30 mar, 2016 - 20:36 • João Carlos Malta
Três polícias feridos e duas mulheres de etnia cigana baleadas. A zona 6 das Galinheiras, na Ameixoeira, nos limites de Lisboa, foi na noite de terça-feira palco de uma cena de violência que transportou a atenção mediática para aquele bairro.
A Renascença foi às Galinheiras ouvir as associações que trabalham no terreno. Caracterizam o bairro, quem ali vive, os problemas sociais, a relação com a polícia. E falam do futuro: estão preocupadas com as consequências do tiroteio nas relações entre polícia e comunidade cigana.
Publicamos em discurso directo os relatos de Sek Sar, presidente da AGEDI (Associação do Grupo Esperança por Direitos Iguais); Joana Assunção, técnica da AGEDI; César Parreira, administrador do Centro Paroquial da Charneca (antigo nome das Galinheiras); e Sandra Bento, técnica de um centro de apoio à comunidade ligado à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Quem vive no bairro?
Joana Assunção: “Há muita multiculturalidade, africanos, ciganos e portugueses.”
Sek Sar: “São os portugueses brancos que estão em maioria. Mas também há pessoas das ex-colónias, da Mauritânia, do Togo. As pessoas que se vêem na rua são maioritariamente ciganos e isso ilude um bocado. Apesar de não poder dizer que toda a gente se dá com toda a gente, não penso que haja um problema de relação entre as várias comunidades.”
Como é o ambiente no bairro?
Joana Assunção: “A insegurança tem sido crescente ao longo dos anos. A imagem que é passada talvez seja exagerada. Há alguns conflitos com armas, como aconteceu agora, mas não é nenhuma trincheira.”
“Estamos a falar de uma população muito envelhecida, mas também muto jovem. A vida muito feita nas ruas. Há muitos desempregados”.
César Parreira: “É uma zona pobre. É um bairro com problemas sociais, mas há pessoas que têm uma vida remediada. [O bairro] Está ligado ao tráfico de droga, ao armamento ilegal, como demonstram algumas acções da polícia. E [tem] uma vida que está ligada à dependência de subsídios. A realidade é insuflada quando passa para fora, mas tem um fundo que é verdade. Mas estes são bairros que têm mais fama do que proveito.”
Sek Sar: “Nem tudo é um mar de rosas, não vamos dizer que está tudo bem. Mas não está tudo mal. As coisas estão a mudar, mas ela tem o seu ritmo. Mas há responsabilidade da comunicação social de passar os factos como eles são”.
Como foi feito o realojamento das famílias no bairro?
Joana Assunção: “O realojamento das famílias de etnia cigana foi abandalhado porque há muitas famílias que têm desentendimentos e muitos dos realojamentos não tiveram isso em conta. O que também propicia relações de mais conflito.”
Sek Sar: “Há famílias que vieram da Quinta do Louro [Lisboa], do Vale do Forno [Odivelas], e que foram postos sem mais nem menos. Não houve preocupação da Câmara [de Lisboa] de fazer integração dessas famílias. Faltou criar dinâmicas comunitárias”.
É uma zona de exclusão?
Joana Assunção: “Não deixa de ser uma zona esquecida de Lisboa. Não há transportes, por exemplo, e se há muitas pessoas novas também há pessoas mais velhas. E elas não têm transportes para ir ao hospital e ao centro de saúde. É uma bola de neve que transforma o bairro num gueto.”
“Quando há movimento as pessoas controlam-se e policiam-se umas as outras.”
Qual é o nível de escolaridade médio?
Sandra Bento: “A população recorre a nós para ler e interpretar documentos, muitos deles muito básicos. É uma população que tem uma escolaridade baixa. Tem dificuldade de interpretar. Nós tentamos dar novas competências às pessoas para que possam se reinserir no mercado de trabalho.”
Quais são os problemas sociais mais graves?
Joana Assunção: “Há situações graves de pobreza e carência económica. O desemprego não é o único problema.”
Sek Sar: “A pobreza e o desemprego não justificam tudo. Se não tenho emprego [é] mais um motivo para tentar procurar um emprego ou fazer trabalho comunitário. Há falta de conhecimento do vizinho do lado. Há falta de cidadania. Há falta de tolerância.”
Como é a relação entre a polícia e comunidade cigana?
Joana Assunção: “Tirando o policiamento comunitário introduzido há dois anos, e que é semelhante ao policiamento porta-a-porta, não há uma relação muito boa entre a população e os agentes da polícia, e vice-versa. [O policiamento comunitário] É importante para desmistificar a ideia de que a polícia é só para bater, como muitas vezes a população estava habituada. É preciso mudar a ideia de que a polícia só entra com viaturas de intervenção e polícia de choque.”
César Parreira: “A população tem a presença da polícia como pouco simpática. É um problema de comunicação entre as duas partes. A polícia é tida como o inimigo. Esta situação [o tiroteio de terça-feira] não vai ajudar nada. E se não houver moderadores, quer dentro da população, quer junto dos responsáveis da polícia, não vai melhorar. Há problemas de comunicação mesmo quando ela é não-verbal. Foi o que aconteceu neste último caso. Enquanto houver memória haverá uma mágoa por parte da comunidade cigana, duas vítimas são daquela etnia. Mas isto é muito mais antigo, a polícia e etnia cigana têm uma história longa de problemas de comunicação – de uma parte e de outra.”
Sek Sar: “Houve nos últimos tempos um trabalho com a polícia que visou melhorar a relação entre as autoridades e a população e estou um pouco frustrado com o que aconteceu. Criar a confiança novamente entre os moradores e as autoridades é muito difícil, senão quase impossível. Essa confiança demora anos e anos e anos a construir.”