De "uns e-mails e umas jantaradas", nasceu um festival de cinema e bola em Lisboa

No princípio era a bola. Depois veio o cinema. Demorou seis anos a passar do papel para a realidade, fruto de uma carolice recheada de paixão sem limites pelo futebol e pela sétima arte.

Quando as duas se juntaram, há já muitos anos, gerou-se a semente no pensamento de três amigos que, "pelo meio de uns e-mails e umas jantaradas", acharam que seria "giro fazer um festival de cinema e futebol", com debates e exposições pelo meio.

Nascia, ainda em fase embrionária, o "Offside Lisboa" (veja aqui o programa). A edição zero arranca esta sexta-feira e prolonga-se até domingo, em várias salas de cinema improvisadas pela capital fora.

"Metemos as mãos à massa e fomos descobrindo que havia outros festivais noutros países - o 11mm, em Berlim; o Kickin & Screening, em Nova Iorque; o La Lucarne, em Paris; o Cinefoot, no Rio de Janeiro, ou o Offside Fest, em Barcelona. Já mais recentemente o Porto passou a ter um - o Cine Futebol Clube -, que vai este ano para a terceira edição", conta à Renascença João Tibério, uma terceira parte da organização que conta, também, com Carlos Miranda e Aires Gouveia.

"Até lá abaixo" ou como uma aventura trouxe um festival de cinema e bola a Lisboa

O filme bandeira, em forma de documentário 100% português, é "Até lá abaixo - o outro lado do Mundial de futebol em África", que conta a aventura de três portugueses que acompanharam o Campeonato do Mundo de 2010, na África do Sul.

Os pontos de contacto são mais que muitos com a forma como o "Offside Lisboa" foi desenvolvido. Sem grande apoio logístico, nesta edição zero, Tibério, Miranda e Gouveia andaram literalmente a colar cartazes por toda a cidade, dia e noite adentro.

"Tem uma analogia com o nosso festival", prossegue João Tibério. "São três amigos que se atiram numa aventura e decidiram fazer uma viagem pela África do Sul durante o Mundial 2010. Começou por dar origem a um livro e surgiu este ano o documentário, que mostra mais algumas histórias e dá um outro olhar dessa viagem. Existe esse paralelismo entre três pessoas que se atiram para um projeto. O nosso não sai de Lisboa mas, através do cinema, em Lisboa, tenta ver o mundo; o deles passa por ver África e como África vê o mundo e o futebol", salienta o organizador, apontando o festival de "cinema e bola" como a evidência de que "é possível, através do futebol, pensar a sociedade - a atual e a do passado, para ver se aprendemos com os erros do passado."

Numa altura em que o futebol português continua recheado de focos de tensão e crispação, o "Offside Lisboa" pretende mostrar aquilo que de bom nos conta a história do desporto-rei e debater o que de mal há ainda por corrigir.

"Uma parte desta ideia é fugir a este imaginário muito conflituoso que tem afastado as pessoas do futebol. Muitos dos filmes que escolhemos, o habitual nestes ciclos, mostram a essência do futebol. A bola pode ser um ator ou atriz do filme, mas não precisa de ser o principal. Pode ser o motivo para se discutir outras coisas, como racismo, como se vive o futebol em Cuba ou a homofobia no futebol. Ou seja, a bola ser um tema para pensar outros assuntos."

Do "micro" para o "macro". As pequenas estórias que definem a História

Se a missão passa por retratar o futebol pela vertente inspiradora, nada melhor do que pegar nas pequenas estórias que definem a História deste desporto que reúne milhões de adeptos em todo o mundo.

"O canhoto: a vingança do 'outsider'" [traduzido do "El Zurdo: the revenge of the underdog"] conta a ascensão triunfal do atual selecionador da Argentina. Bancário de profissão, há muitos anos acumulava o emprego com o cargo de treinador nos escalões inferiores do futebol do país das "pampas".

"O exemplo do Sampaoli é um dos filmes mais interessantes, porque desconstrói o imaginário de que toda a gente quer ser um jogador de futebol de sucesso mas treinador nem tanto. A maior parte das pessoas tem um trajeto tramado e tremendo para atingir aquele nível. Jogar nas divisões inferiores não tem nada a ver com o mundo de magia de um Ronaldo ou de um Neymar desta vida. As escolhas que Sampaoli teve de fazer - treinar depois de trabalhar -, mostra o que é o mundo do futebol", explica João Tibério.

De amanhã até domingo, a organização do "Offside Lisboa" espera uma "afluência interessante". Uma previsão, entre risos, que não compromete João Tibério. "Vamos ter algumas salas bem compostas e uma ou outra pode esgotar."