Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

Reportagem

Cuidados paliativos. Família é a grande âncora emocional para minimizar a dor

15 out, 2015 - 12:27 • Olímpia Mairos

Na Unidade de Cuidados Paliativos de Vila Pouca de Aguiar, as famílias podem acompanhar os doentes 24 horas por dia.

A+ / A-

Maria Armanda Lage tem 80 anos. É doente oncológica. Está na Unidade de Cuidados Paliativos de Vila Pouca de Aguiar, do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Está sentada no cadeirão do quarto. Bem-disposta, recebe-nos com um sorriso no rosto. Após os cumprimentos iniciais, começa por dizer que se sente bem e que ali “as pessoas são todas atenciosas e muito cuidadosas”.

Questionada sobre a possibilidade de ter o marido por perto, como ajuda à recuperação, Maria Armanda responde sorridente e em tom incisivo: “Ele dorme aqui. A senhora doutora faz o favor de pôr aqui a cama para ele dormir comigo. Comigo não! Na cama ao lado!”, brinca.

É quase como se estivessem em casa. “Acompanha-me sempre. E, desde que eu estou doente, mais ainda. Tenho mesmo necessidade do apoio dele.”

Jorge Lage, de 84 anos, permanece ao lado da esposa 24 horas por dia. Na unidade, como em casa, é o apoio, o ombro amigo.

“Estou a acompanhá-la porque ela sem mim não é nada. Precisa de mim muitas vezes, de noite, para se levantar. Se eu não estiver, ela não faz nada. Está habituada a que eu a acarinhe, que eu trate com ela e ela comigo. Não se pode ver livre de mim.”

Jorge Lage refere a importância de poder estar junto da esposa debilitada, “porque moraliza muito o doente” e porque “o doente está mais à vontade com um familiar”.

Não muito longe, num outro quarto, está Joaquim Sequeira, 78 anos, a acompanhar a esposa Leopoldina Moreira, de 75 anos. “Sou de longe, da Régua, e o dinheiro é pouco para as viagens. Para ir e vir e comer alguma coisa é um dinheirão. A reforma não dá porque nem chega aos trezentos euros”, lamenta.

As dificuldades económicas são minimizadas pela possibilidade que a Unidade de Cuidados Paliativos de Vila Pouca de Aguiar concede a Joaquim de “estar mais perto de quem se ama”.

“Desta forma a pessoa doente sente-se mais confortada e o familiar sente-se mais tranquilo, sobretudo nesta fase terminal em que ela [a esposa] sofre muito, porque tem um cancro nos intestinos.”

O papel da família “quando a doença induz muito sofrimento”

Na Unidade de Cuidados Paliativos de Vila Pouca de Aguiar as famílias podem acompanhar os doentes 24 horas por dia.

“Podem dormir aqui, podem fazer as refeições por tempo indeterminado, enquanto o doente estiver aqui, podem participar nos cuidados ao doente e isso é muito importante. Podem acompanhar o doente em passeios que desejem fazer fora da unidade, desde que tenham condições clínicas para que isso possa ser feito em segurança”, explica a coordenadora da unidade, Anabela Morais.

A médica considera que “a família é fulcral nesta fase de vida, quando a doença induz muito sofrimento, muita dependência, quando se perspectiva um fim de vida”. Mais: “A família é a grande âncora emocional, a grande âncora dos afectos do doente”.

“Quando um doente está em fase final de vida, [a família] é que tem interesse, é aquilo que é relevante. Não podíamos de forma alguma esquecer isso e privar os doentes dessa componente”, conclui.

E a aprendizagem que a família faz durante a permanência na unidade também “facilita o regresso do doente a casa”.

O objectivo central dos cuidados não é a doença, mas o doente

A unidade de cuidados paliativos de Vila Pouca de Aguiar tem 12 camas. Acolhe doentes terminais ou com doenças crónicas incapacitantes. Trata-se de um serviço que pretende dar uma melhor qualidade de vida aos doentes e às famílias.

Anabela Morais explica que os doentes com indicação para virem para esta unidade de cuidados paliativos “não são só os que estão em fase final de vida” ou “aqueles que necessitam de um suporte para terem um fim de vida digno, sem sofrimento, com o mínimo de conforto”, mas “todos os que não estando em fase final de vida beneficiam de um controlo eficaz do seu sofrimento, que muitas vezes extravasa a dimensão física”.

