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Lara olhava as estrelas. Agora é a segunda melhor da Europa a fazer mini-satélites

03 jul, 2018 - 17:55 • João Carlos Malta (texto e fotos)*

Numa competição que juntou 18 equipas europeias na ilha de Santa Maria, nos Açores, a equipa de uma escola do Seixal brilhou e houve uma menina de 15 anos que se destacou. Pode ser o início de uma história para se escrever no Espaço.

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Desde pequena que Lara diz que olha para o Espaço com curiosidade. A ideia do desconhecido fascina-a há muito tempo. A hipótese de haver vida fora da Terra sempre foi para ela uma possibilidade muito forte. Não sabe se serão parecidos com humanos, ou apenas fluidos, mas gostava de descobrir.

Na última semana, Lara, de 15 anos, e outros quatro colegas do colégio Guadalupe, no Seixal, participaram no Cansat europeu (competição destinada a alunos entre o 10º e 12º ano a construir um mini-satélite), na ilha de Santa Maria, nos Açores, organizado pelo governo regional açoriano e pela Agência Espacial Europeia. No total, participaram 18 equipas de vários países da Europa, mais uma convidada vinda do Japão, num total de 120 participantes.

A competição desafiou os estudantes do 10º ao 12º anos de escolaridade a desenvolverem um mini-satélite para ser lançado a mil metros de altura e desempenhar missões científicas. Há sempre um objetivo primário, que visa obter dados sobre a humidade e a pressão atmosférica, e um objetivo secundário, que pode ir da área da biologia à físicoquímica e ao software.

Depois de ter vencido a competição nacional, a equipa de Lara chegava aos Açores com a ilusão de ganhar. Na enorme tenda montada para o evento junto ao aeroporto de Santa Maria, a adolescente contou à Renascença a história que os levou ali, uma que começou muitos meses antes.

A ideia e a inovação

Foi preciso partir muita pedra para chegar à pergunta que foi o pontapé de saída do projeto que levaria este grupo de alunos portugueses a serem os segundos melhores da Europa na construção de um pequeno satélite. “Há algum tipo de vida fora da terra?”

Sabem que a questão é muito ambiciosa. A latinha que enviarão aos céus não sairá da atmosfera e esta primeira missão apenas lhes dará a possibilidade de perceber se o cansat que construíram fornecerá dados que possam aplicar noutros planetas.

“Apercebemo-nos de que queríamos estudar outros planetas e para isso selecionámos algumas características como temperatura, pressão, humidade e magnetismo. A temperatura e pressão são partes da missão primária, que são iguais para todos e que encaixámos na nossa missão, mas os outros são parte da nossa missão secundária”, explicou Lara no primeiro dia da competição.

A estrela da equipa portuguesa foi uma antena “automática e que tem polarização circular”, que por essa razão aponta sozinha para a “lata sem precisar que ninguém a direcione”. Mais tarde, o presidente do júri, o cientista Manuel Paiva, que fez carreira na Universidade Livre de Bruxelas, diria que a inovação foi brilhante porque “nunca ninguém o tinha feito”. “É um elemento muito importante.”

Mini-cientistas irreverentes

Todas as equipas em competição fizeram-se acompanhar por um professor. O docente da escola do Seixal é Dário Zabumba. Diz que a principal dificuldade de trabalhar com “mini-cientistas” é “gerir timings”, algo que “as pessoas com esta idade têm dificuldade” em fazer.

O projeto começou a ser preparado há seis meses e implicou encontros semanais às sextas-feiras à tarde, quando todos os elementos da equipa tinham tempo livre. Duas a três horas, mas que depois se multiplicavam em mais horas de troca de ideias permanente.

“A maior dificuldade é a gestão de tempo. Este projeto abriu-lhes essa visão de que sozinhos não conseguimos fazer nada e um projeto desta envergadura implica áreas que eles não dominam, nem eu próprio, como a programação. Precisa de especialistas.” Foi por isso que pediram ajuda ao Politécnico de Setúbal. “Ajudaram-nos imenso”, revela o professor.

Num projeto complexo, cada elemento tem a sua missão. Lara, aluna da área de ciências, é o elemento do grupo que tem a visão mais geral de tudo o que acontece.

“Sou a responsável pelas apresentações, não sei explicar coisas em específico de programação, mas sei o básico de tudo, de programar, de como é que a antena funciona, como é que ela mexe, como vamos medir, como é que se analisa. Fui aprendendo tudo, até como se faz um poster cientifico e apresentações”, explica a jovem.

Os outros

Na tenda ouvem-se ainda os berbequins, são os últimos testes técnicos ao satélite e há sempre uma derradeira soldadura para que nada falhe. Ali mesmo ao lado está a equipa espanhola. É Luna quem se levanta para explicar o projeto.

“Na zona de carga meteremos uma bola que tem um acelerómetro. Quando acharmos oportuno abriremos o cansat e a bola cairá ao solo. Depois vamos interpretar esses dados e assim poderemos analisar a natureza do solo em que caiu”, avança a jovem, que viajou de San Sebastian para aqui estar.

Luna diz que esta é a sua primeira experiência a trabalhar com coisas ligadas ao Espaço e à tecnologia. Para já, aprendeu a trabalhar em grupo, “mas também problemas técnicos de como construir um para-quedas e o que é um chip, como programá-lo e fazer com que tudo funcione”.

