12 jul, 2016 - 19:39 • José Bastos
O embaixador de França em Lisboa atribui especial significado ao gesto do presidente francês lembrando o português morto em Novembro a metros do Stade de France. “François Hollande dedicou o jogo final a Manuel Dias”, aponta.
Manuel Colaço Dias, 63 anos, foi a primeira vítima dos ataques terroristas que deixaram 130 mortos a 13 de Novembro em Paris. O motorista de táxi foi atingido pela primeira explosão nas imediações do estádio. Colaço Dias tinha transportado dois espectadores do França-Alemanha.
Jean-François Blarel, em entrevista à Renascença, elogia a organização do europeu de futebol e destaca o sucesso no plano da segurança. Com o esperado fair-play diplomático, Jean François Blarel sublinha que o triunfo da selecção portuguesa é justo “depois de anos de espera”. “O resultado deu razão ao embaixador Robert Sherman”, concede Jean-François Blarel, numa alusão ao representante diplomático dos Estados Unidos.
Nestes tempos de enorme visibilidade do futebol, como olha para a final do Euro?
Como residente em Portugal estou naturalmente muito contente com o sucesso da selecção nacional. Este campeonato foi um grande sucesso de organização. Devemos esse sucesso aos organizadores, UEFA e FPF. Também foi um sucesso no plano da segurança e aí não só para as forças francesas, mas europeias. Havia ameaças terroristas, mas também de elementos anti-sociais sempre presentes quando há grandes massas. Registaram-se, é verdade, alguns incidentes. Todos lembramos Marselha no início da competição, mas depois com o reforço da segurança não se registou esse grau de violência. Mas também como resultado da cooperação com outros países que enviaram agentes para detectar esses elementos de risco.
A ausência de acções terroristas é a grande vitória deste Europeu?
Sim. Estou de acordo. Devo lembrar que o Presidente francês François Hollande dedicou o jogo da final ao cidadão português Manuel Colaço Dias. Manuel Dias, o motorista profissional, residente em França, que foi morto a 13 de Novembro nos ataques terroristas nas imediações do Stade de France. Foi um momento triste, mas uma homenagem de enorme carga simbólica. Eu próprio participei no sul de Portugal (Corte do Pinto, Mértola) nas suas exéquias fúnebres e ouvi testemunhos de ser uma boa pessoa, uma pessoa muito justa, um grande adepto do futebol, um grande fã do Sporting Clube de Portugal e pareceu-me muito importante que tenha estado presente na memória de todos os espectadores da final.
Manuel Colaço Dias, de 63 anos, foi a única vítima dos atentados junto ao Stade de France. Vivia há décadas em França como milhares de portugueses. O Euro vai conferir maior visibilidade a essa comunidade?
É importante que Portugal tenha alcançado um título deste grau de importância. No passado sempre teve equipas fortes, mas sem este sucesso. É justo obter a vitória depois de anos de espera de todo um povo. Na final, vimos muitos portugueses que viajaram de Portugal, mas também a viver em França. O triunfo desportivo foi um enorme motivo de orgulho para estes portugueses muito bem integrados na sociedade francesa. Os portugueses deram uma contribuição muito significativa na reconstrução económica de França nos anos 60 e a visita do presidente e do primeiro-ministro português em Junho foi muito importante.
No domingo foi a segunda oportunidade num mês de sublinhar e acentuar a importância da comunidade portuguesa em França.
Vai também nesse sentido a visita de François Hollande, dia 19, a Lisboa?
Sim. O Presidente Hollande vai estar aqui também com muitos representantes da comunidade portuguesa a viver em França para sublinhar essa importância no relacionamento bilateral.
Voltando ao futebol. A selecção portuguesa conta com futebolistas nascidos na França e em outros países – tal como a França de 1998. Há aqui uma metáfora do que é a Europa da inclusão. Dois dos países mais antigos têm as selecções ”mais modernas”?
Sim. Acho que as duas selecções mostraram essa imagem de inclusão, pluralidade e de integração. O fenómeno também é visto noutras selecções europeias. Mas a final envolvendo duas equipas com tamanha diversidade foi um exemplo para toda a Europa e também para aquela parte dos nossos concidadãos europeus mais “tímida” face a esta nova realidade: a mutação das nossas sociedades.
Numa nota mais pessoal, sendo o senhor o embaixador do país que perdeu no país que venceu foi muito confortado pelos seus pares do corpo diplomático?
Na embaixada recebemos muitas mensagens de cidadãos portugueses felicitando-nos pela organização do campeonato. Como sabem também o primeiro-ministro português felicitou a França pela organização. A vitória portuguesa foi também pretexto para uma intensa troca de mensagens entre os dirigentes portugueses e franceses e mostrou bem a amizade profunda não só entre os nossos povos, mas como entre os nossos políticos.
Durante a competição, o embaixador dos EUA em Lisboa, Robert Sherman, teve grande visibilidade como apoiante da selecção. O embaixador da França vai ter alguma palavra especial para o embaixador dos Estados Unidos?
Não [risos]. Era um campeonato europeu. Vivendo aqui em Portugal parece-me muito normal o que o meu colega norte-americano tenha marcado dessa forma a sua preferência por uma vitória da selecção portuguesa. O resultado da final deu-lhe razão. [risos]
Mas com toda a boa sorte que o embaixador Sherman parece arrastar, vai ficar a torcer para que seja nomeado embaixador em Paris?
Vamos ver... [risos] Será uma decisão do próximo presidente dos Estados Unidos.