“O objectivo central dos nossos cuidados não é a doença. O objectivo central dos nossos cuidados é o doente”, enfatiza.

E para isso trabalha uma equipa multidisciplinar constituída por vinte e quatro profissionais. “Somos internistas com formação em medicina paliativa, dois psicólogos, um nutricionista, uma assistente social, um orientador espiritual e a equipa de enfermagem”.

E ao assistente espiritual, neste caso o padre António Paulo, cabe um papel muito importante não só junto do doente, mas também dos familiares, “dando algum conforto, celebrando o sacramento da unção dos doentes e também ajudando a família a lidar com estas situações”.

Para o sacerdote, é fundamental “as pessoas terem esta assistência física, no tratamento da dor, mas também serem acompanhadas até ao limite de uma forma espiritual”.

O acompanhamento espiritual “consegue reaproximar alguns laços que estavam quebrados, reconciliar, unir e estabelecer pontes”, contribuindo para “recentrar o valor da vida e da pessoa naquilo que ela é, na sua essência”.

“É mais do que um trabalho pastoral. É reconhecer verdadeiramente e recolocar no centro a pessoa humana e a vida da pessoa humana”, sublinha o sacerdote.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • ilda fenandes
    04 fev, 2018 Nozelos Valpaços 10:50
    o meu marido esteve enternado nos cuidados paliativos em Vila Pouca De Aguiar do 29/12/2017 ao 10/01/2018 encontra se que nao tive apoio algum da parte das médicas e assitente social o meu marido foi internado em fase terminal de cancaro do pulmao generalisado uns dias depois o meu marido melhorou e disseram me que o meu marido ia ter alta e que tinha de encontrar alguém para me ajudar ou mete lo num lar pedi que me dessem tempo para encontrar uma soluçao procuraram quanto tempo eu vivo numa aldeia onde nao é facil encontrar alguém como é que eu pudia saber quando ia ter soluçao todos os dias me procuravam se ja tinha arranjado alguém acabei por encontrar um lar o meu marido faleceu 13 dias depois ( pergunta as sras dras era preciso andar com um doente naquele estado aos tombos ? é normal que no dia que teve alta a medica nao viesse fazer a visita e falar com os familiares ? ) os cuidados paliativos sao 5 estrelas em instalaçoes e enfermeiras e auxiliares as medicas foi uma desilusao
  • M. Goncalves
    27 out, 2015 Canada 16:11
    Para mim e' uma grande alegria; em saber que o meu povo ; os mais nessecitados; estarem a ser cuidados com o que merece, os acompanhamentos em todo o seu conjunto; a todo este pessoal deixo o meu obrigado;; e a continuacao
  • maria leopoldina l
    17 out, 2015 arruda dos vinhos 16:27
    Eu adoro trabalhar com idosos tenho expriénçia
  • JMARTIN
    15 out, 2015 Lisboa 16:13
    Por experiência própria, acompanho muito este tema com enorme interesse. Sendo filho único e com o meu Pai já falecido, a minha Mãe adoeceu subitamente com um cancro. Tive três meses e meio em casa a apoiar 24 horas a minha Mãe dando todo o carinho e amor. Fomos quase diariamente ao Hospital e a consultas para o controle e os tratamentos necessários. Depois dos 3 meses e meio sensivelmente, estava de rastos fisica e psicologicamente, ao ver a minha querida Mãe a ser derrotada pela doença. Desde o primeiro dia que fiquei em casa a tomar conta da minha Mãe, além da minha Família longe, de alguns Médicos e de alguns amigos, o único apoio externo que tive foi do meu Patronato que teve a sensibilidade de ajudar os dois - eu sei, algo fora do normal mas aconteceu. Como trabalhador e com descontos à mais de 20 anos, pedi na altura Baixa para assistência a um familiar que me foi negado. Depois de eu estar esgotado, tive que pedir à minha Médica de Familia apoio psicologico e que coloca-se a minha Mãe num hospital com cuidados paliativos terminais o que passado dias consegui na Idanha (Belas). Tenho tudo para dizer bem de todos os que trabalham nesse Hospital, tendo eles todo o cuidado com a minha Mãe e também comigo. Sou 100% a favor dos Cuidados Paliativos. Todos merecem ser respeitados e viverem e morrerem com dignidade e não serem abandonados quando mais precisamos. Como a minha história verídica e marcante há milhares e algumas sem qualquer ajuda.

Destaques V+