José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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​Os fogos: não prever, não prover… e não reconhecer

18 out, 2017 • Opinião de José Miguel Sardica


António Costa é geneticamente incapaz de reconhecer erros e de pedir desculpas. Teve de ser Marcelo, ao seu jeito, a fazê-lo, o que não deixa de ser uma humilhante desautorização do executivo.

É bem portuguesa a máxima de que um mal nunca vem só. O mal já o tínhamos visto, no início deste verão, em Pedrogão Grande, e julgávamo-lo inultrapassável: 64 mortos e quase três centenas de feridos. Depois de semanas a fio de tempo quente e seco, de junho a outubro, em que os incêndios se tornaram novela trágica diária, veio a catástrofe do passado fim de semana. Dar-lhe o nome de uma só localidade não é possível, porque este fogo de outubro queimou meio país. O resultado? Mais 41 mortos e largas dezenas de feridos. Quatro meses depois de ter falhado na sua mais inalienável obrigação de proteger vidas e bens, o Estado voltou a revelar a caótica incompetência das cadeias de comando da Proteção Civil.

Ontem, no seu discurso, o Presidente da República foi menos afetuoso do que o costume, e fez bem em salientar que haverá para sempre uma centena de mortos a pesar no seu mandato presidencial. Pena é que esses sacrificados – e as muitas vidas destruídas dos que sobreviveram – não pesem muito na consciência do governo. Entendamo-nos. Nenhum Estado, em nenhuma parte do mundo, tem efetivos e prontidão operacional suficientes para combater mais de 500 ignições num só dia e numa área tão vasta. E há, com certeza, mão criminosa, porventura de um “cartel de fogo” com interesses económicos obscuros e método pirómano terrorista. Mas o Estado e a Proteção Civil têm de ter capacidade para responder de forma adequada (mesmo que não total), não apenas às inclemências da natureza, mas também às incúrias ou crimes dos homens. Depois do sucedido em Pedrogão, o governo pouco fez: sentou-se à espera de um relatório que, finalmente libertado (depois das eleições autárquicas…), arrasou de alto a baixo o sistema de Proteção Civil e de prevenção florestal e combate aos fogos. Em quatro meses era imperativo ter feito muito mais: ajudar as populações vitimadas, que ainda hoje estão à espera (e a que agora se somam as do país ardido em outubro), cadastrar e circunscrever novas áreas de risco, chamar os militares a funções de vigilância e patrulha de estradas, caminhos e matos, ou preparar planos de auxílio efetivo e de evacuação para quando o calor, visível, a seca, patente, ou o crime voltassem a fazer das suas. Não sabendo prever, o governo foi ainda mais desastroso ou imprudente a prover quando, chegado outubro e acabada a “fase charlie”, decidiu reduzir os efetivos de combate aos fogos, expondo populações indefesas a um tempo quente e seco que não conhece calendários. E isto, como outras coisas, são decisões políticas, com autor, com nome e com rosto.

O povo é sereno, diz-se dos portugueses. Convém, todavia, não abusar da sua paciência e, sobretudo, não o provocar. E francamente, com o devido desconto dado à tensão emocional que anda no ar, um secretário de Estado que recomenda aos populares resiliência e pró-atividade perante as chamas, uma ministra que retorque a jornalistas ainda não ter tido férias este ano e um Primeiro-Ministro que acha que os fogos são um novo (a)normal, que é uma “infantilidade” pedir responsabilidades políticas e que agora (mas só agora!) é que “vai ser” (o quê?), são três desastres comunicacionais ambulantes. António Costa é geneticamente incapaz de reconhecer erros e de pedir desculpas. Teve de ser Marcelo, ao seu jeito, a fazê-lo, o que não deixa de ser uma humilhante desautorização do executivo. Perante a moção de censura do CDS ao governo já anunciada, o PS, o BE e o PCP vão censurar, apoiar ou fingir que nada se passou? Foram mais de 100 mortos: se a floresta portuguesa não for agora priorizada, a tragédia e o passa-culpas recomeçarão no verão de 2018.

