25 jul, 2016 - 19:49 • Liliana Carona
Na aldeia de Fernão Joanes, no concelho da Guarda, a estranha forma de vida do pastor Carlos Vendeiro dá que falar.
“Falta de ouvidos e de vista, não sei como ele faz, o Nosso Senhor é que o orienta, ele anda com o pauzinho, por Deus segue o seu caminho”, afirma Fortunato Costa, 89 anos.
O Sr. Fortunato está sentado no café da aldeia, na companhia de Gracinda Tavares, 87 anos, que corrobora a afirmação do amigo. “O cachopo lá anda com o pauzinho, é obra de Deus”, refere.
A família também admira a agilidade do pastor que é cego e quase não ouve. Aristides Vendeiro, cunhado do pastor, fica espantado com a maneira como ele se movimenta pela serra. “Com tantos buracos por aí, como é que nunca caiu, só vendo para acreditar, isto é um fenómeno de Deus”, salienta.
Joaquim Vendeiro é o irmão mais velho que acompanha de perto o pastor Carlos. “Eu prefiro ter o meu irmão cego a trabalhar comigo do que outros que vêem e não fazem o que ele faz, porque ele faz tudo sozinho”, diz com orgulho.
Carlos Vendeiro, 57 anos, sempre ouviu com muita dificuldade e perdeu a visão há cinco anos, fruto de uma doença genética.
“Antes via tudo, mas há cinco anos piorou”, conta o pastor de Fernão Joanes, que calcorreia os montes como se os olhos enxergassem e o esforço vale a pena para fazer o que mais gosta. “Fui criado nisto, sempre gostei, conheço tudo”, revela sobre a táctica que o faz caminhar sem medo pelos vales.
Na hora da ordenha, os nomes das ovelhas estão gravados na mente de Carlos, que não precisa de visão: “Ramboia, Lira, Professora, Zeca, Loira, nenhuma me escapa por ordenhar”, diz.
Quando vai dormir, o trajecto para a cama está estudado e, se vestir a roupa do avesso, torna a despi-la e a vestir-se correctamente. “Coloco o pé em cima do banco, poiso o sacho, e já sei que o pau que me ajuda no caminho fica aqui de lado”, mostra enquanto se aconchega no cobertor de papa, tradicional da região.
Com 300 euros de pensão de invalidez, Carlos Vendeiro tem mesmo que continuar todos os dias antes do Sol raiar a levar as ovelhas para o monte. “Se fosse antigamente vendia borregos a 50 contos, hoje não, já não vale a pena, vivo do leite, que uma empresa de Celorico passa por aqui para levar”, explica.
Nos sonhos do pastor Carlos está um aparelho auditivo, para poder ouvir com nitidez o tilintar das suas ovelhas. “Dizem que há pessoas piores que eu e que com isso conseguem ouvir, passam pessoas por mim, e sem as ouvir não consigo perceber que estão ali”, lamenta. Para Carlos, ter um aparelho auditivo significaria que a vida correria bem e isso seria “uma maravilha”, conclui.