Emissão Renascença | Ouvir Online
Luís Cabral
Opinião de Luís Cabral
A+ / A-

​Populismo e retórica

16 jun, 2017 • Opinião de Luís Cabral


"Os países do ocidente atravessam uma grave crise política, uma crise que se manifesta, entre outras coisas, na falta de confiança nos políticos e, de forma mais geral, no sistema político."

Na semana passada, tive oportunidade de ouvir o presidente do New York Times, Mark Thomson, falar sobre o seu livro de 2016, "Enough Said".

O ponto de partida da tese de Thompson é o seguinte: Os países do ocidente atravessam uma grave crise política, uma crise que se manifesta, entre outras coisas, na falta de confiança nos políticos e, de forma mais geral, no sistema político.

Quando as pessoas me perguntam como é possível que Trump tenha ganho as eleições presidenciais, frequentemente a minha resposta é que Trump não ganhou: o que aconteceu foi que Clinton perdeu as eleições.

Isto é mais do que um simples jogo de palavras: Hilary Clinton representava o sistema político vigente, e muitos eleitores americanos encontravam-me altamente insatisfeitos com o ambiente de Washington, DC.

Neste contexto, Donald Trump surge como uma alternativa ao "sistema".

Até aqui nada de novo. O que há de interessante na aproximação de Thomson é o ênfase que põe no papel da linguagem.

Remontemos aos anos áureos do Império Romano. Enquanto Marcus Tullius Cicero deambula na escrita e oratória, elevando a língua latina ao mais alto patamar, o imperador Julius Caesar prefere formas de comunicação mais simples e directas: Veni, vidi, vici.

Vinte dois séculos passados, a utilização do "soundbite" no discurso político mantém-se — aliás, tornou-se ainda mais frequente. Segundo Thomson, a perda da qualidade do discurso vai de mão dada com o surgimento — ou ressurgimento — do populismo. Fala-se muito de Trump, mas não é nada que ele tenha começado: já Berlusconi afirmava que "não posso com a retórica, o que quero é saber o que é preciso fazer".

As coisas chegaram a um ponto em que falar bem; organizar raciocínios com princípio, meio e fim; utilizar palavras menos comuns; apelar ao conhecimento histórico ou literário; enfim, ir para além do discurso mais básico e telegráfico leva o cidadão comum a desconfiar do orador, especialmente tratando-se de um candidato a presidente ou primeiro-ministro.

Compreendo perfeitamente a atitude de desconfiança relativamente à classe política: razões não faltam. Pena é que a retórica seja uma vítima do processo.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • António Costa
    18 jun, 2017 Cacém 09:12
    (1) A explicação do que se passa põe a evidência o que não se sabe. Obriga a pensar. Assim " leva o cidadão comum a desconfiar do orador " porque o que se sabe apenas, é se o frigorifico está "vazio" ou não. Um dos exemplos "típicos" é o imposto indireto que os governantes impõem aos povos chamado "inflação". Em vez de "pedirem" dinheiro às pessoas, com impostos colocam a rotativa das notas a funcionar e as pessoas pagam e "vomitam" tudo cá para fora! E a culpa é dos "armazenistas" e "especuladores", nunca do ministro que colocou as notas "a mais" em circulação! Vigarizados e Roubados sim, mas sem o perceber! Pensar e Analisar o que se passa dava direito em certas ditaduras a "tratamento psiquiátrico". Nas sociedades atuais o não ser papagaio, é logo o rótulo de "dificuldades de aprendizagem" e de "integração social". Enganados sim! Mas sem o perceber! (2) A referência aos "tempos do Império Romano". A Oratória, nesses "tempos recuados" e antes na Grécia era considerada uma das "artes" mais "nobres". Sem a Oratória ou a Propaganda os Lideres podem acabar assassinados como Júlio César. O Veni, vidi, vici acabar numa poça de sangue, resultante de dezenas de facadas.....
  • MASQUEGRACINHA
    16 jun, 2017 TERRADOMEIO 16:08
    Pois, é um dos danos colaterais da educação ao serviço do "tecido empresarial"... ou talvez não seja um dano, talvez seja mesmo um objectivo desejável, também do "tecido empresarial", evidentemente. O povo parece que (re)descobriu que o voto é a sua arma - vamos cair na anarquia ou no suicídio colectivo? Esperam-se directivas do "tecido empresarial", como sempre. Já agora: não esquecer que, para lá do eventual "soundbite", Júlio César foi um extraordinário tribuno e um belíssimo escritor. É que, no artigo, não parece nada disso.
  • MASQUEGRACINHA
    16 jun, 2017 TERRADOMEIO 16:08
    Pois, é um dos danos colaterais da educação ao serviço do "tecido empresarial"... ou talvez não seja um dano, talvez seja mesmo um objectivo desejável, também do "tecido empresarial", evidentemente. O povo parece que (re)descobriu que o voto é a sua arma - vamos cair na anarquia ou no suicídio colectivo? Esperam-se directivas do "tecido empresarial", como sempre. Já agora: não esquecer que, para lá do eventual "soundbite", Júlio César foi um extraordinário tribuno e um belíssimo escritor. É que, no artigo, não parece nada disso.