08 out, 2017 • José Bastos
“Passos Coelho fez uma jogada ’à Sá Carneiro’: sair agora para voltar mais tarde”, a tese expressa no programa "Conversas Cruzadas" é do jurista António Tavares graduando em ‘dificuldade máxima’ a dimensão da tarefa do líder, previsivelmente, a conduzir o PSD até às legislativas de 2019.
“Vamos entrar num novo ciclo da vida política que vai ser muito condicionado pela mudança de discurso e de agenda que a nova liderança vai necessariamente imprimir a todo este processo”, diz o presidente da Santa Casa da Misericórdia do Porto e destacado militante do PSD.
“As possíveis ausências de ‘challengers’ com mais força política e capacidade, eventualmente, para enfrentar Rui Rio terão muito a ver com o facto de, na minha opinião, Passos Coelho ter feito aqui um interregno na sua actividade. Isto é: Passos Coelho fez aqui uma jogada que eu qualificaria "à Sá Carneiro": sair agora para voltar mais tarde”, concretiza António Tavares.
“Há muito calculismo nesta fase da vida do PSD, em particular em muitos sectores a pensar que o Partido Socialista poderá ter agora um suplemento de alma. Trata-se de um raciocínio que poderá implicar algumas dificuldades para a próxima liderança do PSD. Neste pano de fundo poderemos até ter um cenário em que Rui Rio não terá adversários de peso na corrida, ou então ter de concorrer com um ‘remake’ de Pedro Santana Lopes…. ainda que não acredite que Santana vá a jogo”, sustenta o também presidente da mesa concelhia do PSD-Porto
“A próxima liderança do PSD vai nascer aqui no meio de um turbilhão, no olho do furacão em que é preciso apanhar todos os cacos do quadro deixado por Passos Coelho”, observa António Tavares. Mas se Passos Coelho regressa mais tarde - quão mais tarde? “Provavelmente a seguir às próximas legislativas.”, responde Tavares. “Se as coisas correrem mal a Rui Rio é inevitável que se comece a sentir alguma crispação no interior do PSD. O partido não está habituado a ficar muito tempo fora da área do poder e, até agora com o próprio mapa autárquico a não ajudar, esse quadro parece-me evidente”, diz o social-democrata considerado ‘próximo’ da candidatura de Rio à liderança do PSD.
Passos Coelho está apenas a tirar uma licença sabática de apenas dois anos? “Porque não?”, replica Tavares. “Passos Coelho percebeu que neste momento estava a ser o cimento que unia todo o bloco do poder no partido, portanto era fácil o discurso e provavelmente entendeu dar agora um passo atrás para, no futuro, poder dar dois à frente”, conclui António Tavares.
Carvalho da Silva: “Autárquicas geram movimentos tectónicos em todos os partidos”
Já Manuel Carvalho da Silva não acredita no regresso, a curto prazo, de Passos Coelho. O sociólogo começa por contextualizar o raciocínio defendendo a relevância da jornada eleitoral autárquica para as forças que apoiam o governo do PS. “O resultado das autárquicas para a esquerda tem um enorme significado: é mesmo um acontecimento muito relevante. Não podemos esquecer que estas eleições têm lugar quando está no poder um governo do Partido Socialista, apoiado no Parlamento por todas as forças à sua esquerda, e que esta solução governativa inédita foi esconjurada por todas as forças à direita e mereceu a desconfiança total dos defensores do Bloco Central”, diz Carvalho da Silva.
“Este resultado tem um significado relevante e projecta nas análises de muitos essa possibilidade a que António Tavares se referia do PSD estar afastado do poder durante muitos anos. Uma possibilidade, porque em política é mesmo assim, que não passa de uma hipótese”, não deixa de referir o professor da Universidade de Coimbra.
“Eu não acredito nessa possibilidade de retorno de Passos Coelho tendo em conta o que foi o trajecto que ele escolheu percorrer no passado e, também, à luz do que se pode antecipar daquilo que serão as opções de rumo político para as sociedades europeias e, em concreto, a portuguesa. Neste contexto acho que Passos Coelho muito dificilmente se encaixa aqui. Tem 53 anos, sei que é novo, mas não acredito no seu regresso”, opina Manuel Carvalho da Silva.
“É evidente que neste contexto o PSD se encostou à direita descaracterizou fundamentos do seu projecto, tem hoje menos poder do que se habituou e, por isso, terá mais dificuldade os choques internos. Atenção que distintas culturas internas no PSD, algumas que começaram a ser apontadas com a emergência da agenda neoliberal, secundarização de temas importantes como é o caso do trabalho e outros”, prossegue Carvalho da Silva.
“O PSD tem uma história ligada a temas centrais da sociedade que o partido abandonou e o também tem um desafio: como travar alguns objectivos do CDS. Mas nos últimos dias também é visível que não faltam por aí trombetas a clamar pelo Bloco Central e, portanto, vai haver convergência de múltiplas figuras destacadas do PSD e do PS - que sempre desejaram a opção do Bloco Central - a ajudar ao ressurgir de um PSD com a catalogação de "moderado". É um movimento já em marcha”, indica o sociólogo.
“Mas, insisto, o impacto político do resultado das Autárquicas gera movimentos tectónicos em todas as forças políticas e o que parece, neste momento, o sentido determinista pode deixar de o ser no futuro, porque a acção política altera os quadros em que se formam as relações relativas de poder”, remata Manuel Carvalho da Silva.
Luís Aguiar-Conraria: “Novo líder do PSD pode ter mais sucesso em 2019 do que se prevê”
Luís Aguiar-Conraria, por seu turno, alerta para a possibilidade do novo ciclo político poder não ser o que parece. O economista deixar no ar a possibilidade do PSD chegar às legislativas de 2019 bem melhor do que está hoje.
“Neste momento há muita gente no PSD que não se está a chegar à frente por imaginar um cenário pessimista nas próximas legislativas para o partido e eu acho que se podem enganar”, afirma o professor da Universidade do Minho.
“Da mesma maneira que durante dois anos andaram a prever o diabo e não veio diabo nenhum agora parecem antecipar que a geringonça dure para sempre - que vai durar os próximos 10 anos - e, se calhar, não vai”, diz Luís Aguiar-Conraria.
“Alertei aqui, há 15 dias, de que os indicadores económicos parecem estar a mostrar algum esgotamento desta solução de crescimento. As previsões desta semana do Banco de Portugal apontam justamente para um arrefecimento da economia no segundo semestre. Por aí as coisas já não vão correr tão bem. Por outro lado, temos a CDU com o orgulho mais ferido e basta ver como endureceu o discurso nos últimos tempos”, defende o economista.
“Portanto os próximos dois anos não têm de correr tão bem para a solução governativa como correram os últimos dois. E, eventualmente, um bom líder do PSD que consiga ter um discurso adequado e capte algum eleitorado do centro, mesmo que não gostemos do 'centrão' pode ter mais sucesso do que, neste momento, muitos estão a prever”, conclui Luís Aguiar-Conraria.