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O que está em jogo nas legislativas de Itália

02 mar, 2018 - 17:00 • Elsa Araújo Rodrigues

As eleições legislativas em Itália realizam-se no próximo domingo, dia 4. O mais provável é que o vencedor precise de se coligar - à direita ou à esquerda - o que abre a porta a um cenário de ingovernabilidade e a um problema mais para a UE.

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Imigração, impostos, reformas estruturais e a relação com a União Europeia. São os temas quentes que têm estado no centro dos debates e da campanha para as legislativas italianas de domingo, 4 de março.

As opções que se colocam ao eleitorado italiano são múltiplas, com partidos para todos os gostos - do Movimento 5 Estrelas (força política “anti-sistema”, sem particular definição ideológica, passando pelo Partido Democrático, de centro-esquerda, atualmente no poder, ou pelo “bloco” da direita, liderado pelo Força Itália, de Berlusconi, aliado a dois partidos da extrema-direita.

A lei eleitoral italiana proíbe a divulgação de sondagens nas duas semanas anteriores ao ato eleitoral, pelo que os últimos resultados sobre as intenções de voto foram conhecidos a 19 de fevereiro e não apontam um vencedor claro.

O Partido Democrático no poder parece longe da vitória. As sondagens apontam para 23% das intenções de voto, valor muito abaixo dos 41% que obteve nas europeias de 2014, logo após o atual líder Matteo Renzi ter sido eleito primeiro-ministro.

Apesar de os números também apontarem para a probabilidade de o partido do atual primeiro-ministro, Paolo Gentiloni, poder vir a ser o mais votado, as contas estão longe de estar fechadas. O PD não tem aliados à vista e, mesmo que recolha mais votos, não é líquido que consiga formar governo. Teria que encontrar parceiros de coligação à esquerda ou à direita, processo negocial que, a avançar, se antevê complexo.

O “bloco” da direita, que inclui alianças da Força Itália (FA) com a extrema-direita está à frente nas sondagens. Isolado, o FA, liderado por Sílvio Berlusconi, não conseguiu grandes números nas sondagens, mas as alianças estabelecidas com a Liga Norte e o Irmãos de Itália, as duas maiores forças políticas da extrema-direita, ajudaram à subida nas intenções de voto e poderá ser o "empurrão" que garanta a maioria que o “bloco” de direita ambiciona.

A única certeza é de que qualquer desfecho implicará a necessidade de estabelecimento de coligações. O cenário de ingovernabilidade do país pode tornar-se realidade no próximo domingo, o que será penalizador para a própria a Europa.

Os cinco maiores partidos apresentam-se a votos com propostas para todos os gostos: de uma política anti-imigração que inclui a expulsão de imigrantes, à introdução de uma taxa única de imposto, passando pela legalização dos bordéis ou à revogação massiva de leis em vigor.

MOVIMENTO 5 ESTRELAS

O Movimento 5 Estrelas, de que o humorista Beppe Grillo foi um dos fundadores em 2009, é uma das forças políticas que mais cresceu em Itália nos últimos anos. Concorre isoladamente e as sondagens conhecidas apontam-no como o “primeiro partido de Itália”.

Sem uma tendência ideológica muito definida - tanto defende medidas consideradas de extrema-esquerda, como a saída da União Europeia, como políticas associadas à extrema-direita, sobretudo medidas anti-imigração.

O atual líder do movimento, Luigi di Maio, é uma das estrelas ascendentes da política italiana. Tem 31 anos e, num espaço de cinco anos, deixou de ser mais um nome a engrossar as listas do desemprego para se tornar vice-Presidente da Câmara dos Deputados.

Luigi di Maio frequentou os cursos de engenharia e direito na Universidade de Nápoles, mas não chegou a terminar nenhum e estava sem trabalho quando se juntou às fileiras do "5 Estrelas".

Agora, é líder da força política que se diz anti-sistema e pretende formar governo ou, pelo menos, alcançar votos suficientes para poder entrar num executivo de coligação.

Embora ainda não tenha definido futuros parceiros de governo, o 5 Estrelas admite forjar alianças logo que sejam conhecidos os resultados.

O Movimento 5 Estrelas é conhecido pelas posições eurocépticas e chegou mesmo a defender a realização de um referendo em Itália sobre a pertença à UE. Entretanto, Luigi di Maio retratou-se e declarou que “não é o momento certo para a Itália abandonar o euro”. Disse, também, esperar evitar o referendo, algo que agora encara como “o último recurso”.

A imigração é outro tema forte para o movimento, que reclama o “fim do serviço de táxi marítimo” para os imigrantes do Norte de África.

