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Poeta, pacifista e crítico do Governo. Quem é o suspeito do ataque ao primeiro-ministro da Eslováquia?

16 mai, 2024 - 20:17 • Diogo Camilo

Apelidado de “lobo solitário” e descrito por ministros como um “pacifista que se radicalizou em oito anos”, Juraj Cintula tem ligações a milícias pró-Rússia e mostra nos seus livros e redes sociais um ódio a migrantes e à comunidade cigana.

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O primeiro-ministro da Eslováquia permanece em “situação crítica” mas estável e já é capaz de falar, depois desta quarta-feira ter sido atingido com cinco tiros na zona do abdómen e numa mão e submetido a uma cirurgia de emergência.

O suspeito dos disparos é Juraj Cintula, de 71 anos, que está acusado de tentativa de homicídio e pode enfrentar 25 anos de prisão.

Em conferência de imprensa, o ministro do Interior eslovaco, Matus Sutaj Estok, decreveu Cintula como um “lobo solitário” que agiu sozinho e admitiu que o crime teve motivações políticas, garantindo que o homem não pertence “a nenhum partido extremista, nem de esquerda nem de direita”.

Natural de Levice, o suspeito é fundador de um clube literário e escreveu três colectâneas de poesia e dois romances: "A mensagem do sacrifício", em 2010, e "Efata", em 2015, ano a partir do qual se tornou membro da Associação de Escritores Eslovacos, segundo a Euronews.

O último livro é um ataque à comunidade cigana na Eslováquia, em que critica o Estado e acusa ciganos de abusarem de proteções sociais.

Atualmente reformado, Cintula trabalhou como segurança num centro comercial e sobreviveu a uma tentativa de assassinato em 2016, por parte de um jovem embriagado, segundo a imprensa eslovaca.

O que motivou Cintula?

Num vídeo divulgado por canais televisivos eslovacos e entretanto retirado das redes sociais, o suspeito disse não concordar com as políticas do Governo e questionou o ataque aos meios de comunicação no país.

Não concordo com as políticas do governo. Por que razão estão os meios de comunicação a ser atacados? Porque está a RTVS [Rádio e Televisão da Eslováquia] sob ataque? Porque foi Mazák demitido do seu cargo”, questiona, no vídeo divulgado pela televisão TA3.

Segundo o Slovac Spectator, Ján Mazák foi retirado do cargo de presidente do Conselho Judicial da Eslováquia em abril, depois de ter liderado uma comissão para investigar casos de corrupção que envolviam membros do Governo de Fico, como o seu ministro da Defesa, Robert Kaliňák.

Em conferência de imprensa, o ministro eslovaco, Matus Sutaj Estok, indicou que o plano do ataque de Cintula nasceu “perto das eleições presidenciais”, depois de o candidato apoiado por Robert Fico, Peter Pellegrini, do partido Hlas, ter vencido com 53,1% dos votos.

O jornal eslovaco Dennik N. avançou também que Cintula esteve à saída da última reunião do Governo, em Dolna Krupa, no final de abril, tendo participado num protesto contra o Governo e a sua posição quanto à guerra na Ucrânia e a intenção de abolir a televisão pública.

Segundo o mesmo, o suspeito anunciou há oito anos na internet que estaria a recolher assinaturas para a criação de um partido político que apelidaria de "Movimento contra a Violência".

À publicação eslovaca Aktuality.sk, o filho de Cintula garantiu que o pai tinha licença de porte de arma e negou que fosse um doente psiquiátrico. “Não sei o que o meu pai queria, o que planeava, porque isto aconteceu. Só sei que ele não votou nele [Robert Fico]”, disse.

Nas redes sociais, Cintula publicava frequentemente críticas ao primeiro-ministro eslovaco e apoio a milícias que, segundo o que acreditava, “deviam proteger os habitantes, o país, a tradição e a cultura” de migrantes vindos de fora da Europa.

Segundo o ministro da Defesa, era um “pacifista que se radicalizou em oito anos”, tendo-se reunido com um grupo paramilitar pró-Rússia em 2016, o Slovenskí Branci, acusado de tentar recrutar jovens eslovacos nos últimos anos.

Robert Fico, o primeiro-ministro pró-Putin

Eleito em outubro pela quarta vez como chefe de Governo da Eslováquia, Fico iniciou o seu percurso político no Partido Comunista da extinta Checoslováquia, chegando ao Parlamento em 1989, pouco antes do fim da Guerra Fria.

Depois de ser deputado e vice-presidente do Esquerda Democrática, o partido sucessor do Partido Comunista checoslovaco, fundou em 1999 o Direção Social-Democracia, um partido de esquerda que, em apenas três anos, tornou-se o principal partido da oposição.

Facilmente foi eleito em 2006 como primeiro-ministro, foi o mais votado em 2010 mas teve de se remeter ao papel da oposição durante cerca de ano e meio. Em 2012, consegue a maioria absoluta e volta a vencer as eleições de 2016.

O seu mandato durou apenas dois anos, até a morte do jornalista Jan Kuciak, que investigava subornos da máfia ao Estado, ter levado a protestos por todo o país, à queda do Governo e ao afastamento de Fico do SMER.

Ainda sem recuperar do escândalo, o seu partido perde as eleições de 2020 e vê na pandemia uma maneira de recuperar eleitorado, questionando os efeitos da vacinação e as restrições associadas à pandemia.

Ao mesmo tempo, aproximou-se de narrativas pró-Rússia e pró-Putin, sendo eleito novamente no ano passado, depois de uma campanha marcada por posições nacionalistas, colocando também em causa os direitos da comunidade LGBT e as políticas de migração e asilo da União Europeia.

No dia seguinte à sua tomada de posse, Fico anunciou a suspensão do apoio militar à Ucrânia.

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