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Quase todas as crianças pobres não entram na creche

15 mai, 2024 - 11:00 • João Carlos Malta (texto), Salomé Esteves (infografias)

O relatório do Balanço Social de 2023 faz um retrato à pobreza em Portugal. As crianças são um grupo de risco e as creches e os jardins de infância continuam a não responder às necessidades. Ser imigrante, por outro lado, duplica a probabilidade de ser pobre.

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Oito em cada dez crianças pobres não têm acesso a uma creche e, entre os quatro e os sete anos, os menores mais pobres são as que menos frequentam o pré-escolar. Esta é uma das conclusões do relatório Portugal Balanço Social 2023, elaborado por três investigadores da Nova Business School.

“A escolaridade tem um papel importante na mitigação da transmissão intergeracional da pobreza”, alertam os responsáveis pelo estudo.

A medida das creches gratuitas implementada em 2022, não tem ainda repercussão nestes números agora divulgados. “Vamos ter de esperar uns anos para que isso se veja nos dados”, defende à Renascença, Susana Peralta, uma das investigadoras responsáveis pelo relatório.

“É uma medida muito meritória [as creches gratuitas], mas ainda não se veem resultados no curto prazo”, acrescenta.

A investigadora defende ainda que além de a creche não chegar a todas as crianças, são as que mais precisavam as que menos acesso têm.

“As crianças que mais têm a ganhar com este tipo de oferta gratuita de creche e pré-escolar são as de contextos mais desfavorecidos, onde o ambiente em casa não leva à aquisição de aprendizagens cognitivas e não cognitivas”, afiança.

Portanto, “havendo poucas vagas, devíamos dar lugar aos mais pobres e o que vemos dos dados é o contrário”.

O aumento na prevalência da pobreza, segundo o estudo assinado por Susana Peralta, Miguel Fonseca e Bruno Carvalho, reflete-se em todos os grupos etários, mas atinge sobretudo as crianças, cuja taxa de pobreza aumentou 2,2 pontos percentuais face a 2022.

Imigrantes têm mais probabilidade de cair em situação de pobreza

Ser imigrante é também um fator de risco de pobreza em Portugal. Os números indicam, revela o relatório, que esse risco é quase duas vezes superior. A taxa de pobreza entre os nacionais e de 16,1% e de 28,5% nos estrangeiros.

Em 2023, a taxa de risco de pobreza, de forma global, subiu de 16,4% para 17%. O número de pessoas em risco de pobreza aumentou 60 mil.

“Alguma questão relacionada com o mercado de trabalho pode ter levado a um aumento da pobreza que se vê nestes dados mais recentes nesta fase mais avançada da crise inflacionária e com o aumento das taxas de juro”, concretiza à Renascença, Susana Peralta.

E se a situação dos mais novos não é boa, há outro grupo etário também vulnerável. A população com mais de 65 anos tem uma taxa de risco de pobreza de 17% em 2022, um valor superior à média nacional (16,4%), o que significa que há, em 2022, 416 mil pessoas com mais de 65 anos que são pobres.

A inflação: um mal assimétrico

Uma outra conclusão importante do estudo é de que o aumento exponencial da inflação afetou sobretudo os mais pobres. “A percentagem de pessoas pobres com privação ou privação severa aumentou entre 2021 e 2022, em contraste com a diminuição da privação entre os não pobres”, salienta este relatório.

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"As crianças que mais têm a ganhar com este tipo de oferta gratuita de creche e pré-escolar são as de contextos mais desfavorecidos, onde o ambiente em casa não leva à aquisição de aprendizagens cognitivas e não cognitivas", Susana Peralta, investigadora da Nova Business School

“Conseguimos demonstrar como a inflação provocou efeitos assimétricos entre pessoas pobres e não pobres”, Susana Peralta, uma das investigadoras responsáveis pelo relatório. “A inflação coloca as famílias pobres numa situação de grande fragilidade”, acrescenta.

Nest período, aumentou também a percentagem da população pobre sem capacidade para aquecer a casa, para assegurar uma despesa inesperada, para pagar uma semana de férias, para comer proteínas em dias alternados, para substituir móveis usados, para comprar roupa, para encontros sociais uma vez por mês, ou para adquirir computador.