Se chegar ao governo, o 5 Estrelas promete revogar mais de 400 leis atualmente em vigor, entre elas, a que proíbe os pais de não vacinarem os filhos. O movimento (a par com a Liga Norte) defende que os pais não devem ser forçados a vacinar os filhos.

FORÇA ITÁLIA

Sílvio Berlusconi, líder do Força Itália, está impedido de concorrer nestas legislativas, mas isso não o tem impedido de participar na campanha eleitoral.

O antigo primeiro-ministro, de 81 anos, foi condenado em 2013 por fraude fiscal e só poderá voltar a concorrer a cargos políticos em 2019.

O partido que lidera tem feito da reforma fiscal e da redução transversal dos impostos as suas principais bandeiras.

Berlusconi defendeu a introdução de uma taxa única de imposto de 23%, aplicável quer aos rendimentos quer ao consumo. O objetivo, a cumprir ao longo da legislatura, será baixar a taxa única para 20%.

Matteo Renzi, do PD, reagiu de imediato à proposta, lembrando que Berlusconi nunca a pôs em prática nos três mandatos em que esteve à frente do governo italiano. E lembrou quanto poderia custar aos cofres do Estado: “Uma taxa única de 15% custaria 95 mil milhões de euros e uma de 20% custaria 57 mil milhões."

A proposta de Berlusconi representa um reforço da aliança com a Liga Norte, da extrema-direita. A taxa única de imposto de 15%, a que Renzi aludiu, é uma das propostas mais antigas da Liga, que se opõe às atuais taxas de imposto progressivas, que chegam a 43%.

Outro ponto de união entre o Força Itália, a Liga Norte e os Irmãos de Itália é a política de imigração. O partido de Berlusconi é frontalmente contra a imigração e acusa a esquerda de Renzi de “ter criado um problema que agora não consegue resolver”.

Numa entrevista, que deu esta semana ao canal de televisão Retequattro, Berlusconi criticou a política de “portas abertas” do país e anunciou que pretende iniciar um processo de expulsão dos mais de 600 mil imigrantes “em situação irregular” no país.

Berlusconi referiu-se à imigração como “uma bomba social prestes a explodir” e disse que os imigrantes “vivem de expedientes e do crime”.

LIGA NORTE

O partido, que defende maior autonomia para as regiões italianas, em especial, para o norte do país, pode vir a causar grandes dores de cabeça à União Europeia.

O líder do partido, Matteo Salvini defende a saída de Itália da UE. Salvini considera o euro “a moeda alemã” que tem causado danos a todos os outros países europeus e, em particular, à economia italiana.

O manifesto da Liga Norte afirma que Itália deve abandonar o clube dos 27, a não ser que o país consiga renegociar os tratados com a UE.

"Queremos permanecer na UE apenas se pudermos renegociar todos os tratados que limitam a nossa soberania plena e legítima. Na prática, o que queremos é voltar a adoptar os princípios da união económica europeia, anteriores ao Tratado de Maastricht", pode ler-se no manifesto.

As últimas sondagens revelam que o Liga Norte pode recolher 14% dos votos nas eleições do próximo domingo.

O acordo entre Berlusconi, líder da Força Itália e Salvini, da Liga Norte estabelece que se o “bloco” de direita ganhar as eleições, o líder do partido que recolher mais votos terá direito a nomear o primeiro-ministro e a definir a agenda política.

IRMÃOS DE ITÁLIA

O partido foi criado em 2012, na sequência de uma dissidência da coligação Povo da Liberdade, liderada por Berlusconi. A líder do partido, Giorgia Meloni fez parte do quarto executivo do antigo primeiro-ministro: entre 2008 e 2011 foi ministra das Políticas da Juventude.

A ex-jornalista chegou à liderança do partido em 2014, depois de se ter distinguido na oposição às políticas do ex-primeiro-ministro Mario Monti, um tecnocrata, ex-Comissário Europeu que assumiu o cargo após Berlusconi ter resignado.

Nas legislativas de 2013, o Irmãos de Itália conseguiu apenas 2% dos votos. Agora, concorre com o Força Itália, considerado por muitos o “aliado natural”.

PARTIDO DEMOCRÁTICO

O partido que está no poder concorre a estas legislativas com uma agenda política vista como “conservadora” pelos analistas políticos.

O líder do partido, Matteo Renzi, tem tentado fazer valer junto do eleitorado o leve crescimento da economia durante a legislatura do PD que agora termina, aliada à queda ligeira do desemprego.

No plano europeu, o Partido Democrático defende a ligação do país à UE. Enquanto foi primeiro-ministro, Renzi cultivou boas relações com a chanceler alemã, Angela Merkel.

Para lá dos trunfos económicos, o PD tenta também conquistar votos entre os apoiantes do atual primeiro-ministro, Paolo Gentiloni, cujos índices de popularidade estão bem acima dos do líder do partido.