Um pouco mais à frente a equipa norueguesa, AnaCanSkywalker, é capitaneada por um jovem de 18 anos. Alto, cabelos longos, vai dizer que para construir um mini-satélite o principal problema é “que consome muito tempo”.

“Nunca tinha programado e esta foi a primeira vez. Tive de aprender e encontrámos muitos problemas que não parecem lógicos”, revela. “A mais-valia será aprender a fazer não apenas lendo, mas fazendo mesmo.”

Três, dois, um… ignição

No segundo dia, a competição avança da tenda para o terreno. É o momento mais esperado, o do lançamento dos satélites. Mas não o mais decisivo, esse será o das apresentações finais em que os jovens vão discutir os resultados com o júri.

Num descampado a pouco metros do mar, há a zona da “ground station”, onde as equipas instalam os equipamentos para receberem os dados que a “latinha” enviará. Há uma parafernália de antenas e de computadores. A ansiedade é grande.

Umas centenas de metros mais à frente está um lança-rockets, onde são acoplados os satélites que têm um para-quedas para que possam cair “esperançosamente” perto da zona onde a equipa está.

“Falta um minuto”, lança do megafone o professor Duarte Cota, açoriano que este ano integrou a organização do evento depois de três participações na competição e uma vitória europeia à frente da equipa da escola profissional em que leciona.

O nervosismo da equipa nacional aumenta. Mais de meio ano de trabalho será testado em poucos minutos. Tudo parece correr contra eles. O vento acelerou naquela tarde, a chuva apareceu. As folhas em que estão escritos todos os procedimentos voa. Pior, uma antena cai no chão e parte-se. Ainda tentam resolver, mas não há nada a fazer em tão pouco tempo. A redundância de dados que procuravam deixa de existir.

O lançamento dá-se e, poucos segundos depois, novo revés. Deixam de receber os dados. A agitação aumenta, não se percebe o que está a acontecer. Perde-se o contacto visual com o cansat por momentos, até que de repente se vê o para-quedas da equipa nacional a ganhar cada vez mais elevação, ao invés de descer como era expectável. Com o objeto a dirigir-se para o mar, a sua perda parece irremediável.

Lara está desanimada. “O tempo não ajudou nada desta vez. Apanhámos os primeiros segundos da subida do rocket, mas depois perdemos o sinal e uma das antenas e logo que chegámos veio uma rajada de vento que a deitou ao chão e partiu-se.”

Naquela altura ainda não sabia porque tinha perdido a ligação. “Testámos montes de vezes. Estava tudo testado, não sei o que aconteceu”, lamenta. “O cansat acabou no mar, esperemos que os tubarões façam bom proveito dos nossos dados”, acrescenta, desiludida.

Mais tarde percebe-se que, na propulsão do solo, a latinha se soltou do rocket e caiu. Foi recuperada mais tarde através dos dados do GPS. Isso justificou os poucos segundos de transmissão de dados.

A equipa nacional sofreu um revés, mas não uma derrota. Os lançamentos eram importantes, mas a apresentação final era mais importante. Lara estava confiante de que podiam dar a volta. E o professor Dário também. Ambos sabiam que as apresentações eram um ponto forte da equipa.

A ideia de que a importância é da leitura dos resultados e não do resultado em si é partilhada pelo professor Duarte Cota, que em 2016 levou uma equipa dos Açores à vitória europeia.

“O ponto mais alto da competição do cansat são as apresentações dos resultados finais. Começa com a ideia de uma missão que vamos realizar e que tem de caber nos requisitos do concurso. Embora isto seja uma simulação de um projeto, está desenvolvido para que seja tal e qual como um satélite real.”

O professor Cota está convencido, através da experiência que ganhou, de que esta é uma competição que se vence “antes de se chegar aqui”. “Aqui vimos apenas mostrar que somos vencedores”, defende.

Numa competição que custou 100 mil euros, o secretário regional do Mar, Ciência e Tecnologia, Gui Menezes, salientou que dada a propensão dos Açores para a área do Espaço faz todo o sentido que seja a ilha de Santa Maria a receber este evento.

“A participação de jovens e da comunidade escolar em competições como esta, relacionadas com as tecnologias espaciais, é muito relevante em regiões como os Açores, onde já estão em desenvolvimento vários projetos relacionados com o Espaço”, afirma Gui Menezes.

A importância de uma história

No dia seguinte, Lara brilhou. A apresentação final de todas as incidências impressionou o júri. A maturidade e desenvoltura ficaram na memória.

“A apresentação correu muito bem, vieram ter comigo dizer que estava muito boa. Gostei de a escrever e de a pensar. Deu pica ter todas as controvérsias para contar e ter uma história.”

E durante este concurso aprendeu mais uma lição. “Nunca devemos perder a esperança e perceber o que aconteceu. Fiquei muito feliz por reconhecerem.”

Umas horas mais tarde viria a recompensa, um segundo lugar e a ideia de que “todos os dias valeram a pena e deram resultado”. A equipa nacional só foi batida pela Irlanda.

O presidente do júri, Manuel Paiva, viu ali uma demonstração de um novo Portugal, simbolizado em Lara.

“É um exemplo monumental para os jovens portugueses”, remata o professor universitário de 75 anos. “Emociona-me ver de onde vem este país e o potencial que tem

(*o jornalista viajou a convite do Governo Regional dos Açores)

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