O estudo sublinha que não aumentou a percentagem de pessoas com atraso no pagamento da hipoteca ou de contas mensais como água ou eletricidade, “o que poderá resultar das medidas de mitigação implementadas pelo governo”.

Em contraste, podemos ler que na “população não pobre, há uma diminuição generalizada da privação, à exceção da capacidade para refeições proteicas em dias alternados, que aumenta em 0,6 pontos percentuais”.

Pobres não acreditam nas instituições

Numa outra dimensão, podemos ver também a quase total ausência de crença que os mais pobres têm nas instituições. O critério, neste caso, para definir pobres é o da dificuldade que os inquiridos revelaram em pagar contas de forma regular. Representam 18,5% da população.

A quase totalidade deste grupo, mais concretamente 97%, não confia nos partidos. Também 82,5% não tem confiança na Justiça e, por fim, 66% não acredita no Governo e nas autarquias.

“Na Justiça quem tem dificuldade de pagar as contas tem quase o dobro da falta de confiança do que quem não têm dificuldade nenhuma em pagar as contas”, detalha Peralta.

Susana Peralta diz que há um deslaçar da confiança dos mais pobres nas instituições e “isso levanta várias questões em relação à qualidade da democracia e abre campo fértil para a concretização de certos projetos políticos que colocam eles mesmos as instituições possam ter sucesso”.

Já se olharmos para as atividades associadas a um estilo de vida saudável, a maioria das pessoas em risco de pobreza (quase 60%) indica fazer pouco exercício físico, uma proporção quase 11 pontos percentuais acima da população não pobre. O

Os pobres reportam também mais comummente consumir pouca fruta, ou legumes/saladas (6% e 7%, respetivamente). Por outro lado, o consumo elevado de tabaco é mais significativo entre este grupo (16,4%, o que compara com 15% entre os não pobres), tal como o consumo de bebidas alcoólicas (38,7% para os pobres, 32,4% para os não pobres).

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"Os que têm dificuldades em pagar as contas, 97% não confia nos partidos politicos. Há um deslaçar de confiança nas instituições e isso está concentrado nas populações de maior fragilidade económica", Susana Peralta, investigadora da Nova Business School.

Ainda na saúde, 21,3% das pessoas pobres autoavaliam a sua saúde como má ou muito má; na população não pobre, essa percentagem é de 11,6%. Ou seja, quase o dobro. Os pobres reportam mais doenças crónicas e prolongadas: 50,6%, o que compara com 43,5% para a população não pobre.

Os pobres têm níveis de privação mais elevados, especialmente nos cuidados de medicina dentária, que não são disponibilizados pelo Serviço Nacional de Saúde: 39,3% vs 13,7%.

Insularidade igual a mais pobreza

A prevalência da pobreza é maior nas Regiões Autónomas, que também têm mais privação material e social e mais desigualdade do que Portugal continental. “A taxa de pobreza está quase 10 pontos percentuais acima da média nacional na Madeira, a região com maior taxa de pobreza em Portugal, e 9 pontos percentuais acima da nacional nos Açores”, lê-se no estudo.

O mesmo documento revela que a região com maior desigualdade foi os Açores, que foi também aquela em que a desigualdade mais aumentou face ao ano anterior, seguida da Madeira e do Centro.

A importância das transferências sociais está bem medida em alguns dados apresentados. As pensões são as que têm maior número de beneficiários – recebidas, em 2022, por cerca de 26,5% da população.

O trabalho dos investigadores demonstra que na ausência de transferências, como o subsídio de desemprego, de doença ou as pensões, “haveria mais pobreza e desigualdade”.

O mesmo documento revela que a região com maior desigualdade foi os Açores, que foi também aquela em que a desigualdade mais aumentou face ao ano anterior, seguida da Madeira e do Centro.

A importância das transferências sociais está bem medida em alguns dados apresentados. As pensões são as que têm maior número de beneficiários – recebidas, em 2022, por cerca de 26,5% da população.

O trabalho dos investigadores demonstra que na ausência de transferências, como o subsídio de desemprego, de doença ou as pensões, “haveria mais pobreza e desigualdade”.

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