Renzi foi derrotado no referendo constitucional de 2016, o que levou à sua demissão. Desde então, não conseguiu recuperar a popularidade que já conheceu junto do eleitorado italiano. Ao que tudo indica, o seu partido dificilmente conseguirá alcançar os resultados que levaram à sua eleição em 2014.

LIVRES E IGUAIS

Criado em dezembro passado pelo atual presidente do Senado italiano, Pietro Grasso, o Livres e Iguais assume-se como um partido de centro-esquerda que quer ser alternativa ao PD de Renzi.

Grasso goza de alguma popularidade a nível nacional, graças à sua carreira como procurador e à luta que levou a cabo contra a Máfia Italiana, a Cosa Nostra.

Sem programa muito definido, o principal argumento do Livres e Iguais é reunir todos os dissidentes e descontentes com o Partido Democrático. As sondagens apontam para que obtenha 6 a 8% das intenções de voto.

CONSEQUÊNCIAS PARA A EUROPA

Seja qual o resultado que saia das urnas no próximo domingo, uma coisa parece certa: a União Europeia terá de lidar com um novo governo mais hostil a Bruxelas e menos disposto a aceitar jogar o jogo europeu.

Depois das eleições francesas que deram a vitória a Macron e das eleições na Alemanha, que "obrigaram" o SPD a coligar-se com a CDU de Merkel, as eleições italianas são o terceiro “tour de force” para a UE.

A Itália é o terceiro país do euro (atrás da Alemanha e da França, precisamente), mas é também o segundo país com o pior rácio de dívida da UE, apenas atrás da Grécia.

Os italianos têm uma dívida de 132% do PIB, aliada a um crescimento económico muito baixo. Outro dos problemas crónicos do país tem sido o elevado índice de desemprego entre os jovens. A este "mix", acrescenta-se, ainda, um problema grave de imigração, devido ao número recorde de imigrantes que chegam ao país atravessando o Mediterrâneo, um problema que a UE tem demorado a contribuir para resolver.

Itália precisa de um futuro governo forte e estável, algo que se afigura quase impossível de conseguir no domingo.

O cenário mais provável aponta para a inevitabilidade das forças políticas terem de negociar uma futura coligação. Avaliar a estabilidade e força governativa da aliança que venha a sair do processo negocial é um exercício de futurologia difícil de fazer.

As previsões mais pessimistas apontam para a ingovernabilidade do país, o que trará inevitáveis consequências para o projeto europeu.

CENÁRIOS POSSÍVEIS

O novo sistema eleitoral misto italiano, aprovado em outubro do ano passado, dita que a maioria dos deputados (60%) será eleita pelo método proporcional, com os lugares atribuídos a cada partido a dependerem da proporção dos votos obtidos pelo partido. Os restantes 40% serão eleitos em colégios regionais uninominais por voto maioritário (é eleito o mais votado).

O sistema de contagem dos votos - que dificilmente permite que algum partido recolha mais de 40% dos sufrágios -, aliado à fragmentação da direita à esquerda do espectro político, aponta para um cenário de alianças quase certo.

As sondagens apontam para os 24% da intenção de voto para o PD no poder. O Livres e Iguais que poderia ser um dos “aliados naturais” do partido, que já abriu a porta à possibilidade se aliar ao 5 Estrelas.

A coligação formada pelo “bloco” de direita pode vir a reunir 36% a 38% das intenções de voto.

A incerteza dos cenários possíveis tem, sobretudo, a ver com os votos dos colégios maioritários e os resultados regionais. A polarização tripartida acontecerá entre o 5 Estrelas, o “bloco” liderado pelo Força Itália e o Partido Democrático.

As previsões dos politólogos apontam para que o M5E consiga recolher um quarto dos votos a norte e continue a crescer no sul do país.

Já o PD quase não recolherá votos no Sul e será derrotado também nas regiões do Norte de Itália. A vitória do “bloco” de direita liderado pelo Força Itália - que somará votos de forma mais uniforme por todo o território - dificilmente chegará para a maioria absoluta.

A aliança da direita com a extrema-direita precisa de vencer em 70% dos colégios uninominais para ter maioria absolutas nas duas câmaras - Senado (eleitos pelas regiões) e Câmara dos Deputados (eleitos a nível nacional) - que compõem o Parlamento italiano.

Ou seja, a necessidade de forjar novas alianças com os restantes partidos do espectro político mantém-se em aberto. Alguns analistas avançam com a possibilidade de uma “coligação populista” entre o 5 Estrelas e a Liga Norte. E nesse caso, o Força Itália poderá ganhar nova importância como força de contrabalanço do sistema político.

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