Comentários
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  • MASQUEGRACINHA
    18 out, 2017 TERRADOMEIO 19:40
    Concordo com o que escreve, que é no geral objectivo - não sei se Costa será incapaz de reconhecer erros e pedir desculpas, mas decerto atalhará caminho depois das alternativas que Marcelo lhe apontou: fazer o que é necessário, ou deixar tentar outros. E creio que Costa o fará, e melhor do que quaisquer outros. De facto, e para continuarmos a ser objectivos, os políticos de poder neste país têm sido, TODOS eles, de uma irresponsabilidade, negligente e até criminosa, quanto a este tema... sazonal e provinciano. Se o inferno tinha que chegar, e é preciso obrigar, à força, o país a salvar-se, antes com Costa e Marcelo ao leme do que com outros que, apesar de manchados por recentes e tremendas (ir)responsabilidades, são agora os primeiros a censurar... Com razões, claro, mas sem vergonha, exigindo pedidos de desculpa que bem lhes ficaria pedirem também. E espero que a objectividade continue quando o que tem que ser feito o seja, quando os sacrossantos direitos de propriedade forem postos em causa; e as responsabilidades concretas de empresas (e.g., as bermas da Ascendi, os cabos da EDP, os soluços do SIRESP...) forem apuradas; e as dos negligentes e acomodados autarcas; e as dos fundiários e eucaliptistas (uns ausentes, outros demasiado presentes); e as dos "protetores civis" diletantes, e as dos políticos que os nomearam. Como decerto diria Marcelo, isto só lá vai à Marquês de Pombal. Marcelo está à altura da tarefa - esperemos que Costa também o esteja. E todos nós, já agora.
  • Alexandre
    18 out, 2017 Lisboa 18:51
    Sr. Sardica, antes de ler aquilo que quero expor sobre o seu mau artigo de opinião, por favor, perceba de uma vez que a censura de comentários não é boa numa democracia e não indica bom convívio com as opiniões contrárias. Antes, demonstra que o visado não gosta ou não convive bem com as diferenças de opinião. Dito isto, quero apenas dizer que o seu artigo não traz nada de novo para este debate. A sua opinião continua a ser pobre e sem definição à vista. Seria bom que a Renascença pensasse em alguém para o substituir, porque as suas opiniões são quase iguais às de um mero aluno do secundário.
  • Andre Sousa
    18 out, 2017 Vila Pouca de Aguiar 18:25
    Caro Miguel Sardica, tem toda a razão. Mas um povo que aceita de ânimo leve a arrogância destes governantes,,,não pode exigir mais! Além do sr raposa(sô costa) não ter tido a humildade de pedir desculpa, também os secretários de Estado estiveram muito mal. Ouvir o sec. Estado doas assuntos parlamentares a falar de manhã na RR, dava vontade de lhe puxar os colarinhos. nem sei como o jornalista se aguentou tanto. O sr Costa é o homem certo, no lugar para tratar este assunto dos incêndios/floresta!!! Assim meu caro Miguel Sardica, arrogantes, com um povo em Lisboa e POrto que se está nas tintas para o povo do resto do país....todos sabemos porquê. Essas cidades têm os maiores "xuxódependentes", um povo que não defende os seus irmãos, mas bate no peito com a lágrima no canto do olho, merece ser estudado!!! Seremos serenos? ou egoístas?
  • COSTA ILUSIONISTA
    18 out, 2017 Lx 10:18
    A geringonça é responsável directa por estas mais de cem mortes e mais de trezentos feridos. Andam a fazer de conta...Só aparecem para dar mais trocos à função pública e pressionar um governo sem norte, sem estratégia e que mente descarada e despudoradamente aos portugueses. O Costa sempre foi um pantomineiro e um videirinho e agora terá de arcar politicamente e na sua consciência com estes resultados a para da sua geringonça espúria que só serviu para defender os interesses do partido do estado, ou seja, daqueles que vivem à babugem e à mama do Estado...