CME quê? Perceba o que está em causa no caso Manuel Pinho

03 mai, 2018 - 14:50

Um dos focos da investigação são os chamados Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), introduzidos pelo governo de Santana Lopes em 2004 e que entraram em vigor em 2007, era Pinho ministro da Economia do governo Sócrates.

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Estávamos em junho de 2017 quando o setor energético foi apanhado de surpresa pelas buscas que inspetores da Polícia Judiciária e procuradores do Ministério Público conduziram nas sedes da EDP e da REN.

Em causa estavam suspeitas de corrupção relacionadas com os chamados Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), um instrumento criado pelo governo de Pedro Santana Lopes (PSD) em dezembro de 2004 para compensar as empresas do setor na sequência da liberalização do mercado energético que foi imposta por Bruxelas.

À data foram constituídos quatro arguidos neste processo, entre eles António Mexia e João Manso Neto, respetivamente presidentes executivos da EDP e da EDP Renováveis - e a par deles Manuel Pinho, antigo ministro da Economia no governo socialista de José Sócrates, que está agora na mira de uma comissão parlamentar de inquérito.

Quase um ano depois desta investigação, o caso vai chegar ao Parlamento. Mas afinal, o que é que está em causa?

Rendas de energia

O decreto-lei que instituiu os CMEC angariou críticas imediatas dos reguladores no final de 2004. O alerta deixado foi o de que estes contratos iam aumentar "a receita dos produtores" e da REN "à custa dos consumidores" em comparação com os antigos Contratos de Aquisição de Energia (CAE), que foram extintos para dar lugar aos CMEC.

Assim ditou um parecer da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) divulgado pouco depois de o decreto-lei ter entrado em vigor. No fundo, a entidade alertava que os consumidores iam passar a pagar mais pela eletricidade por causa dos CMEC

Graças a estes novos contratos, a EDP encaixou 2500 milhões de euros desde 2007, um dos pontos que o Ministério Público está a investigar há um ano.

Pagamentos do 'saco azul' do GES

Foi no decorrer desta investigação que os magistrados apuraram transferências de dinheiro para duas empresas offshore detidas por Manuel Pinho na Suíça. O ex-ministro é suspeito de ter recebido mais de 2 milhões de euros do 'saco azul' do Grupo Espírito Santo (GES) entre 2002 e 2014 - quase 800 mil deles já quando tutelava a Economia no governo Sócrates.

De recordar que, antes disso, Manuel Pinho foi administrador executivo do Banco Espírito Santo (BES), um cargo que ocupou entre 1994 e março de 2005, quando cessou funções para integrar o Executivo de José Sócrates.

Ajustes diretos

Em 2007, já há dois anos no cargo, Manuel Pinho aprovou uma série de iniciativas, entre elas a fixação da taxa que determinou as remunerações à EDP e o alargamento das concessões das barragens por ajuste direto, ou seja, sem concurso público.

Neste contexto, o Ministério Público suspeita que a EDP foi beneficiada em cerca de 1200 milhões de euros, algo que decorreu do alargamento dos prazos de exploração de 27 barragens por 759 milhões de euros.

Também aqui não houve falta de avisos. Num parecer divulgado em 2006, o antigo Instituto da Água (entretanto extinto) teceu duras críticas ao Ministério da Economia pelas alterações ao projeto de decreto-lei sobre as utilizações dos recursos hídricos. No documento denunciavam-se violações da lei e o "favorecimento" do setor elétrico, bem como uma tentativa de "subordinação" do Ministério do Ambiente, à data nas mãos de Nunes Correia, pela tutela de Pinho em matérias da sua "competência própria".

Com a publicação do decreto em 2007, os prazos das concessões por ajuste direto foram alargados e a EDP passou a estar isenta de pagar uma taxa de recursos hídricos de 50 milhões de euros. Nesse ano, a EDP e o Governo de José Sócrates chegaram a um acordo: mediante o pagamento de quase 760 milhões de euros por parte da empresa, a concessão das várias barragens seria prolongada.

Como é que a EDP foi beneficiada?

Com a sua entrada em vigor, em julho desse ano, os CMEC contribuíram de imediato para as contas da empresa. Esta foi "compensada" por, anos antes, ter sido obrigada a pôr as centrais a vender a energia produzida no mercado grossista, a tal liberalização do mercado energético implementada por Bruxelas.

Quando essa remuneração fixa começou a ser paga, António Mexia já era o presidente executivo da EDP há pelo menos um ano. E como nesse ano a empresa e o Governo tinham fechado o acordo para prolongar a concessão das barragens, a EDP pôde receber a remuneração dos CMEC por um período de entre 15 e 25 anos. Alguns dos contratos expiraram em 2014, outros em 2016, mas o último só expira dentro de nove anos, em 2027.

Aqui vale a pena recordar que este instrumento foi criado por um governo que António Mexia integrava, enquanto ministro das Obras Públicas. Ou seja: os CMEC foram criados pelo Executivo de Santana Lopes quando Mexia era seu ministro e entraram em vigor quando Mexia já era presidente executivo da EDP.

Por este motivo, o Bloco de Esquerda, que foi o primeiro a pedir que Manuel Pinho fosse alvo de uma comissão parlamentar de inquérito, quer ouvir não só o antigo ministro socialista como o atual presidente executivo da energética.

O que dizem Pinho e Mexia?

Na sua primeira reação à investigação a Manuel Pinho, António Mexia disse na quarta-feira que está "perfeitamente tranquilo" e indicou que está disponível para prestar esclarecimentos no Parlamento.

A propósito dos CMEC, o presidente executivo da EDP garantiu que a sua empresa não beneficiou de "nenhuma renda excessiva". Nas suas palavras, essa é uma "ideia errada", algo que "já foi comprovado por entidades nacionais e internacionais".

Já Manuel Pinho está a ser aconselhado pelos seus advogados a manter-se em silêncio até ser ouvido pelo Ministério Público. Como confirmado pela Defesa na terça-feira, se os investigadores a cargo do processo ainda não tiverem interrogado o antigo ministro sobre todas estas suspeitas quando chegar o dia da audiência parlamentar, Pinho vai ficar calado.

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