornais, excertos dos seus próprios relatórios, e a sua visão muito própria, dez anos de política vistos a partir, primeiro, do gabinete de imprensa e, depois, de um gabinete no sótão do palácio de Belém.
“Este é o livro que tive de escrever”, lê-se logo na introdução escrita pelo próprio autor, que considera que o poder socrático viu nele um alvo a abater para atingir o Presidente.
“O apagamento a que fui remetido em Belém, após o chamado ‘caso das escutas’, em Setembro de 2009, na presunção de que dessa maneira se acalmariam as raivas contra o Presidente em período de aproximação da campanha eleitoral presidencial, fez-me sentir, ao mesmo tempo, quanto Belém passou a estar condicionado pelo poder de intimidação de José Sócrates”, escreve Fernando Lima, acrescentando que na Presidência se vivia um ambiente “onde imperava o receio”.
O ex-assessor reconhece que a sua relação com Cavaco Silva “foi-se definhando com o tempo”, acabando por não ser sequer cumprimentado pelo Presidente e pela mulher. Mas garante que o livro não é um ajuste de contas pessoal. “Não é minha intenção fazer do que se passou comigo um caso pessoal, mas o que se passou comigo ajuda a compreender as relações entre Cavaco Silva e José Sócrates”, escreve na introdução, onde também diz que aqueles que o tomaram como “alvo não abrandaram as acções de vigilância e de controlo da informação que processava através do telemóvel ou do computador”.
As escutas e o espião socialista
Em 16 capítulos e mais de 400 páginas, Fernando Lima conta os dez anos de presidência de Cavaco Silva sempre com uma visão muito conspirativa da sucessão de acontecimentos. Começa pelos primeiros anos de relação entre Cavaco Silva e José Sócrates, então primeiro-ministro com maioria absoluta. Primeiros anos que, como escreve o ex-assessor, tiveram um início promissor com alguns (frágeis) consensos.
Mas depois seguiu-se o caso BPN, com Fernando Lima a acusar os então governantes de terem usado informação para atacar a honorabilidade de Cavaco Silva, conseguindo “atrofiar” o Presidente.
O centro do livro, contudo, está nos relatos sobre o caso das escutas. A 18 de Agosto de 2009, o jornal "Público" noticiava que na Presidência da República havia pessoas que receavam estar a ser vigiadas. Nos dias anteriores, deputados socialistas tinham vindo a público atacar o facto de dois assessores da Presidência (Suzana Toscano e Pedro Saraiva) terem participado em reuniões de preparação do programa do PSD para as legislativas desse Outono. As reuniões não tinham sido divulgados e os assessores consideravam que a sua participação tinha sido discreta, pelo que estranharam que os socialistas soubessem.
Fernando Lima, como se percebeu na altura e ele próprio assume, era a fonte de Belém que tinha falado ao "Público" sobre receios de vigilância. Garante que nunca falou em escutas, apesar de ter sido assim que o caso ficou conhecido.
A este episódio juntou-se um outro – o caso do espião –, que tinha origem no ano anterior. Depois de uma visita do Presidente à Madeira, Fernando Lima tinha manifestado a outro jornalista do "Público" estranheza pela presença na comitiva de um adjunto do gabinete do primeiro-ministro. Na altura, o jornal não deu seguimento à informação, mas, depois da notícia sobre os receios de vigilância em Belém, o diário avançou com as suspeitas sobre o “espião” Rui Paulo Figueiredo.
“Quando um certo dia, dei conta a um jornalista do 'Público' da estranheza, na Presidência, sobre o adjunto do primeiro-ministro na comitiva de Cavaco Silva que se deslocou à Madeira, foi porque recebi indicação superior para o fazer. Não fiz nada à revelia da minha hierarquia, como nunca o fizera ao longo da minha vida na relação que, por deve das funções, mantinha com a comunicação social”, escreve Fernando Lima, sem citar nomes.
O seu superior hierárquico era o chefe da Casa Civil, Nunes Liberato. Contudo, em Agosto de 2009, quando rebentou o caso das escutas, era Suzana Toscano que estava a desempenhar as funções.
Como podia ter sido diferente
Pouco tempo depois, o "Diário de Notícias" divulgou mails trocados entre jornalistas do "Público" citando Fernando Lima nas informações sobre o “espião”. Na altura, o país já vivia em pré-campanha legislativa, e o caso entrou na campanha, prolongando-se Setembro dentro. A 21, Cavaco Silva demite Fernando Lima.
“A diabolização da minha pessoa fazia parte da estratégia socrática para dominar o espaço informativo da última semana da campanha eleitoral das legislativas de 27 de Setembro”, escreve o ex-assessor para quem Cavaco terá julgado com que, com o seu afastamento, “acalmaria os socráticos que o vinham intimidando de várias maneiras”. Fernando Lima também escreve que o Presidente estaria preocupado “em função dos seus objectivos políticos imediatos”, ou seja a recandidatura.
Todo este caso ainda levou a uma comunicação ao país por parte do Presidente. Fernando Lima foi para um novo gabinete “no sótão”, onde continuou a fazer “notas de análise política”. Nada – nem a sua relação com o Presidente, nem a sua relação com a comunicação social – voltaria a ser como antes. E o ex-assessor associa a sua própria queda aos erros que o Presidente cometeria nos anos seguintes, à “desconstrução da figura de Cavaco Silva” e à “degradação da sua imagem”.
“Até ao fim, respeitei o convite que recebi do Presidente para continuar em Belém no segundo mandato. Uma saída antecipada daria origem, certamente, a um novo caso que quis evitar. É da vida que alguns esquecem com facilidade que o seu êxito acontece também graças ao trabalho de outros. Nada me pesa na consciência. No entanto, não posso deixar de dizer que teria gostado que as coisas tivessem corrido de outra forma. Talvez, para outros, também as coisas pudessem ter corrido de outra forma”, conclui Fernando Lima, no epílogo com que encerra o seu ajuste de contas.