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Casa Morgado Esporão: um “refúgio” em Évora para investigadores

23 abr, 2018 - 10:27 • Rosário Silva

“Évora está para Lisboa como Oxford e Cambridge estão para Londres”. O investigador Miguel Bastos Araújo transformou um palacete devoluto numa espécie de “college” para mimar cientistas de todo o mundo.

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Viajou, estudou e trabalhou um pouco por todo o mundo. Atualmente vive em Madrid onde é investigador no Museu de Ciências Naturais do CSIC (Conselho Superior de Investigação Científica).

Aos 49 anos, Miguel Bastos Araújo traz para Évora - a cidade onde tem raízes e é investigador - um conceito que une turismo à ciência, numa complementaridade que faz todo o sentido.

“Sempre achei que Évora, cidade universitária e com muito potencial, estava para Lisboa, como Oxford e Cambridge estão para Londres”, conta à Renascença, o investigador.

A poucos metros do Templo Romano, no coração da cidade Património Mundial, Miguel Araújo encontrou um antigo palacete devoluto há quase quatro décadas e, de muitas vontades e persistência, nasceu um projeto único em Portugal: a “Casa Morgado Esporão – Residência das Artes, Ciências e Humanidades”.

“Quando vi esta casa, pensei nos college onde as pessoas vão, fazem umas estadias, umas sabáticas, alguns até vivem lá e são espaços muito agraváveis que incentivam a criatividade”, justifica o também mentor da Science Retreats, empresa criada para gerir este empreendimento, num investimento superior a um milhão de euros, cofinanciado pelo programa Alentejo 2020.

“Este era um imóvel que pedia para ser agarrado e reaproveitado, com 1.700 m2, e com um valor histórico reconhecido, com frescos e pinturas murais”, sublinha.

A verdade é que o palacete, agora transformado, reúne elementos arquitetónicos dos séculos XIV, XV, XVII e XIX, tendo sido residência de Álvaro Mendes de Vasconcelos, 4º Morgado do Esporão, figura central da corte de D. João III. Posteriormente, o imóvel foi ocupado por diversas personalidades ligadas ao clero e à nobreza rural do Alentejo.

Enquanto cientista, Miguel Bastos Araújo diz que, ele próprio, “sentia necessidade de um espaço como este”, pois quando “convidava investigadores para virem a Évora era sempre muito complicado” instalá-los “onde pudessem ficar vários meses como se estivessem em sua casa”, refere.

“Um nicho de mercado que não estava criado em Évora”, salienta o investigador que em 2016 recebeu das mãos dos reis de Espanha o prémio Rey Jaime I, na categoria de Proteção do Ambiente, tornando-se no primeiro premiado não hispânico a receber este galardão pelo seu trabalho sobre os impactos das alterações climáticas na biodiversidade.

O ano passado, Miguel Bastos Araújo, foi também considerado o segundo investigador nacional mais citado no planeta. Segundo a "2017 Highly Cited Researchers", surge com mais de 20.550 citações feitas a artigos que escreveu.

Turismo científico, um turismo para “mimados”?

O turismo científico não é um conceito com que a maioria de nós esteja familiarizada. Está numa categoria de turismo que se destina a promover uma cultura turística e científica, permitindo conhecer e partilhar experiências e conhecimentos específicos, aproveitando a mais-valia que é o território que o acolhe. Mas nada melhor que o próprio Miguel Araújo para nos elucidar.

“O turismo científico é diferente na medida em que as pessoas vêm, não para estar de férias, mas para trabalhar”, esclarece. O investigador sai da sua cidade, “seja Londres, seja Paris, seja Nova Iorque e pode escolher muitos sítios”, prossegue, mas “normalmente vai escolher sítios onde a estadia possa ser mais agravável”, fazendo “um corte com o quotidiano”, mas compensando com “uma experiência nova”.

Este líder mundial no estudo das alterações climáticas e dos seus impactos na biodiversidade admite que “os investigadores são um bocadinho como os artistas ou os desportistas”, ou seja, explica Miguel Bastos Araújo, “gente, como se diz em inglês, spoiled, gente mimada, que gosta de viver bem e procura sítios como este.”

Do ponto de vista científico, Portugal ainda não está no topo e para que isso aconteça, defende o investigador, é necessário “criar infraestruturas que tornem muito agradável a estadia desses cientistas”, e este projeto “inscreve-se nessa filosofia, pois queremos aproveitar uma cidade que é fantástica, uma cidade que tem uma dinâmica científica crescente e interessante”, colocando-a “a competir, por exemplo, com Oxford e Cambridge”.

Fala quem sabe e quem já viveu em países como a França, Inglaterra ou a Dinamarca. Neste seu percurso, Miguel Araújo interiorizou e amadureceu esta ideia. “É um pouco o conceito de retiro científico”, onde se vai para “discutir projetos, discutir ideias, fazer um brainstorming”, complementa.

Para o investigador, os novos modelos de desenvolvimento devem assentar “numa especialização inteligente, nas novas tecnologias, na ciência” e em “criar vontade” nessas pessoas.

“Criar em Portugal ambientes deste tipo, onde as pessoas queiram vir de modo próprio, implica não só trabalhar algumas infraestruturas básicas como os espaços de ciência e tecnologia, mas implica criar toda uma envolvente que torna esses locais atraentes para pessoas que tem parâmetros de vida bastante elevados em termos de exigência”, remata o investigador.

Sinta-se em casa por tempo indeterminado

“Quem nos procura, procura tranquilidade, procura um refúgio, procura um sítio bem localizado na cidade e onde pode ir para todo o lado sem precisar de carro”, explica à Renascença Ana Clara Meireles. “Vêm à espera de encontrar, aqui, o prolongamento da sua casa”, num local que “possa personalizar à sua medida”, acrescenta.

A diretora geral desta residência saiu do Dubai para abraçar este novo projeto que junta as extensões que preenchem o seu percurso profissional: a hotelaria e a cultura. “Estive também ligada ao mundo das artes como diretora de produção cultural”, esclarece, e este projeto “dá-me o bónus de associar estas duas dimensões”.

Na Casa Morgado Esporão, há 13 apartamentos e todo um serviço paralelo de acordo com as necessidades sentidas. “Tivemos um casal de norte-americanos que ficou connosco três meses e meio”, conta-nos Ana Clara Meireles. “Eles viajam um pouco por todo o mundo, ficam algum tempo nos países e escrevem”, adianta.

Pelo alojamento já passaram também cientistas de topo que participaram na Universidade de Évora no “IBS Climate Change Biogeography Meeting” e “uma investigadora espanhola que, por termos estas condições, trouxe o marido e o filho e ficaram por cá enquanto decorreu o seu trabalho sabático”, avança a diretora.

O conceito passa também por promover o conhecimento e a troca de saberes numa “extensão daquilo que é o ambiente cultural, académico e científico”, ou seja, explica a responsável, “juntar o bom que é sair do meu ciclo fechado e ter a possibilidade de potenciar essa experiência numa dimensão diferenciada”.

No seu regresso às origens, Ana Clara Meireles acredita que esta é “uma dimensão que falta à cidade”, uma vez que o projeto implica a criação de “uma massa crítica que habitualmente ficava presa a Lisboa e ao Porto e não era descentralizada”.

“Penso que Évora pode oferecer, também, tantas ou mais oportunidades para este tipo de segmento de mercado”, conclui a diretora da Casa Morgado Esporão.

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