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Reportagem

A pesca da sardinha dá mais trabalho do que lucro

08 jun, 2017 - 13:00 • André Rodrigues , Marília Freitas , Rui Barros (infografias)

São longas horas de mar para pouco peixe na rede. A Renascença embarcou numa traineira e testemunhou que a pesca é também a arte de fazer contas.

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A arte de pescar sardinha
A arte de pescar sardinha

Doze horas a bordo de uma traineira. Uma noite inteira de trabalho para responder à procura da sardinha nos mercados. Estamos em vésperas de santos populares, não é a melhor altura para a sardinha. Pelo menos, não é a altura do ano em que este peixe é melhor.

“A sardinha no ponto é gorda, grande, e, quando vai a assar, pinga. Só no fim de Junho, Julho, é que a sardinha está no ponto”, explica Carlos André Maio, um dos 16 homens que se fizeram ao mar na primeira noite de Junho, no porto da Póvoa de Varzim.


O resultado da faina são quatro toneladas de peixe, mas só pouco mais de metade é sardinha. É manifestamente pouco para compensar os custos: “uma noite de trabalho são 700 a 800 euros só em gasóleo”, lamenta Virgílio Miguel. O patrão da embarcação reconhece que, até ao momento, ainda não conseguiu “pagar à rapaziada”.

Virgílio chega a temer que, no final da época, não seja possível “caçar a sardinha que devíamos caçar”. O mesmo é dizer ficar abaixo da quota estabelecida pela União Europeia, que fixa um limite de 6.800 toneladas para a frota portuguesa.


Só que, nesta altura do ano, o preço do cabaz está indexado à qualidade do produto. Dezasseis euros por cabaz (cerca de 22,5 quilos) é o preço estabelecido na lota de Matosinhos.

“Muito mau”, diz Carlos André, que reconhece, ainda assim, que “a sardinha ainda está seca”. Com o aproximar dos santos, o preço tende a aumentar: "as pessoas compram sempre, tenha qualidade ou não".

Uma ideia partilhada pelo patrão, Virgílio Miguel, que acrescenta “a sardinha ainda é escassa”. E vem à rede misturada com a cavala.

António dos Santos, outro dos pescadores desta embarcação da Póvoa de Varzim, está na banca improvisada à saída da traineira “a apartar o peixe”. Entre sardinha e cavala “é meio por meio”.

Durante a madrugada, a tripulação capturou cerca de quatro toneladas de peixe. Foram dois lanços de rede ao mar. Dois cercos montados ao largo de Matosinhos, onde a sonda detectou os cardumes mais abundantes, após três horas de procura.


No entanto, as doze horas de trabalho renderam não mais do que 1.600 euros. “A minha rapaziada não recebe há um mês”, desabafa Virgílio Miguel.

E o que fazer a tanta cavala? São aproximadamente duas toneladas de peixe que não apresenta os 20 centímetros de comprimento mínimo para ser vendida. Virgílio exemplifica: “Esta tem 18 ou 19 centímetros. Por dois centímetros vai fora, vai ao mar.” E vai morto. Mas o patrão garante que teria clientela: “a vender a cinco ou seis euros o cabaz, parece que não, mas já dava para o gasóleo. As fábricas querem este peixe para a conserva para Itália, porque os italianos gostam disto”.

Contra o que classifica como um desperdício sem lógica, Virgílio pede ao governo que repense, por exemplo, a hipótese de uniformizar o período de captura para todas as espécies que podem ser pescadas pela arte do cerco.

Comentários
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  • Paul Borges
    11 ago, 2017 Sesimbra 17:48
    Vejo aqui comentários de gente que não percebe nada do negócio do peixe. A ignorância sobre este sector é normal. Na altura do ano em que o cabaz da sardinha vai a 16 euros aposto que nas praças o preço não era de 7 ou 8 euros por kilo. No verão é mais cara, claro, e porquê? Porque é única altura do ano em que a sardinha está boa para assar e toda a gente a quer. Ainda ontem o cabaz em Peniche custou a modica quantia de 170 euros o cabaz. E depois há outra, se o intermediário ganha assim tanto porque será que os pescadores e os armadores não vão para esse negócio ???? Falar sem saber é muito giro...
  • JOSE ANTONIO DE ALME
    13 jun, 2017 ALMADA 15:46
    Quando a financiar bancos e quem financia esta atividade ,pois esta paga-se para os barcos serem abatidos.
  • Orlando Soares
    12 jun, 2017 Fafe 19:12
    As sardinha é muito cara quando vendida no mercado, é paga a uma ninharia ao pescador. É sempre a velha história, quem mais trabalha e arrisca a sua própria vida é quem menos ganha.
  • j.vicente
    12 jun, 2017 lagos 18:39
    Um pais do salve-se quem poder, sardinha na praça a 7/8€ ao kg, e nos consumidores sabemos que na lota ela sai a menos de 1€ ou 1€ e pouco, de quem a culpa? a cavala é apanhada, e devido ao tamanho não pode ser vendida? então e se for jogada ao mar é mais proveitoso? o pobre não pode ter um peixe mais em conta para comprar? até porque a cavala tem muito apreciador, e a mais pequena alimada é um prato delicioso, quem são os culpados deste desentendimento?
  • A R P
    12 jun, 2017 Oliveira do Hospital 18:08
    Carla C. Então e os salários dos pescadores não contam? E os impostos? É só o gasóleo que conta?
  • opega
    12 jun, 2017 vagos 18:04
    século xxI. Ainda estamos sujeitos ao intermediário? Enfim.
  • Jorge
    09 jun, 2017 Seixal 16:46
    Dezasseis euros por cabaz (cerca de 22,5 quilos). Fica a 0.71€ o quilo. O consumidor paga 6 a 8 euros por quilo no mercado. Mais uma prova que neste país quem ganha o dinheiro não é quem trabalha, mas sim, os parasitas que não fazem nada e vivem á conta de quem trabalha.
  • AL
    08 jun, 2017 Sintra 17:26
    Qualquer dia esgotam os stocks de cavala. Então não é um crime estar a pescar peixe para deitar fora?
  • Carla C
    08 jun, 2017 17:24
    "As doze horas de trabalho renderam não mais do que 200 euros" “Nem dá para pagar o gasóleo” ??! Não sei que contas são essas da pessoa que escreveu o artigo. É que com os dados que estão no artigo, 2 toneladas de sardinha a dezasseis euros por cada cabaz com cerca de 22,5 quilos, dá 1.422 euros. Ou será que fui eu que me enganei nas contas? Lol!
  • Francisco António
    08 jun, 2017 Lisboa 15:29
    Ora aqui está a lengalenga anual. O preço da sardinha fica, todos os anos, especulativa com a aproximação das festas dos Santos Populares. O resto é música !!!

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