23 jul, 2016 - 10:50 • José Pedro Frazão
Como comissário europeu responsável pela pasta da Justiça e Assuntos Internos, António Vitorino, negociou com a Turquia o protocolo que iria abolir a pena de morte no país. 12 anos depois, tudo mudou, incluindo a posição de quem abriu caminho a essa medida.
"Negociei com os turcos a solução de 2004 de abolir a pena de morte. Não foi fácil. A verdade dos factos pode chocar alguns, mas na altura o AKP de Erdogan foi o único que aceitou negociar a abolição da pena de morte. Antes, partidos sociais-democratas, democratas-cristãos turcos, secularistas, tradicionalistas, tinham-se recusado a isso. Houve aqui um acto de grande coragem do então primeiro-ministro Erdogan em abolir a pena de morte”, recorda Vitorino.
“Espantoso é que passados 12 anos assistimos aos mesmos protagonistas que aceitaram acabar com a pena de morte fazerem uma campanha pela sua instauração. É um caminho inexorável", sentencia o antigo ministro da Defesa.
Vitorino não tem dúvidas que a pena de morte vai ser reinstaurada em Ancara. "Está no ADN da deriva autoritária que o regime de Erdogan está a fazer. E quer aplicá-la a estes 'conspiradores", acrescenta o comentador da Renascença.
"Os europeus têm que deixar de ser hipócritas. Estamos cada vez mais longe de uma adesão da Turquia, independentemente da questão da pena de morte. A sua reinstauração será o pretexto para a UE formalmente dar por concluídas as negociações da adesão", antecipa Vitorino.
Laços políticos frágeis
Pedro Santana Lopes prefere sublinhar "a fragilidade dos laços políticos" nos tempos que vamos vivendo. "De um lado, temos um Brexit e do outro um processo de afastamento da Turquia em relação a uma União Europeia que tem motivos para estar muitíssimo preocupada", acrescenta o antigo primeiro-ministro.
Santana assinala que Erdogan, à primeira oportunidade, aproveita para fazer regressar questões que considerava já ultrapassadas e que foram sujeitas a um processo que eliminava reservas que impediam a adesão da Turquia à União Europeia.
E o acordo sobre os refugiados, sobreviverá a esta agitação? " Se o senhor Erdogan não for totalmente suicidário, percebe que não pode cortar completamente com a União Europeia. O preço a pagar pela reinstauração da pena de morte e pelo congelamento de hipóteses de adesão à União Europeia - coisa que não lhe perturba muito - é manter um tipo de acordo sobre os refugiados. Questão mais delicada é os europeus manterem o compromisso de liberalização dos vistos, que dificilmente vai manter-se", opina António Vitorino.