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Reportagem

A bolota não é um exclusivo do porco. Alfredo quer ver-nos a comê-la

20 mar, 2015 - 10:00 • Cristina Nascimento (texto) e Inês Rocha (vídeo)

Cerveja, café, pastéis, pão, croquetes… tudo de bolota. Alguns empreendedores acreditam que este pode ser um alimento do futuro – ou, em termos económicos, a próxima cortiça. Entre eles está um parente de Álvaro Cunhal.

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Alfredo Cunhal Sendim acompanha-nos pelas suas terras da Herdade do Freixo do Meio, em Montemor-o-Novo. Vê um pedaço de plástico no chão, apanha-o e guarda-o no bolso. "Agora não estamos na época da bolota, só lá mais para Outubro", explica, apontando para uma azinheira.

Vamos a um armazém e Alfredo traz um pacote de café de bolota e outro de bolachas de bolota. Seguimos para a padaria onde a holandesa Rihana tem quase pronto um tabuleiro de pães. Alguns de bolota.

Alfredo acredita que a bolota pode vir a assumir um papel tão relevante na economia portuguesa como a cortiça. Não está sozinho: outros empreendedores estão a apostar neste fruto, geralmente associado à dieta dos porcos.

Produzir muito, consumir pouco
Por altura do 25 de Abril, as terras da herdade foram nacionalizadas, mas na década de 90 foram devolvidas à família. Desde então, Alfredo Cunhal Sendim, parente de Álvaro Cunhal, líder histórico do Partido Comunista, procura recuperar as tradições do montado português.

"A cortiça e alguma produção extensiva de animais são os únicos vectores económicos que se tiram do montado, mas a bolota pode ser claramente mais um", explica.

O potencial económico da bolota será um dos temas a tratar no simpósio que se realiza esta sexta-feira no Freixo do Meio, em Montemor-o-Novo. Mais de 50 pessoas de várias áreas vão partilhar conhecimento sobre este produto alimentar.

 
"Oficialmente, ainda existe em Portugal cerca de um milhão e 100 mil hectares de montado. Na realidade, não é bem assim. O que temos é a estrutura abandonada do agro-ecossistema do montado, que é uma coisa diferente. Mas ainda temos muitos carvalhos que produzem, desde Trás-os-Montes, pelas Beiras abaixo, até ao Ribatejo, Alentejo, Algarve. Só no Litoral é que temos menos carvalhos. No entanto, ainda temos carvalhos em grande dimensão, em grande expressão, em Portugal", relata.

Como tal, Alfredo Sendim não tem dúvidas de que, tal como a cortiça, Portugal podia vir a assumir um papel de liderança na produção de bolota.

"Se não somos o primeiro potencial produtor de bolota do mundo seremos seguramente o segundo…", diz. "A importância da bolota na nossa economia pode ser enorme. É, de facto, um dos recursos alimentares que nós temos maior apetência por produzir e dos que consumimos menos."

O que é que se pode fazer de bolota? Quase tudo, diz Alfredo, com indisfarçável orgulho, enquanto ajeita para a fotografia alguns dos produtos de bolota que recolheu pela herdade.

"Cerveja de bolota, licores de bolota, sopa de bolota, pão de bolota, bolachas de bolota, paté de bolota, hambúrgueres vegetais de bolota, café de bolota, bebidas frias de bolota, iogurte que utiliza a bolota como ingrediente… Já se faz muita coisa e provavelmente poder-se-á fazer ainda mais".

Dar à bolota o lugar que merece
A aposta de Alfredo Sendim na bolota passa por encarar este alimento como uma alternativa inevitável.

"Um dos dramas nutricionais da nossa espécie é a caminharmos cada vez mais para uma monotonia alimentar. Alimentamo-nos basicamente de seis grandes produtos quando temos uma panóplia na natureza centenas de vezes maior", descreve.

Alfredo Sendim lembra também o risco de declínio dos cereais e a necessidade procurar alternativas, como a soja e a mandioca. E "a bolota vai ser seguramente uma dessas alternativas".

Garante não estar sozinho nesta visão. "Quer na Califórnia, quer no sul de França, quer na Grécia, há um re-olhar para a panóplia de alimentos que nós podemos utilizar", diz.

E se a bolota parece ser um alimento do futuro, isso não será mais do que um regresso ao passado.

"O povo lusitano levantou esta nação a comer essencialmente bolota e castanha. Nessa altura, não tínhamos outro tipo de amidos, não tínhamos batata, não tínhamos cereais". Mas o consumo humano de bolota não está perdido na história. Alfredo lembra "que há muita gente viva país que consumiu muita bolota".

"É verdade que esse consumo está associado a períodos de carência e de miséria e, por isso, as pessoas não gostam de o recordar. É um estigma, em termos culturais e sociais, associado a este produto, mas não faz sentido. O produto é extraordinário em termos nutricionais e devemos dar-lhe o lugar que merece", remata.
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